A polícia francesa está sendo ridicularizada
Jorge Béja
Confirmado: os franceses não confiam mais no presidente Hollande nem no primeiro-ministro Manuel Valls e querem a renúncia dos dois. A notícia antecipada ontem aqui na Tribuna da Internet, em artigo do nosso editor, jornalista Carlos Newton, é matéria de grande destaque hoje no mundo. “Há uma fúria no país, com a sensação de que o Executivo não está à altura e que o presidente autoproclamado protetor da nação é, na realidade, incapaz de protegê-la”, disse o cientista político Frédéric Dabi ao “Le Figaro”.
Para o ex-presidente Nicolas Sarkozy, “não existe risco zero, mas tudo que deveria ter sido feito ao longo dos últimos 18 meses, não foi feito. Serão eles ou nós. É preciso uma guerra total contra os inimigos da França”.
Quando o assunto é o terrorismo não existe mesmo risco zero. E é justamente pela falta dessa garantia que as forças de segurança de todos os países precisam estar prevenidas com pessoal, tecnologia, inteligência e o melhor dos armamentos, dia e noite, noite e dia, em todos os lugares, permanentemente, sem cessar, a todos visíveis, sem intervalo e para sempre. A paz, mesmo que razoável e relativa, está muito distante de ser alcançada nos quatro cantos do mundo.
MAU EXEMPLO – E lá na França, o serviço de inteligência e toda a polícia nacional não servem de bom exemplo. Em dois artigos anteriores, aqui recém-publicados, foram expostas, de forma sucinta, as razões dessa conclusão. Não se sabe se é porque aprendemos que a França é o berço da cultura, da civilidade, do saber, da igualdade, da fraternidade e das liberdades — princípios e práticas que se opõem a lutas e combates e que retratam e se harmonizam com a paz — ou se é porque o que lá existe é frouxidão mesmo. Frouxidão e inteligência zero.
É por causa dessa “bobeira”, “apatia” e “pasmaceira”, numa inação que parece agora que os franceses não aguentam mais, que França e Bélgica são irmãs gêmeas univitelinas. Permanece vivo na memória o ataque ao Charlie Hebdo. Um dos terroristas foi perseguido por cerca de 30 mil policiais (e militares) franceses até ser encontrado dentro de uma fábrica desativada nos arredores de Paris. As televisões mostraram. Ao vivo e em cores. Estava sozinho. A energia elétrica foi desligada e a água cortada. Nada mais fácil do que prender o terrorista, sem disparar um tiro. Ele não resistiria muitos dias. Ou se entregaria, ou cometeria o suicídio, ou morreria por desnutrição. Durasse o tempo que fosse, o inteligente era a sua captura. E a burrice, matá-lo.
É MUITA BURRICE – Afinal, eram 35 mil policiais contra um só bandido, localizado, cercado e rendido por um exército de homens fortemente armados. Ele não oferecia mais perigo. Mas a “inteligência” francesa não entendeu que apanhá-lo vivo é que era o importante, para dele obter informações e submetê-lo a julgamento. Mas prevaleceu a burrice. O tal sujeito foi metralhado. E assim morreu. Eis o serviço de “inteligência” da França.
Chora-se a morte de muitas e muitas vítimas, resultantes dos últimos atentados, em Paris e agora em Nice. “Nunca mais volto aqui”, declarou Maria Inês, a brasileira e carioca do bairro de Olaria, que mora na Suíça e estava entre a multidão no Passeio dos Ingleses em Nice, na noite do 14 de Julho. Maria Inês perdeu a filha, casada com um suiço e a pequena neta. “Tiraram meu tapete. Agora vou ter que recomeçar tudo de novo. Arrancaram um pedaço de mim”, disse Maria Inês.
PÁTRIA DOS GÊNIOS – Eu também. Nunca mais volto lá, a pátria do professor Rivail (Kardec), de Jeanne D’Arc, de Victor Hugo, de Cesar Franck, de Camille Saint-Saëns, de Racine, Voltaire… de Piaff e tantos e tantos outros vultos que deram continuação ao rumo da Humanidade. A pátria que o polonês Frédéric Chopin adotou quando tinha 19 anos, dela nunca mais saiu e nela morreu com apenas 39 de idade. Eu também não volto mais lá.
A propósito: por falar em voltar à França (Paris, no caso) me veio à mente uma viagem singular. Corriam os anos 70. Foi quando sugeri ao museólogo e carnavalesco Clóvis Bornay que fosse à Paris e desse de presente ao Museu do Louvre, ou ao Museu Nacional Moyen-Age ou ao d’Orsay a primorosa fantasia de Luis XIV, que suas delicadas e hábeis mãos confeccionaram aqui no Rio, em Copacabana. Ele aceitou e foi. Fomos nós: ele e eu.
CLÓVIS BORNAY – Foram quatro dias em Paris. Tudo por minha conta. Viagem solitária, sigilosa, sem divulgação e sem espalhafato, como ele próprio pediu. Clóvis era disciplinado. Não costumava ir dormir tarde. Ficamos hospedados numa propriedade de minha família, vendida anos e anos depois e o produto da venda doado a uma instituição internacional de socorro a vitimados de guerras. Café da manhã, em casa. Almoço e jantar nos restaurantes. Mostrei-lhe Paris. A fantasia foi doada. Detalhista e de grande cultura, Bornay reparou que uma das roupas de Luis XIV expostas, salvo engano, no Louvre parecia não ser a original do chamado Rei Sol:
“Naquela época o ponto da costura, o plissado e o esplendor (aquela parte alta, pesada, em quase circunferência e que emoldura a cabeça do rei) eram mais delicados e de acabamento artesanal. Em todo caso vamos acreditar que esta da vitrine seja a verdadeira”, reparou Bornay.
No regresso, já dentro do avião, perguntei: “gostou de Paris e pretende voltar?”. “Gostei. Mas não pretendo voltar. Achei os franceses impregnados de ‘remplis de soi-même’. Prefiro o Rio, nossa gente e nossas mulatas. Sou do samba. Copacabana é o meu lugar. A (rua) Prado Junior e seus quarteirões são mais animados, mais movimentados e mais quentes do que o Quartier Latin e o Boulevard St-Germain”.
E naquela época nem existia ataque terrorista! Tudo era tranquilo e sem medo! Hoje, Clóvis Bornay (10.1.1916 – 9.10.2005), nem aceitaria ir lá pela primeira vez. Com certeza.