Charge do Aroeira, reprodução de O Dia
Carlos Newton
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sempre foi uma das instituições mais notáveis e importantes do país, com participação ativa na defesa das teses democráticas. Mas recentemente teve um período de flagrante retrocesso, na gestão do presidente Marcus Vinicius Furtado Coêlho, que esteve à frente da histórica entidade de janeiro de 2013 a 2016, até ser substituído pelo advogado Claudio Lamachia.
Neste triênio, pela primeira vez na história da OAB ficou patente que havia uma tendência partidária no posicionamento do Conselho Federal, que passou a dar seguidas demonstrações de apoio ao governo federal, inclusive se posicionando contra a possibilidade de impeachment da presidente Dilma Rousseff e depois tendo de refluir para uma situação de neutralidade, devido à péssima repercussão que foi registrada junto à opinião pública.
Com a posse do novo presidente Cláudio Lamachia em 1º de janeiro de 2016, houve uma imediata reversão desse atrelamento ao governo e a OAB voltou à sua tradicional postura de independência política, ideológica e partidária.
DECISÃO HISTÓRICA – Tudo ia bem com a OAB até 17 de fevereiro, quando a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, com apoio direto do procurador-geral Rodrigo Janot, decidiu desprezar a jurisprudência de 2009 e determinou que a prisão de condenados deve ocorrer depois que a sentença for confirmada em julgamento de segunda instância, ou seja, sem se esgotarem todos os recursos possíveis da defesa.
A proposta foi apresentada pelo ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato, e seu voto foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
Votaram contra Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que protestou: “O sistema penitenciário está absolutamente falido, se encontra num estado inconstitucional de coisas. Agora nós vamos facilitar a entrada de pessoas nesse verdadeiro inferno de Dante”, alegou ele, enquanto o procurador Janot reagia, acentuando que se “trata de um passo decisivo contra a impunidade”.
OAB FOI CONTRA – Surpreendentemente, a OAB agiu de forma corporativista. Ao invés de lutar contra impunidade dos poderosos, preferiu defender o faturamento dos advogados. Não somente defendeu que não haja prisão enquanto houver direito a recurso, como apresentou ao Supremo uma ação para exigir que a nova jurisprudência seja alterada.
Em busca de 15 minutos de fama, o PEN (Partido Ecológico Nacional), que só tem um deputado federal, entrou no embalo e também moveu ação a favor da impunidade até trânsito em julgado.
Agora em junho, o ministro Dias Toffoli trocou de lado e mandou libertar o ex-ministro Paulo Bernardo, seu amigo pessoal e companheiro desde os tempos de militância no PT. Ou seja, só falta um voto no Supremo para ocorrer o gravíssimo retrocesso no cumprimento de penas de condenados em segunda instância, como ocorre na maioria dos países democráticos.
IMPUNIDADE – Para o ministro Zavascki, a possibilidade de recorrer em liberdade estimula os réus a apresentar uma série de recursos em cada tribunal superior, até mesmo para tentar obter a prescrição, quando a demora nos julgamentos extingue a pena. “A sociedade não aceita mais essa presunção de inocência de uma pessoa condenada que não para de recorrer”, argumenta o ministro Luiz Fux.
A situação é grave. Se o Supremo aprovar a ação da OAB e do PEN, a Lava Jato será automaticamente desmanchada, os empresários, políticos e outros envolvidos na corrupção serão libertados, as penas irão prescrever e a impunidade estará assegurada. Até mesmo o ex-senador Luís Estevão, que foi preso depois de dezenas de recursos, já perto da prescrição, ganhará novamente a liberdade.
Em nome de sua história e de sua memória, a OAB não pode participar dessa farsa antidemocrática. É preciso que a tradicional entidade retire a ação e deixe a responsabilidade pelo retrocesso apenas com o PEN, que não tem e jamais terá história nem memória. O jovem presidente Cláudio Lamachia, que está construindo uma biografia, não deveria manchá-la com ato tão torpe, em nome dos 30 dinheiros que vão tilintar apenas no bolso de meia dúzia de advogados famosos.
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