Publicado por Luiz Berto em OS CONTOS NOSSOS DE CADA DIA - Francisco Itaerço
Josefina era moça-donzela, prendada… Um metro e sessenta e cinco de altura, sessenta quilos de peso bem distribuído num belo corpo de mulher. Nascida e criada num lugar, numa época e numa família, onde os filhos homens podia tudo ou quase; já as filhas mulheres quase nada podiam. Os filhos varões tinham como limite a linha do horizonte, as filhas o limite era a porta da sala da casa dos pais. Dali só saiam casadas, já os homens tinham necessidade de emanciparem-se o mais cedo possível. Esse era o costume, e o costume era lei.
Josefina sonhava com vôos altos, precisava mudar-se para a cidade grande, estudar, ganhar seu próprio dinheiro e com ele sua independência. Como fazer tudo isso? Não sabia. Até era fácil adquirir novos hábitos, incorporar na vida mudanças, difícil era livrar-se dos velhos costumes, abdicar da ortodoxia em que havia sido criada. Nas suas aspirações contava com a conivência da mãe, mas os argumentos eram fracos para convencer o pai a dar-lhe a alforria desejada e na sua cabeça merecida, pois já tinha dezoito anos e considerava o modo de vida do interior uma escravidão.
Mas como não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe, a oportunidade sonhada chegou numa manhã primaveril, através de uma prima que morava na cidade grande e veio passar as férias no sitio. Josefina e Shirley (a prima) tinham a mesma idade e igual formosura, mas viviam em mundos muito diferentes. Josefina fora educada para ser mãe de uma prole numerosa, cuidar do marido e da casa… Enfim, ser mulher do lar. Enquanto Shirley era uma mulher (descolada) como se dizia na época. Morava sozinha, trabalhava numa grande empresa, cursava engenharia civil numa faculdade particular, pagava todas suas despesas com o seu salário. Princípios não muito atraentes ao seu Ariosvaldo, pai de Josefina. Dona Esmerlinda, via a sobrinha com um misto de admiração e inveja. Shirley, moça alegre, comunicativa, resposta na ponta da lí ngua, raciocino rápido, condição financeira estável… Era tudo que sonhara para a filha; mas nem tudo estava perdido, bastava para tanto convencer seu Ariosvaldo a mandar a filha para cidade, para estudar e tornar-se independente.
Do pensamento a ação foi apenas um passo; um fato conspirava para que tudo desse certo, o apoio da sobrinha, comprometendo-se a dividir o apartamento com a prima, conseguir colocação no mercado de trabalho e orientá-la a fazer um bom cursinho para ingressar na faculdade. Com cautela, dona Esmerlinda conversou com seu Ariosvaldo que a surpreendeu com a concessão do pedido, com uma condição: O curso a ser feito teria que ser agronomia e ao terminar teria que tomar conta do sitio, achava-se velho e não pretendia entregar tudo que tinha conseguido com muito trabalho a estranhos, teria que ser alguém da família e ninguém melhor que a filha que ali nascera e criara-se.
Finalmente chegou o dia de viajar para a cidade, Josefina despediu-se da mãe com muito choro e muita recomendação do pai. Não faça isso, não faça aquilo, não fale com estranho…A própria Josefina estava triste, não conseguia livrar-se assim tão de repente das suas raízes, do lugar onde nasceu e criou-se, onde todos a admirava e a respeitava.
Chegando a cidade as coisas aconteceram como previsto, Shirley conseguiu uma colocação como vendedora na empresa em que trabalhava, matriculou a prima em um bom cursinho. – Prima, daqui para frente é com você, já fiz a minha parte.
Josefina dedicou-se de corpo e alma ao trabalho e aos estudos, teria que provar para todo mundo que era capaz, só esperava a oportunidade e esta havia chegado. Passou no primeiro vestibular, ingressou no curso de agronomia embora não fosse essa sua aptidão, mas não ia desobedecer o velho pai. Não no momento! Não pretendia voltar a morar no sitio, mas essa era outra história e teria tempo para pensar no que fazer.
Esforçada, trabalhadora, obediente, estudiosa, econômica… No final do primeiro ano, comprou um carro, tirou habilitação e voltou ao sitio de férias dirigindo seu próprio veiculo, para orgulho e agrado dos pais. Era tudo que eles esperavam da filha.
Iniciou o segundo ano na cidade com a coragem e a determinação de sempre, casa, trabalho e estudo; era tudo que tinha na vida, mas sentia que estava faltando algo mais, para se sentir completa, realizada, até que certo dia a prima a abordou dizendo: – Josefina a vida não é só isso, é algo mais; tenho observado com respeito o seu modo de viver, dedicada ao trabalho, aos estudos, respeitando o próximo e principalmente aos princípios ensinados pelos seus pais. Mas na vida é preciso ousar, criar coisas novas, ir em busca de aventuras… E sem querer induzi-la a fugir do que você acredita, resolvi lhe dar uma mãozinha. Deixe comigo que vou lhe orientar e lhe preparar para sua primeira vez. Vou lhe dar esse presente de aniversário de vinte anos de idade.
Assim dito e assim feito. Para nós mulheres cuidar da aparência é fundamental para que sejamos respeitadas. Profetizou a Shirley. Vá a um bom salão e deixe o resto comigo. Assim sendo na véspera do seu aniversário, Josefina foi ao salão, arrumou o cabelo, fez uma boa maquiagem, pintou as unhas com esmalte bem claro, não queria parecer vulgar, fez uma depilação, embora não fosse esse um detalhe de fundamental importância, mas não queria ser vulgar, muito menos parecer principiante. Retornou ao apartamento se sentindo outra mulher. Passou à noite insone na expectativa do novo passo que estava preste a dar.
No outro dia, logo pela manhã, após um belo banho, colocou um perfume suave, para não chamar atenção, um leve retoque na maquiagem, vestiu-se com todas as peças íntimas de que uma mulher tem direito, tudo novo, comprado para a ocasião, pois um vestido vermelho que destacava bem o charme e a beleza de uma mulher de vinte anos de idade, apanhou uma bolsa, adereço indispensável a toda mulher. Deu uma olhada no espelho e aprovou o que viu. Deu mais uma revisada nas orientações da prima, detendo-se em cada detalhe que achava importante: Os dez minutos iniciais teria que ser na posição vertical, era mais cômodo e mais seguro, depois poderia deitar-se, nos dez minutos finais teria que voltar a posição inicial; ou seja: para a vertical.
Dirigiu-se a porta, chamou um táxi, não arriscar-se-ia dirigir naquelas condições, deu o endereço ao motorista e dirigiu-se para o local pré-estabelecido. Sentia-se tensa, apreensiva… mas não podia voltar atrás. Era agora ou nunca. Pagou o taxista e dirigiu-se ao portão. A delicadeza das pessoas que encontrava em seu caminho dava a entender que estava carregando na fronte, escrito em letras garrafais: Esta é a minha primeira vez. As pessoas eram super cordiais: siga por aqui, entre na primeira porta à direita. Ele está a sua espera. Ela pôde confirmar que estava deixando transparecer que era neófita quando ouviu seu nome chamado no auto falante do local: Senhora Josefina Rodrigues Araújo, dirija-se para o portão 10 no piso superior para embarque imediato. O cuidado exagerado com a aparência, o nervosismo, a preocupação com a sua primeira vez, quase a fazia perder o vou para São Luiz para conhecer Os Lençóis Maranhenses.
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