15 de Dezembro de 2012 - 07:00
Por Guilherme Arêas
Maria da Piedade em frente ao muro de casa, onde o filho, morto em outubro,escreveu seu nome
Pichação com alusão a facções sinalizam que há ruptura na rotina pacata
Locais até então sem registro de crimes de maior gravidade estão perdendo espaço para a violência, principalmente aquela motivada pelo tráfico de drogas. Para se ter uma ideia, a localidade de Igrejinha, na Zona Rural, é o bairro onde mais se matou em Juiz de Fora este ano. Foram sete assassinatos, sendo cinco nos últimos dois meses. Um protesto programado para as 14h de hoje, pelos próprios moradores, vai pedir o fim da onda de violência no bairro onde a própria polícia não precisava atuar de forma tão intensa até pouco tempo. A mudança de cenário é vista em outros locais antes considerados tranquilos, como a Rua Mariana Evangelista, no Poço Rico, onde usuários de drogas tomaram conta de casas abandonadas e afastaram os moradores das ruas. Ainda esta semana, a Tribuna mostrou que beneficiários do "Minha casa, minha vida" estavam preferindo se mudar e pagar aluguel fora do que continuar convivendo com traficantes dentro do condomínio Vivendas Belo Vale, no São Geraldo, Zona Sul. O bairro era considerado calmo pela Polícia Militar.
Os últimos dois casos de violência em Igrejinha ocorreram há uma semana, quando dois adolescentes de 16 e 17 anos foram executados enquanto voltavam de uma formatura, na madrugada do último sábado. Eles levaram tiros em várias partes do corpo, inclusive na cabeça, e foram encontrados no km 119, da BR-267, perto da estrada de Humaitá. Os dois homens que efetuaram os disparos de uma moto vermelha não foram localizados. A Polícia Civil já identificou suspeitos, mas ainda não chegou à conclusão do motivo dos homicídios. Curiosamente, um dia antes de ser assassinado, o jovem de 17, Hiago Carlos Luna de Freitas, publicou no Facebook o seguinte comentário: "Igreja ontem muito bom. Deus me deu livramento de morte. Eu ia morrer a tiro. Tinha uma moto atrás de mim com dois homens numa moto preta que carregavam uma arma nas mãos: Obrigado Jesus." O pai de Hiago, Nelson José de Freitas, disse que o garoto teria sido alertado por um pastor evangélico, mas disse desconhecer que o filho recebia ameaças de morte.
A 3ª Delegacia de Polícia Civil identificou o suspeito do duplo homicídio do último dia 8. De acordo com o delegado Rodolfo Rolli, ontem foram ouvidas testemunhas que teriam confirmado a presença do suspeito na festa onde as vítimas também estavam. Na quinta-feira, uma equipe de policiais esteve no Bairro Vinã del Mar, na Cidade Alta, onde mora o suposto autor dos tiros para intimá-lo. Todavia, ao perceber a presença policial, ele teria fugido em uma motocicleta. "A investigação aponta que a motivação do crime seria um acerto de contas entre os envolvidos, uma vez que uma das vítimas já teria brigado com o amigo do suspeito."
Reforço
Diante dos homicídios, a Polícia Militar intensificou o policiamento em Igrejinha, Humaitá e Valadares. "As coisas vão acontecendo, e a população começa a passar informações. Pessoas estranhas estão sendo vistas circulando pelo bairro. Então, estamos fazendo abordagens e patrulhamento constante", diz o comandante da 173ª Companhia da PM, capitão Márcio Coelho. A Polícia Civil informou que todos os homicídios estão sendo investigados.
Além dos assassinatos, o bairro não escapa dos problemas com as brigas de gangues. Neste caso, a rixa dos adolescentes de Igrejinha tem como alvo os jovens de Humaitá. A rivalidade já provocou inclusive o apedrejamento e disparo de tiro em ônibus das linhas que atendem a região. O presidente da associação de moradores de Igrejinha, Luiz Cachoeira, garante que a própria comunidade, com auxílio da PM, tem conseguido solucionar este problema. "Tomei a frente do assunto. Procurei os meninos daqui, e a presidente da SPM de Humaitá procurou os de lá. Conversamos com eles, e essa questão está normalizada."
Tráfico mudou a rotina de moradores
Antes mesmo das duas últimas execuções em Igrejinha, a Tribuna passou uma manhã na localidade para tentar entender o que tem motivado tantos assassinatos numa área rural com pouca infraestrutura, moradias simples, crianças e animais circulando livres pela ruas e um comércio que sobrevive de pequenas vendas. Moradores do local há anos agora se dizem assustados e já evitam sair de casa à noite por medo da violência. Os que falaram em anonimato atribuíram a violência ao tráfico de drogas, que chegou a um nível de atuação nunca antes visto pela comunidade. O delegado responsável pela Zona Norte, Rodolfo Rolli, concorda. "Acredito que o que está ocorrendo lá é desavença por tráfico de drogas e brigas de gangues."
"O bairro vai crescendo e, com ele, aumentam os problemas. Há 40 anos, quando cheguei aqui, havia meia dúzia de casas. Hoje muita gente, às vezes mal intencionada, vem pra cá, aproveitando que é um lugar pequeno e sem policiamento", resume um comerciante. "Há 14 anos aqui, nunca tinha ouvido falar de tiro", diz outro homem.
A violência vitimou o filho da dona de casa Maria da Piedade Almeida, 42 anos. Iago de Souza foi morto em outubro, pouco antes de completar 20 anos. Quando recebeu a reportagem na casa simples, a mãe preparava, num fogão a lenha, o almoço que serviria aos outros cinco filhos. "Estava em casa, deitada, quando me falaram que tinham matado meu filho. Cheguei lá na rua, e o corpo já estava tampado com um pano. Quando destampei, não o reconheci."
Iago foi atingido com tiros no queixo, tórax e axila, em uma rua perto de casa. Teve tempo de pedir socorro, mas, quando a ambulância do Samu chegou, já era tarde. Os dois suspeitos só não atiraram mais porque a arma falhou. Eles fugiram e continuam soltos. Maria da Piedade acredita que a motivação do crime não esteja no tráfico de drogas nem nas gangues, embora reconheça que o filho era usuário de crack e maconha desde os 16 anos, quando abandonou a escola. "Sinto muita falta dele. Ele podia ser o que fosse, mas era meu filho."
Cenário de guerra em rua perto do Centro
Não é preciso ir muito longe do Centro para encontrar locais onde a tranquilidade cedeu espaço ao medo. Na Rua Mariana Evangelista, no Poço Rico, no limite com o Bairro Granbery, era possível ver crianças brincando até o ano passado. "A gente ficava na rua, conversando na porta de casa até tarde. Não tinha problema algum", diz uma moradora de 73 anos. "Hoje todo mundo tem medo. Nem abro a janela de casa", lamenta. O motivo de tanta mudança é um conjunto de cerca de 15 casas desocupadas há cerca de um ano e que estão sendo tomadas por usuários de droga, o que tem refletido em violência no entorno.
O cenário é de devastação. As casas já não têm porta, janelas, nem telhados. Uma, surpreendentemente, não tem chão (ver vídeo aqui). Quando a reportagem esteve no local pela última vez, no dia 3, policiais militares haviam acabado de expulsar os invasores. "A polícia faz um trabalho impecável, mas os usuários voltam. Não suportamos mais", diz um morador.
Alguns vizinhos já acionaram a Justiça. Outros planejam ir embora. "Pagamos IPTU de R$ 2 mil para convivermos com essa situação. O que era possível fazer em questão de segurança, já fizemos", diz um rapaz de 24 anos, cuja família colocou o imóvel à venda. Os reflexos do tráfico de drogas no local são furtos a residências próximas e a veículos estacionados nas imediações, além de abordagens a pedestres.
Os imóveis desocupados, que pertencem à Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), eram usados por inquilinos de baixa renda, que pagavam um valor mínimo de aluguel, e, em troca, deveriam cuidar do patrimônio. "Mas eles nunca cuidaram das casas. Chegou-se a um ponto em que a própria Defesa Civil apontou riscos (de desabamento). A solução encontrada pela Sociedade foi pedir as casas de volta", explica o coordenador de comunicação da SSVP, Fábio William Ribeiro. No final do ano passado, todos os inquilinos já haviam deixado o local. "Os usuários de droga e os vândalos estão destruindo o patrimônio de uma entidade séria, comprometida com o próximo, que ajuda aos mais necessitados o ano inteiro e tira muita gente da miséria."
Além da falta de segurança, o problema é de saúde pública, uma vez que o local está insalubre, cheio de fezes espalhadas pelo chão e criadouros do mosquito da dengue. "Não é um desleixo por parte da Sociedade São Vicente de Paulo. Há o vandalismo. A solução emergencial é pedir ao Poder Público, especialmente à polícia, que faça patrulhamentos ostensivos para diminuir esse prejuízo", diz Fábio, que ainda cobra das autoridades um trabalho para tentar retirar os usuários de droga das casas.
Sem dinheiro
Como é uma instituição que vive de doações, a SSVP alega não ter condições financeiras de recuperar os imóveis. A venda dos lotes, que somam cerca de 3 mil metros quadrados, ainda está em processo de autorização pelo Conselho Nacional do Brasil da SSVP, o que pode acontecer até março. Por enquanto, não surgiram interessados na área. O paliativo defendido pelo Conselho Central Diocesano é demolir o que ainda resta das construções. O problema é que os imóveis acumulam dívida de mais de R$ 100 mil em IPTU, segundo a SSVP, o que estaria impedindo a derrubada. A assessoria de comunicação da PJF não confirmou o valor do suposto débito, mas informou que, por ser uma entidade beneficente, a Sociedade é isenta de IPTU, mas precisa requerer esse benefício junto à Secretaria de Atividades Urbanas. Já a taxa de coleta de lixo precisa ser paga normalmente.
"Tudo nos fecha pela questão financeira. Temos um patrimônio hoje porque, num passado bem distante, as pessoas tinham disponibilidade de nos doar imóveis. Mas hoje não temos dinheiro para tanta coisa", justifica a secretária do Conselho Metropolitano Central, Elizabeth Maria Castro.
* colaborou Marcos Araújo
http://www.tribunademinas.com.br/cidade/bairro-igrejinha-clama-por-seguranca-apos-7-mortes-1.1203769