Por G1 Zona da Mata e MG1
06/09/2019 11h57
Um dia que começou normal e passou por uma reviravolta para se tornar histórico. É assim que o gerente de uma lanchonete em Juiz de Fora, Ednei Ferreira, o cirurgião da Santa Casa de Misericórdia, Luiz Henrique Borsato, e o comandante do 2º Batalhão da Polícia Militar (BPM), tenente-coronel Marco Antônio Rodrigues Oliveira, se lembram de 6 de setembro de 2018.
Neste dia, o então candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro (PSL), foi esfaqueado por Adélio Bispo de Oliveira durante ato de campanha entre o Calçadão da Rua Halfeld e a Rua Batista de Oliveira, no Centro da cidade.
O tenente-coronel participou da prisão em flagrante de Adélio Bispo e da ação para removê-lo em segurança para a Delegacia da Polícia Federal da cidade. Ferreira trabalha na lanchonete onde Bolsonaro recebeu os primeiros socorros após ser esfaqueado. Borsato era o chefe da equipe de cirurgia do dia e participou da operação emergencial no político.
Eles contaram ao G1 e ao MG1 sobre as recordações e, nos casos do comandante e do cirurgião, como reagiram ao atentado que mudou o rumo do que seria apenas mais um dia de campanha na corrida eleitoral pela Presidência do país.
Tenente-coronel Marco Antônio Rodrigues Oliveira, comandante do 2º Batalhão de Polícia Militar de Juiz de Fora atendendo à imprensa após a prisão de Adélio Bispo em 6 de setembro de 2018 — Foto: Reprodução/TV Integração
'Participei de sete eleições e nunca houve nada parecido'
A frase é do comandante do 2º Batalhão da Polícia Militar (BPM), responsável pela segurança da região central de Juiz de Fora - o comandante, tenente-coronel Marco Antônio Rodrigues Oliveira. Em entrevista ao G1, ele comentou que no planejamento do trabalho relativo à ida do então candidato do PSL à cidade, o policiamento foi preparado para todos os locais previstos na agenda:
primeiro, em evento na Associação Feminina de Prevenção e Combate ao Câncer de Juiz de Fora (Ascomcer) e, depois, encontro com empresários e industriais no Hotel Trade e que eles agiram conforme a definição do que o político faria à tarde.
"Estava planejado, inicialmente, que ele iria se pronunciar apenas em frente à Câmara de Vereadores. Até então não tinha notícia de que ele iria descer o Calçadão. De qualquer forma, quando começou o deslocamento do Bolsonaro e apoiadores a gente colocou equipes à frente, atrás e dos lados. Já a segurança pessoal do candidato estava por conta da equipe de policiais federais", relatou tenente-coronel Marco Antônio Rodrigues Oliveira.
A facada e Adélio Bispo
6 de setembro de 2018: internauta registrou momento em que Jair Bolsonaro foi esfaqueado em Juiz de Fora,
O comandante contou que seguia com a parte do efetivo que vinha atrás da multidão que acompanhava o candidato, quando chegou a informação que mudou a tarde.
"Chegou a notícia: 'Bolsonaro sofreu um atentado'. As informações iniciais eram confusas, não dizia se ele tinha sido atingido por tiro ou facada. Primeiro, disseram que era tiro. Eu e toda a equipe nos deslocamos para o local. Os outros policiais que estavam ao lado e à frente da multidão e dois policiais federais conseguiram prender o Adélio Bispo e o levaram para uma sobreloja porque os apoiadores e simpatizantes do então candidato queriam matá-lo, gritavam palavras de ordem: 'uh, vai morrer, uh, vai morrer'", lembrou.
Ele destacou que a PM organizou um cordão de isolamento para controlar a multidão que "estava enfurecida". Com o efetivo presente e apoio dos militares do 2º Batalhão e da 4ª Companhia de Policiamento Especializado, que estavam de prontidão, foi organizado como o autor do atentado seria retirado do local.
Foi feito um cordão de isolamento também em parte do calçadão para entrar com a viatura para colocar no xadrez e levá-lo em segurança para a Polícia Federal. Por causa disso não houve confronto nem contato dos simpatizantes do candidato com Adélio Bispo e conseguimos tirá-lo de lá sem que houvesse esse problema", acrescentou.
Adélio Bispo de Oliveira foi preso logo após esfaquear o então candidato a Presidência, Jair Bolsonaro (PSL) em Juiz de Fora — Foto: Polícia Militar/Divulgação
Ainda na sobreloja, o comandante conversou com o preso. "Perguntei por que ele fez isso. Ele falou que não concordava com as ideias do candidato Jair Bolsonaro. Vi que ele era natural de Montes Claros, estava em Juiz de Fora há poucos dias. Ele me falou que estava na pensão e, depois, nós estivemos lá com a Polícia Federal (PF) para buscar informações", disse.
No dia, o tenente-coronel não só atendeu à imprensa ainda no local como foi registrado descendo as escadas da sobreloja conduzindo Bispo até a viatura. Por isso, amigos e parentes queriam ouvir o relato dele e foi reconhecido, algum tempo depois, até por pessoas que ele não conhecia.
"Eu tive que contar esta história muitas vezes desde o fim de 2018. Como fiz academia de Polícia Militar em BH, tenho amigos em diversos estados. No dia, o telefone tocou direto, não consegui atender. Todo mundo querendo ouvir a história contada por mim. Até fui reconhecido em Caxambu por uma pessoa que viu a cobertura do caso e se lembrou de que eu conduzi o Adélio até a viatura", lembrou.
O tenente-coronel Marco Antônio Rodrigues Oliveira conduziu Adélio Bispo até a viatura da PM após ataque a Jair Bolsonaro em 6 de setembro de 2018
Um ano depois, ele avalia como a reviravolta em um dia de trabalho se tornou tão marcante.
"Era um dia normal, eu já tinha acompanhado outros candidatos a presidente. Estou na PM há 29 anos. Foi uma experiência única, já passei ao longo da carreira por situações tensas como confronto em jogos do Cruzeiro e Atlético no Mineirão, rebeliões em presídios em Juiz de Fora na década de 1990. Participei de sete eleições presidenciais ao longo da carreira e nunca houve nada parecido. Esta foi a diferenciada", comentou.
"Foi inesperado porque historicamente nunca havia acontecido isso, um atentado a um candidato ao cargo máximo do Brasil, seja em Juiz de Fora e no país. Às vezes, digo aos meus filhos, que, quando eles tiverem filhos para contarem direito essa história. Que o vovô estava lá neste dia", destacou o comandante.
'Igual a esse dia, eu nunca vi'
'Vivenciei isso tudo, eu e os meus colegas', disse Ednei Ferreira, gerente da lanchonete onde Jair Bolsonaro recebeu os primeiros socorros após ataque em Juiz de Fora — Foto: Reprodução/TV Integração
"Era muita gente, uma multidão, assim incontrolável", esta foi a primeira lembrança do gerente de lanchonete Ednei Ferreira, ao ser questionado pela reportagem sobre do que se recorda dos acontecimentos de 6 de setembro de 2018. Ele trabalha no local que fica em uma das esquinas do Calçadão da Rua Halfeld com a Rua Batista de Oliveira.
A multidão era formada por apoiadores e simpatizantes do então candidato Jair Bolsonaro, que foi esfaqueado perto do estabelecimento. E isso transformou o que aparentava ser um dia normal de trabalho.
"Eu estava no caixa, o pessoal estava descendo na campanha do Bolsonaro. Aí quando começou tudo, não sei de onde apareceu tanta gente, de repente aquele tumulto. Eles vieram e deitaram ele para dar os primeiros socorros. Aí a multidão queria ver, então vieram empurrando tudo, subiam em cima do balcão", recordou.
Momento em que Jair Bolsonaro foi retirado da lanchonete após ser esfaqueado durante campanha em Juiz de Fora
Segundo ele, foi necessária a intervenção policial para retirar as pessoas do local e permitir o socorro ao candidato, que foi encaminhado para atendimento médico.
"A gente não sabia o que tinha acontecido. Soubemos depois. Foi tudo muito rápido. Aí a gente teve que fechar as portas por segurança. Era muita gente, não dava para controlar", comentou.
Um ano depois, segundo ele, não houve grandes mudanças no local. No entanto, alguns clientes ainda perguntam sobre o ataque a Bolsonaro.
"Segue normal. Só ficou a lembrança do fato que aconteceu. Vira e mexe vem pessoas de cidadezinhas de fora que param aqui para tomar um café e aí perguntam. Às vezes tira foto do lugar. Ficou marcado. Vivenciei isso tudo, eu e os meus colegas", resumiu.
O cirurgião Luis Henrique Borsato, chefiava a equipe de plantão da cirurgia geral da Santa Casa e participou da operação de emergência em Jair Bolsonaro em 6 de setembro de 2018 — Foto: Reprodução/TV Integração
'A gente tem noção do que representou aquela cirurgia'
No dia 6 de setembro de 2018, o cirurgião do aparelho digestivo, Luis Henrique Borsato, chefiava a equipe de plantão da cirurgia geral da Santa Casa de Misericórdia. Após duas operações na parte da manhã e a pausa para o almoço, ele recebeu uma ligação chamando para um atendimento de urgência.
"O paciente, senhor Bolsonaro, tinha dado entrada no setor de emergência do hospital vítima de um traumatismo abdominal por arma branca. Ele tinha sido atendido pela equipe de plantão da emergência, estabilizado e estava sendo levado para fazer uma tomografia em caráter de urgência. Desci, na companhia de outros dois colegas cirurgiões. Nós o encontramos realizando o exame", contou.
"A tomografia identificou a presença de grande quantidade de líquido dentro do abdômen. Dali do setor de radiologia, ele foi então conduzido para o centro cirúrgico para passar por uma cirurgia em caráter de urgência", lembrou.
Um ano depois, o cirurgião ressaltou que volta e meia responde a "uma pergunta frequente": por que o candidato não apresentou sangramento externo?
"Para um objeto longo e cortante atingir a veia intra-abdominal, que causou a hemorragia, tem que atravessar pele, gordura, uma camada espessa de musculatura, só aí penetra no interior do abdômen. Quando a ponta desse objeto lesa a veia e ele é retirado, o orifício na parede é pequeno e retilíneo, a musculatura contrai. Ele sangra para dentro do abdômen. Essa hemorragia é interna. Isso foi demonstrado na tomografia", explicou.
Faca usada para atacar Bolsonaro em Juiz de Fora — Foto: PM/Divulgação
Em cerca de 20 anos de carreira, ele destacou que o caso clínico não era diferente de nada do que era feito no dia a dia na Santa Casa. O diferencial foi a identidade do paciente. Borsato conversou e relatou a um dos filhos e aos assessores o resultado do exame e a necessidade de uma intervenção imediata.
"Não houve por parte dessas pessoas, de assessores, de ninguém, pressão em cima nosso trabalho. Há quase 20 anos que eu trabalho com essa equipe. Nós abrimos uma ampla incisão abdominal, mais ou menos uns 30 centímetros longitudinal, para ter acesso ao abdômen, fazer os diagnósticos na hora ali das lesões e corrigi-las", comentou.
Ele ainda acrescentou que a atuação na sala de cirurgia não diferiu em nada dos outros atendimentos realizados no hospital. "O que diferiu foi o pós, a repercussão toda que esse caso gerou. Tinha meia Juiz de Fora no entorno do hospital, veículos de imprensa. Eu passei mais tempo dando entrevistas que realizando a cirurgia. Eu tive que dar depoimento de imediato para a Polícia Federal", acrescentou.
Pessoas se reuniram para rezar na frente da Santa Casa de Misericórdia em Juiz de Fora, onde Jair Bolsonaro foi operado após ataque em Juiz de Fora — Foto: Fellype Alberto/G1
A atuação da equipe que realizou o atendimento na Santa Casa foi elogiada pelos médicos que deram sequência ao tratamento de Bolsonaro, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e recebeu agradecimento do próprio paciente, em um vídeo gravado ainda internado.
"Com os anos de experiência e seguindo protocolos preestabelecidos feitos no mundo inteiro, você tem uma linha de raciocínio e de atuação. Os elogios são bem vindos, mas não são só meus, a gente divide com a equipe toda. Poderia ter sido um outro cirurgião que estivesse chefiando a naquele dia e eu teria ajudado. Acho que o mérito é de todos", resumiu.
De acordo com o cirurgião, a equipe está ciente do impacto do atendimento ao então candidato Bolsonaro, mas destacou que isso não trouxe alterações ao cotidiano do hospital.
"É uma pergunta que eu tenho respondido com uma certa frequência. O que que mudou na minha vida depois disso. A gente tem noção do que representou aquela cirurgia, aquele atendimento, quem é essa pessoa que, depois, foi eleito Presidente da República. Mas a vida cotidiana do hospital, a minha, a dos colegas continua a mesma. A gente continua trabalhando, atendendo as pessoas da mesma forma", avaliou.
Registro do atendimento a Jair Bolsonaro na Santa Casa após o ataque durante campanha em Juiz de Fora — Foto: Reprodução GloboNews
Doações para a Santa Casa
Por causa do atendimento, após ser eleito, Bolsonaro incluiu o hospital como destinatário de R$ 2 milhões em emenda parlamentar prevista para 2019. O valor é parte da verba de emenda individual a que ele tem direito no mandato atual de deputado federal. A informação sobre a destinação foi publicada no site da Câmara dos Deputados.
Em dezembro do ano passado, a Santa Casa divulgou que recebeu R$ 1,3 milhão em doações feitas até novembro por eleitores e simpatizantes de Jair Bolsonaro. Sobre emenda parlamentar prometida, a instituição explicou que o prazo para receber o recurso não acabou.
"A Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora ainda não recebeu nenhuma das emendas impositivas destinadas a nós feitas por parlamentares em 2018. Acreditamos que até o fim de 2019 elas cheguem. Baseados em nossas experiências anteriores, os prazos estão dentro do esperado", esclareceu em nota.
Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora — Foto: Roberta Oliveira/G1
Bolsonaro um ano depois
Após se recuperar do ataque, Bolsonaro foi eleito presidente no segundo turno das eleições de 2018.
Ele vai passar pela quarta cirurgia no abdome no próximo domingo (8), para corrigir hérnia que surgiu no local das intervenções anteriores.
Nesta quinta (5), o presidente Jair Bolsonaro discursou durante lançamento do programa nacional de escolas cívico-militares — Foto: Reprodução/EBC
Adélio: um ano depois
Preso logo após o ataque, Adélio Bispo de Oliveira confessou o ato. Dois dias depois, foi transferido para o presídio de segurança máxima de Campo Grande (MS), onde permanece, após ser considerado inimputável e ter determinada internação por tempo indeterminado.
Em 21 de setembro, a TV Integração mostrou imagens exclusivas do cinegrafista Rodrigo Soares que mostra Adélio Bispo de Oliveira tentando esfaquear Bolsonaro (PSL) minutos antes do atentado ocorrer em Juiz de Fora no dia 6 de setembro.
Ele foi indiciado pela PF por prática de atentado pessoal por inconformismo político, crime previsto na Lei de Segurança Nacional. O primeiro inquérito concluiu que o agressor agiu sozinho no momento do ataque e que a motivação “foi indubitavelmente política”.
Em maio deste ano, Adélio foi considerado inimputável pela Justiça por ter uma doença mental.
Em junho, a sentença do juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal de Juiz de Fora, determinou a internação por tempo indeterminado no presídio federal onde está.
O Ministério Público Federal (MPF) e a defesa do presidente não recorreram e o processo foi encerrado em 12 de julho.
O caso ainda está em andamento. Nesta semana, a Polícia Federal (PF) solicitou a prorrogação, por mais 90 dias, do segundo inquérito que investiga “participação de terceiros ou grupos criminosos” no atentado ao político fora do local do crime. De acordo com o delegado Rodrigo Morais, o pedido é para que a instituição consiga apurar informações sobre o advogado Zanone Júnior, que defende Adélio Bispo dos Santos. Em interrogatórios, Adélio Bispo reafirmou que agiu sozinho.
Adélio Bispo de Oliveira acompanhado de policiais no Aeroporto da Serrinha quando deixou Juiz de Fora rumo a Campo Grande (MS) — Foto: Luiz Felipe Falcão/G1