sexta-feira, 6 de setembro de 2019

O Homem que odiava Machado de Assis

Por José Carlos da Silva a 28 de junho de 2019

Fonte: Divulgação.

O sugestivo título deste texto é o nome da nova obra lançada pelo escritor brasileiro José Almeida Júnior. Natural de Mossoró, no Rio Grande do Norte e radicado em Brasília, o escritor é ganhador do concorrido Prêmio Sesc, com o romance histórico Última hora e foi finalista do mais concorrido ainda, Prêmio Jabuti.

Almeida Júnior conversou com o Espaço Brasil sobre a nova obra, lançada justamente no ano que o Brasil comemora os 150 anos de nascimento de Machado de Assis (*21/06/1839 + 29/09/1908), falou sobre a polêmica foto da capa, contou que gosta de mergulhar no universo da ficção embasado em fatos históricos e que já está preparando um novo romance. Veja os principais momentos da entrevista.

Qual foi a motivação que fez surgir a ideia de que o consagrado Machado de Assis pudesse ter um “inimigo declarado” a ponto de, no dia de seu enterro, fazer a promessa de destruir sua fama literária?
A ideia do romance surgiu quando descobri um ponto obscuro na biografia de Carolina e Machado de Assis. Carolina Novais, com mais de trinta anos e solteira, mudou-se de Portugal para o Brasil na companhia de Artur Napoleão, músico reconhecidamente boêmio. O fato era incomum para a sociedade católica conservadora do século XIX. Posteriormente ela se casou com Machado de Assis e Artur Napoleão foi um dos padrinhos. Mas o mistério aumentou quando Artur Napoleão deixou um livro de memórias e declarou que não poderia revelar as circunstâncias em que Carolina havia se mudado do Porto às pressas. Com base nesta lacuna na biografia de nosso escritor maior, construí um personagem de ficção, Pedro Junqueira, que vivia às turras com Machado.

A partir da ideia inicial, como se deu a pesquisa histórica, uma vez que o romance está ambientado no século XIX?
Estudei as principais biografias e crítica literária sobre Machado de Assis. Li e reli sua obra. Durante o processo de escrita, procurei ler romances do século XIX. Procurei também compreender o período histórico através de livros de não ficção. Tudo isso contribuiu para que eu pudesse reconstituir o ambiente do século XIX, de maneira a dar verossimilhança a minha narrativa.

Os conflitos entre Pedro Junqueira e Machado de Assis vão muito além de Carolina, envolvendo também literatura e política. Seriam esses conflitos uma forma do autor colocar suas opiniões sobre essas temas?
Mesmo sabendo ser impossível dissociar completamente o autor do personagem, procurei impor as convicções políticas de Pedro Junqueira no texto. Pedro faz parte de uma aristocracia comum do século XIX, que vivia de renda e à base da exploração do trabalho escravo. Desde o início do livro, é possível perceber que Pedro não tolera Machado de Assis e uma das principais razões é o preconceito racial.

Em 2017, a obra histórica “Ultima Hora” ganhou o Prêmio Sesc de Literatura, um dos mais concorridos prêmios literários do país. Desta vez, você volta ainda mais na história para “cutucar” uma figura aclamada em todo mundo. Podemos dizer que despontou um romancista histórico na literatura brasileira?
Sou um grande leitor de romances históricos. A ficção é uma maneira muito eficaz de recontar a História, principalmente no ponto de vista das pessoas comuns, e não apenas na ótica das grandes personalidades históricas. De toda forma, não pretendo ficar restrito ao gênero. Estou escrevendo um novo romance, também histórico, que se passa no período anterior ao golpe de 1964. Mas estou pensando num projeto de romance de não ficção passado no período atual.
Fonte: Divulgação.

O livro antes mesmo do lançamento já entrava para a história ao colocar, pela primeira vez no mercado editorial, a foto de um Machado de Assis negro, o que foi aplaudido por uma grande parcela dos leitores e críticos. Como você tomou contato com essa foto, já sabia que ela existia quando começou a escrever e programar a capa?
O livro já estava na gráfica com a foto de Machado de Assis tradicional, quando o jornalista Ancelmo Gois divulgou a imagem de Machado de Assis negro produzida pela Faculdade Zumbi dos Palmares. Tivemos que interromper o processo de produção às pressas para trocar a foto. Apesar de as escolas ensinarem que Machado era mestiço, a imagem que as pessoas têm do escritor é dele branco. Retratar Machado de Assis como negro é uma correção histórica.

O livro está sendo muito bem recebido nos eventos de lançamento. Você vai participar da Flip 2019 e como você analisa o mercado editorial brasileiro?
Eu vou participar de três eventos na programação paralela da Flip. Na sexta, dia 12 de julho, às 16 horas, faremos o lançamento na Casa Submarino. Os outros dois eventos estão aguardando a divulgação oficial das casas, mas os disponibilizarei nas minhas redes sociais assim que possível. O mercado editorial brasileiro está passando por um momento difícil, com as principais redes de livraria em processo de recuperação judicial. A literatura brasileira, em especial, encontra ainda mais dificuldades, pois, em momentos de crise, as editoras costumam focar os seus investimentos em best-sellers internacionais. O autor brasileiro hoje, principalmente os iniciantes, precisam se dedicar a atividades que excedem à escrita para encontrar um espaço no mercado.

“Vou participar de três eventos na programação paralela da Flip. Na sexta, dia 12 de julho, às 16 horas, faremos o lançamento na Casa Submarino”

Como a literatura brasileira, os novos autores e os clássicos, podem ajudar na divulgação e propagação da Língua Portuguesa, para a Galiza e toda a Lusofonia?
A literatura é, por excelência, a arte da palavra. Por meio dela, é possível conhecer melhor a história, a sociedade e a cultura de um país. Quando eu quero conhecer um novo local, a primeira coisa que procuro é a literatura. A literatura brasileira dos clássicos e dos autores contemporâneos tem um papel fundamental para a difusão da língua portuguesa e da cultura nacional.

Sobre o autor 
José Almeida Júnior é escritor e Defensor Público do Distrito Federal. Autor de O Homem que Odiava Machado de Assis (Faro) e Última Hora (Record), romance vencedor do Prêmio Sesc de Literatura e finalista dos Prêmios São Paulo de Literatura e Jabuti.
Redes sociais do autor
Instagram: @j_almeidajunior

Desde 2008, José Carlos da Silva é correspondente do PGL no Brasil. Residente em Campinas (São Paulo), é produtor cultural e periodista. Como produtor cultural trabalha pela difusão da cultura caipira, que tem na viola de 10 cordas, sua maior expressão.

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