08/05/2016 09h56
Rio de Janeiro
Isabela Vieira e Tâmara Freire* - Repórter Agência Brasil
Rio de Janeiro - Unidade Materno Infantil do Complexo Penitenciário de Bangu recebe mulheres privadas de liberdade acompanhadas de seus bebês até 1 ano de idade (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
O procedimento que permite o juiz ver a pessoa presa dentro de 24 horas, chamado de audiência de custódia, não tem sido suficiente para substituir o encarceramento de mulheres grávidas ou com dependentes, por penas alternativas. A denúncia é da organização não governamental Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), que há 15 anos monitora a situação de mulheres presas no país.
Com as audiências de custódia, determinadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em todo país, desde fevereiro, e a Lei da 1ª Infância, a expectativa era que o número de mães diminuísse. Sancionada no Dia da Mulher, a nova lei flexibilizou a prisão de gestantes e de responsáveis por crianças até 12 anos, incluindo mães e pais, para beneficiar os menores.
Evidências provam que manter mães em presídios compromete o desenvolvimento psicológico, social, intelectual e até genético dos filhos. No entanto, segundo o ITTC, as mães não são ouvidas nas audiências e poucas conseguem responder pelos delitos em liberdade.
Segundo a coordenadora do Projeto Justiça Sem Muros da ONG, Raquel da Cruz Lima, os juízes continuam indo para as audiências “com a mentalidade do processo em papel”.
“Ainda hoje, mesmo com as audiências de custódia, em São Paulo, ainda têm mulheres gestantes que vão presas por crimes muito irrelevantes com quantidades muito pequenas de drogas, sem motivo nenhum, porque a lei autoriza manter as mulheres presas”, criticou Raquel.
Para ela, os juízes trabalham com modelos pré-definidos de decisão e endurecem quando o crime é tráfico de drogas, mesmo que uma mulher reúna características para ser liberada. “Se é um caso em que a mulher tem domicílio fixo, trabalho formal, é réu primária, nunca cometeu furto, vai ser solta. Agora, se o crime é tráfico, ainda que seja primária, não soltam”.
Mesmo antes da lei da 1ª Infância, mulheres com sete meses de gestação ou responsáveis por crianças até 5 anos, poderiam ter a prisão relaxada. Ainda assim, disse Raquel, o Judiciário era pouco flexível com casos relacionados ao tráfico de drogas sem violência.
Abrangência das audiências também preocupa
Outro problema, denuncia a coordenadora do ITTC, é a curta abrangência das audiências de custódia no país. Em São Paulo, Raquel deu exemplo de uma mulher com a gestação avançada, com outros filhos, presa por furtar uma bandeja de carne para alimentar a família.
“Esse é um caso que, mesmo com juízes insensíveis, a mulher seria solta na audiência de custódia. Mas ela foi presa na grande São Paulo, não passou pela audiência de custódia, foi para prisão e ainda está lá”, denunciou. “É dramático porque esse um daqueles casos que a Justiça consideraria de menor relevância e ela seria sequer ser processada, mesmo assim, ela está presa”.
No Rio de Janeiro, onde a Defensoria Pública do Estado tem monitorado o Judiciário, quando a presa é gestantes, nas audiências de custódia, o balanço é semelhante. Das 72 mulheres presas em flagrante entre outubro de 2015 e janeiro deste ano, 54 delas disseram ter filhos e 11 estavam grávidas. Dessas, oito conseguiram ser liberadas nas audiências de custódia.
“Dificilmente, a gente consegue obter a liberdade provisória nos crimes cometidos com por violência, o que já era esperado”, disse o coordenador de Defesa Criminal da Defensoria, Emanuel Queiroz. “Mas o grande crime, praticado sem violência, é o tráfico de drogas. E existe um problema aí, dramático, que não se refere só às mulheres, que é a política de drogas”.
CNJ defende flexibilização de penas
Para garantir o cumprimento das regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas, com prioridade para medidas que evitem o encarceramento, conhecidas como regras de Bangkok, o Conselho Nacional de Justiça tem trabalhado para mudar a cultura do Judiciário.
Diretor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário Nacional, Luís Geraldo Manfredi reconhece que os juízes têm receio de recorrer as penas alternativas, com medo que elas não funcionem, mas reforça que o encarceramento deve ser o último recurso.
“O dilema das alternativas penas não é específico da questão de gênero, é um desafio para o próprio judiciário, de compreender melhor os motivos para evitar o encarceramento desnecessário, o rompimento de laços familiares e a consequências deletérias da prisão”, disse.
O CNJ também apoia o indulto (redução e perdão de penas) de mulheres condenadas por até cinco anos de prisão por tráfico de drogas. O documento, em análise na Casa Civil, pode ser assinado pela presidenta Dilma Rousseff nos próximos dias. A campanha em defesa do indulto conta com apoio de cerca de 200 organizações de defesa dos direitos humanos.
*Repórter do Radiojornalismo da EBC.
Rio de Janeiro - Unidade Materno Infantil do Complexo Penitenciário de Bangu recebe mulheres privadas de liberdade acompanhadas de seus bebês até 1 ano de idade (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Edição: Valéria Aguiar
Agência Brasil