Como os petralhas são chatos e aborrecidos! Eles poderiam, no entanto, ser um pouco mais informados. Há uma penca aqui torrando a minha paciência porque a CBN noticia em sua página (deve ter ido ao ar na rádio) que o governador Geraldo Alckmin se manifestou contra o enquadramento daquele casal da pesada na Lei de Segurança Nacional, chamada pelos tolos (esses e outros; já chego lá!) de “lei da ditadura”. E por que ficam engrolando sua glossolalia subpolítica? Porque eu defendo, sim, o enquadramento dos terroristas nessa lei. Na verdade, fui o primeiro a tocar no assunto, ainda no dia 14 de junho. Muito bem! Ainda que seja exatamente assim e que Alckmin tenha se mostrado contrário (talvez não seja bem isso…), e daí? Por que haveríamos de pensar a mesma coisa? “Porque você é tucano”, responde o semovente. Será mesmo? Tanto o partido como eu repudiamos peremptoriamente essa suspeita.
A questão
Os supostos defensores dos direitos humanos e os politicamente corretos, inclusive os da imprensa, estão tentando emprestar um viés ideológico à Lei de Segurança Nacional. Pretexto: foi instituída pela ditadura. A ser assim, não se cumpram, então, todas as leis que aí estão e que foram, ora vejam, aprovadas durante regimes ditatoriais, a começar do Código Penal. Pobre José Dirceu! Foi condenado por corrupção ativa, com base do Artigo 333 do Código Penal. Tal artigo é expressão da Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Em 1940, o Brasil vivia sob a ditadura do Estado Novo, bem mais violento e assassino nos porões do que a ditadura militar. E aí?
A Lei de Segurança Nacional não foi revogada pela Constituição democrática de 1988. Suas disposições são compatíveis com a Carta, garantidora dos direitos individuais a mais não poder. Logo, a lei, instituída durante uma ditadura, mas correta nos seus fundamentos, desde que adequadamente aplicada (como tudo), serve ao regime democrático. Assim como o Artigo 333 do Código serviu para condenar os corruptores do mensalão.
Até dá para debater o mérito do texto, se os que estão barbarizando nas ruas estão ou não cometendo os crimes ali definidos — eu acho que estão, mas admito que se possa pensar de modo diferente. Argumentar que a lei é inaplicável porque aprovada durante a ditadura é coisa de vigaristas intelectuais e de apoiadores vulgares de bandidos.
O ponto
O casal preso, é bom que se diga, não foi enquadrado apenas na Lei de Segurança Nacional. Eles são acusados também de outros crimes: dano qualificado, incitação ao crime, formação de quadrilha ou bando e posse ou porte ilegal de armas de uso restrito. Ainda que se queira desqualificar o atentado à segurança nacional — que foi cometido! —, há as demais transgressões.
Há uma boa possibilidade de o governador Alckmin estar sendo pragmático. Os defensores de bandidos que costumam se travestir de defensores dos direitos humanos já deram início à gritaria: “Ah, essa é uma lei da ditadura”. É fato: havendo a disposição para punir o crime, nem mesmo é preciso recorrer à Lei de Segurança Nacional. A Lei 12.850, que define o crime de organização criminosa, é suficiente para punir esses delinquentes. E, sobre ela, não pesa nem mesmo a acusação imbecil de ser uma “lei da ditadura” Problemas
Ocorre que há um problema. A Lei 12.850 prevê em seu Parágrafo Primeiro:
“§ 1º – Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”
Convenham: há muita margem aí para o exercício do direito criativo. O juiz pode entender que não está caracterizada a “associação”, que cada black bloc é, assim, como uma mônada, entendem, dotada de individualidade etc. Já os Artigos 15 a 20 da Lei de Segurança Nacional, quando se tem vergonha na toga, são claríssimos. Transcrevo-os:
Art. 15 – Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
§ 1º – Se do fato resulta:
a) lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade;
b) dano, destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o dobro;
c) morte, a pena aumenta-se até o triplo.
§ 2º – Punem-se os atos preparatórios de sabotagem com a pena deste artigo reduzida de dois terços, se o fato não constitui crime mais grave.
Art. 16 – Integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça.Pena: reclusão, de 1 a 5 anos.
Art. 17 – Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito.
Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.
Parágrafo único.- Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; se resulta morte, aumenta-se até o dobro.
Art. 18 – Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.
Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.
Art. 19 – Apoderar-se ou exercer o controle de aeronave, embarcação ou veículo de transporte coletivo, com emprego de violência ou grave ameaça à tripulação ou a passageiros.
Pena: reclusão, de 2 a 10 anos.
Parágrafo único – Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.
Art. 20 – Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
Parágrafo único – Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.
Encerro
A vantagem da Lei de Segurança Nacional — que está em vigência no regime democrático — é, como se vê, essa clareza. Mas admito: quando se tem vergonha na toga, é possível punir esses bandidos exemplarmente com mais de uma lei. O pressuposto é só este: vergonha na toga. Leis não nos faltam.
Texto publicado originalmente às 20h06 desta quarta