18 de Julho de 2013 - Juiz de Fora
Por Daniela Arbex e Renato Salles
O ex-presidente da Câmara Municipal de Juiz de Fora, Vicente de Paula Oliveira (Vicentão), acaba de ser denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) de Minas Gerais por suspeita de chefiar quadrilha especializada no saque fraudulento de precatórios e requisições de pequeno valor (RPV). Além dele, outras 12 pessoas, entre empresários, professor universitário, advogados e funcionária da Caixa Econômica Federal, poderão responder por diversos crimes, como estelionato, falsificação de documento público e formação de quadrilha (ver quadro). De acordo com a denúncia feita pelo procurador da República André Luiz Tarquínio da Silva Barreto, de Belo Horizonte, membros do grupo se faziam passar por beneficiários das quantias e sacavam o dinheiro no banco por meio de documentos falsificados. A ex-secretária de Vicentão na presidência da Câmara, Juliana Moreira Correa, também é apontada no esquema. Dois homens citados na denúncia já respondem a ação penal no Estado do Rio de Janeiro por participação em outra quadrilha envolvida no mesmo tipo de crime.
Segundo o teor da denúncia do MPF, a quadrilha conseguia sacar dinheiro de beneficiários em ações na Justiça que já tinham morrido ou sequer sabiam ter direito a benefício por meio de procurações falsificadas. "Eles chegavam ao requinte de lavrar as procurações em cartório, utilizando-se inclusive do nome de pessoas falecidas", afirmou o procurador. A quadrilha também falsificava, de maneira sofisticada, carteiras de identidade e outros documentos exigidos pelas instituições bancárias para a abertura de contas-correntes e de poupança. O Ministério Público Federal informou, ainda, que os envolvidos tinham acesso a informações privilegiadas a respeito dos dados dos beneficiários e da disponibilidade dos precatórios para saque.
Na denúncia, Vicentão é apontado como o chefe da quadrilha, sendo ele quem "articulava os demais comparsas para que se dirigissem às agências bancárias, por vezes, acompanhando-os pessoalmente. Sacados os valores, também era Vicentão quem decidia sobre a divisão do produto dos crimes".
A suspeita de participação no esquema levou Vicentão para a cadeia em 2010, após a realização da Operação Pluto, deflagrada pela Polícia Federal em Juiz de Fora. O levantamento foi iniciado em abril daquele ano, após um "laranja" tentar fazer um saque de R$ 475 mil na cidade. A ação foi interceptada, e o homem, preso pela polícia. Na época, o chefe da Polícia Federal, Cláudio Nogueira, informou que os valores retirados variavam de R$ 200 mil a R$ 700 mil. Vicentão ficou preso por 41 dias no Ceresp, em Juiz de Fora, no período de 8 de julho a 17 de agosto daquele ano. Na mesma época, Hélcio Campos Ferreira Júnior chegou a ser preso.
Procurado pelas equipes de reportagem da Tribuna e da Rádio Solar, Vicentão negou as acusações de estelionato, falsificação de documento público, falsificação de documento particular e formação de quadrilha. "Eu só posso garantir que até hoje ainda não fui ouvido sobre o assunto. Vou ser muito sincero, não tenho nada a ver com isso. Se encontrar um papel de bala com minha assinatura, pode até me condenar à morte." O ex-vereador, que foi presidente da Câmara Municipal de Juiz de Fora entre 2005 e 2008 e parlamentar por mais de duas décadas, disse estar sendo perseguido e alega ter ido à falência. "Eu jamais participei disso. Nem mexer com o computador eu sei. O que tenho a dizer é que isso acabou com minha vida. Fui à falência. Não tenho dinheiro sequer para comprar alimentos para meus filhos. Vivo de favor da minha filha que está em Brasília. Isso acabou comigo. Não pude fazer mais nada. Hoje sou um qualquer. Não tenho condições de sobrevivência. Acabei de vender meu apartamento. Nem carro eu tenho para andar. É uma covardia com uma pessoa que tem uma vida pública de 20 anos de história. O que tenho que dizer é que tenho vencido todos os processos. Graças a Deus."
Suspeitos ainda podem apresentar defesa
A denúncia contra o ex-vereador Vicente de Paula Oliveira (Vicentão) e outras 12 pessoas ainda não chegou à secretaria da 4ª Vara Federal em Juiz de Fora. O diretor de secretaria, Paulo Henrique Simões Dias, explicou que, uma vez recebida a denúncia, os suspeitos serão citados para apresentação de defesa escrita que será analisada pelo juiz, podendo ser pedida inclusive a absolvição primária. "Não havendo, entretanto, nenhuma alegação capaz de afastar a denúncia, o processo segue os trâmites com marcação de audiência de instrução e julgamento para ouvir testemunhas de acusação, defesa e todos os denunciados."
Paulo informou, ainda, que, mesmo após a sentença, ainda cabe recurso em instâncias superiores, como o Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Se condenados, no entanto, os envolvidos com o esquema de fraude dos precatórios podem pegar mais de seis anos de prisão.
Nova investida
Apesar de ter sido desarticulado pela Polícia Federal, o grupo denunciado em Juiz de Fora por receber precatórios de forma fraudulenta teve ações registradas em outras cidades, como Três Rios, Valença, Vassouras, Barra do Piraí, Piraí e Rio das Flores, na região Sul Fluminense. Em uma nova investida da Polícia Federal, em 2011, três supostos integrantes do esquema chegaram a ser presos em flagrante na cidade de Três Rios. Raphael Monteiro de Barros Ferreira, 29 anos , João Batista Belizário, o "João do Ovo", 52, ambos de Juiz de Fora, e um funcionário da Caixa Econômica Federal, cujo nome não aparece agora na denúncia do Ministério Público Federal, foram detidos quando tentavam sacar um precatório no valor de R$ 264 mil. Eles foram reconhecidos por gerente do banco, por causa de um saque de R$ 250 mil efetuado na mesma agência, dinheiro que, mais tarde, chegou a ser reclamado pelo verdadeiro dono.
'Abandonei a política e vivo de favor'
Desde 2008, o então presidente da Câmara Municipal de Juiz de Fora, Vicente de Paula Oliveira (Vicentão), é denunciado por envolvimento em esquemas de corrupção. Naquele ano, a Tribuna trouxe à tona o Caso Koji, a respeito da construtora que disputava e vencia licitações para realização de obras em diversas secretarias da Prefeitura. O esquema, que movimentou mais de R$ 5 milhões em três anos, era mantido por laranjas, todos com estreita ligação com o vereador que somava mais de 20 anos no poder.
A investigação do jornal levou o parlamentar a pedir afastamento da presidência da Câmara e a aceitação de denúncia contra ele na Comissão de Ética da Casa. O movimento "Fora Vicentão", liderado por entidades sindicais, acabou ganhando as ruas e a adesão da população, por meio de listas de abaixo-assinado que percorreram a cidade. Acuado, Vicentão renunciou ao mandato de vereador em 8 de outubro de 2008, três dias depois de sofrer derrota histórica nas urnas.
De lá para cá, o ex-político experimentou sucessivas derrocadas. A revelação de sua suposta participação na fraude dos precatórios foi mais uma, resultando em sua prisão no dia 8 de julho de 2010. Na ocasião, a Polícia Federal encontrou R$ 204 mil enterrados no quintal da sua casa, no Bairro Santa Cândida. Além de o dinheiro ter sido apreendido, o ex-vereador amargou 41 dias de detenção em cela comum no Ceresp. Ele foi preso em caráter preventivo.
No ano passado, Vicentão teve sua candidatura a vereador impugnada em ação ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa. Como cabia recurso, concorreu pelo PTB sob júdice, recebendo dois únicos votos.
Agora, diante da denúncia do Ministério Público Federal, quase cinco anos após sua renúncia, ele diz ter perdido tudo. "Hoje abandonei a política e estou vivendo de favor. Não levei um centavo. O que fizeram foi bloquear tudo que eu tinha. Não tenho nada. Se precisar de R$ 100 para comprar um remédio, não tenho. Estou com plano de saúde atrasado, luz e água cortada. Não consegui aposentar."
Jornal Tribuna de Minas
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