24/01/2024 às 07h26- Atualizada 24/01/2024 às 08h17
O pai de Rosilene Costa vive acamado, desde novembro de 2022, em decorrência do agravamento da doença de Parkinson, um distúrbio degenerativo e lentamente progressivo que afeta áreas específicas do cérebro. Em fevereiro de 2023, ela precisou buscar o serviço de assistência alimentar do Programa Municipal de Nutrição Enteral e Oral (PMNEO), ofertado pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), através do Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que seu pai, Rui Pereira da Costa, de 77 anos, não consegue mais se alimentar por via oral. Contudo, segundo ela, de lá pra cá, a assistência já falhou três vezes, por falta da dieta e, desde o início do ano, o programa está sem nutricionista, o que impede o acompanhamento nutricional e a administração da dieta necessária pelo SUS. Além disso, em setembro do ano passado, conforme Rosilene, as atividades do programa foram temporariamente suspensas, em virtude de mudança para novas instalações, prejudicando as famílias que precisavam do serviço.
Com isso, Rosilene conta que precisou recorrer à família e a empréstimos bancários para arcar com o custo do produto nutricional. Em média, a caixa do alimento da dieta enteral custa R$ 35, e seu pai faz uso de uma caixa e meia por dia. São R$ 367,50 gastos semanalmente, valor que pode chegar a R$ 1.470 em janeiro, já que neste mês, sem nutricionista, o programa parou de fornecer a receita necessária para que os produtos fossem retirados pelo programa. O valor é maior do que o salário mínimo atual e agrava a realidade financeira da cuidadora, que precisou parar de trabalhar para cuidar do pai.
A reportagem da Tribuna entrou em contato com a PJF. Em nota, a Administração Municipal, por meio da Secretaria de Saúde, informou que devido ao “período de licença da nutricionista titular, já realizou o processo de contratação de novas nutricionistas para o setor, estando na fase de convocação”. Entretanto, a pasta municipal não confirmou previsão de data para o retorno dos serviços, e também não explicou os motivos da falta do produto em determinadas períodos, citados pela matéria.
Forma de alimentação garante nutrição de pacientes
Para a nutricionista especialista em Terapia Nutricional, Nutrição Clínica e Desportiva, Natália Rodrigues Gonçalves, 33, a decisão sobre a estratégia de suporte nutricional é um dos principais desafios enfrentados pelos cuidadores e familiares. Segundo ela, nos estágios mais avançados da doença de Parkinson, por exemplo, especialmente nos casos de demência, a dificuldade para engolir é um problema comum.”Todas as fases da deglutição são afetadas, devido a anormalidades na função dos músculos envolvidos, movimentos menos eficientes da língua e lentidão na reação de engolir”, afirma.
Em casos mais graves, como o de Rui Pereira da Costa, a nutrição enteral, que envolve a alimentação direta no estômago ou intestino através de uma sonda, é a opção mais adequada. De acordo com Natália, essa forma é mais fisiológica, geralmente mais segura e menos custosa do que a nutrição parenteral, a qual é administrada diretamente na corrente sanguínea. Esta é considerada mais invasiva e associada a maiores riscos de complicações, como infecções, sendo indicada quando a nutrição enteral não é possível ou suficiente, especialmente em pacientes graves em contexto de internação em terapia intensiva ou pós-operatórios específicos de cirurgias gastrointestinais.
A terapia nutricional, conforme a Diretriz Brasileira de Terapia Nutricional no Paciente Grave, tem como objetivo principal garantir a adequada nutrição do paciente, considerando suas necessidades específicas e as condições impostas pela doença. A nutricionista explica que isso inclui a manutenção ou melhoria do estado nutricional, suporte à função imunológica, otimização da recuperação e minimização dos efeitos negativos da doença sobre o corpo, o que reforça a importância de um acompanhamento médico.
De acordo com a especialista, a nutrição inadequada pode ter múltiplas consequências negativas para a saúde, o que inclui desnutrição, com sintomas como perda de peso, fraqueza muscular e deficiências nutricionais. Também aumenta o risco de osteoporose e fraturas ósseas, compromete o sistema imunológico, levando a uma maior suscetibilidade a infecções e atraso do processo de cicatrização. “Além disso, a má nutrição pode impactar negativamente a função cognitiva, o que é particularmente problemático em doenças neurodegenerativas”, ressalta Natália.
Fórmulas infantis também estariam em falta
Não é somente a dieta enteral que estaria faltando no Programa Municipal de Nutrição Enteral e Oral. A reportagem também recebeu denúncias sobre a falta da oferta de leite para bebês e crianças com intolerância à lactose ou alergia. Segundo o relato de uma mãe, que preferiu não ser identificada, com produto em falta desde novembro e, agora, o programa sem nutricionista, sua filha de 1 ano, que tem alergia à proteína do leite de vaca (APLV), está sem assistência alimentar.
Ela conta que recorreu ao serviço da Secretaria de Saúde em março de 2023, depois de sua filha ficar internada e ser diagnosticada com APLV, o que fez com que ela começasse a tomar fórmulas especiais do leite, como Pregomin, Alfamino ou Alfaré. Contudo, segundo ela, já naquele momento as fórmulas estariam em falta no programa, e a família precisou recorrer a doações. “Em abril, o produto chegou e fomos pegando todos os meses, até que em novembro informaram que apenas a de soja estava disponível”, relata.
O leite de soja, entretanto, não foi tolerado pela criança, e a mãe precisou novamente recorrer a ajuda de familiares. “Uma lata pequena custa em média R$ 200, e atualmente utilizamos cerca de seis por mês, sendo que antes da introdução alimentar, já chegaram a ser dez”, revela a mãe. A família chegou até a fazer um teste com uma fórmula “comum” e não obteve sucesso, pois a bebê passou muito mal e precisaram levá-la à emergência para que pudesse receber hidratação intravenosa.
Ela conta que envia e-mail de forma recorrente para a
PJF solicitando o leite, mas ainda não teve previsão de entrega. A Tribuna também questionou a Secretaria de Saúde sobre o caso. A pasta informou que a compra está em processo final de licitação, mas não precisou a data para a reposição dos produtos.
A nutricionista materno-infantil Vanessa Sequeira Fontes, 38, alerta que bebês menores de 6 meses que não estão em aleitamento materno exclusivo precisam utilizar as fórmulas adequadas para APLV que serão indicadas de acordo com os sintomas e as reações apresentadas. Entre as reações da alergia estão: muco e sangue nas fezes, refluxo gastroesofágico, gases e cólicas e muito desconforto.
“Os sinais e sintomas desencadeados na APLV podem envolver diferentes órgãos, sendo as mais comuns as reações cutâneas, as gastrointestinais e as do trato respiratório”, explica a nutricionista Natália. Ela também falou como é importante diferenciar a alergia da intolerância alimentar à lactose, que não tem reações mediadas pelo sistema imune. Além disso, “a alergia ao leite de vaca é transitória, sendo que aproximadamente 85% das crianças desenvolvem tolerância até a idade entre 3 e 5 anos”.
*Nathália Elis Fontes, estagiária sob supervisão da editora Carolina Leonel
https://tribunademinas.com.br/noticias/cidade/24-01-2024/familias-dificuldades-acesso-assistencia-alimentar-jf.html