Ednei Freitas
Sigmund Freud era um colecionador de arte, e muitas de suas esculturas preferidas diziam sempre algo que tocava em sua grande sensibilidade, sem necessária concordância de Freud, mas com admiração do pai da psicanálise. E uma dessas esculturas é a da cabeça de Buda, presente em seu consultório psicanalítico.
Ressalto, no entanto, que Sigmund Freud sempre foi ateu e anticomunista (e escreveu trabalhos dizendo que o comunismo russo jamais iria dar certo – e o tempo mostrou que ele tinha razão).
PAIXÃO PELOS SÁBIOS – No entanto, ele tinha paixão pelos sábios míticos e místicos, (nem todos, é claro) e admirava os pensamentos de Buda.
Freud pesquisava o fato de o desejo estar sempre associado à causa de tanto sofrimento? Por que existe tanta repressão em relação a ele?
Mark Epstein, psicanalista, psicoterapeuta, estudioso do budismo e profundo conhecedor do pensamento freudiano, diz que essas reflexões são uma grave confusão. No livro “Aberto ao Desejo”, que acaba de ser lançado, ele propõe um novo olhar sobre o legado de Buda e de Sigmund Freud em relação à mais paradoxal emoção humana.
FACILITADOR – “O desejo é, na verdade, o facilitador para aprofundar a intimidade com nós mesmos, com o outro e com o nosso mundo. Se não estivermos em contato com nossos desejos, não podemos ser nós mesmos”, diz o estudioso.
Para Epstein, o desejo é vitalidade, “um componente essencial da nossa experiência humana, aquilo que nos confere nossa individualidade e que, ao mesmo tempo, nos empurra para fora de nós mesmos. O desejo é a nostalgia da completude em face da enorme imprevisibilidade de nossa condição. É natural, e se tentarmos expulsá-lo, ele voltará como uma vingança”, diz o psicanalista em seu livro.
Para o autor, “o desejo é uma resposta natural à realidade do sofrimento. Nós nos sentimos incompletos, e o desejo completa; nos sentimos inquietos, e o desejo acalma; sentimos insegurança, e o desejo conforta; sentimos solidão, e o desejo nos conecta. O desejo é o cadinho onde o eu é formado. É por isso que o desejo era tão importante para Freud”, diz Epstein.
UM EQUÍVOCO – A intenção de Epstein ao escrever esse livro foi a de corrigir a percepção equivocada e ainda dominante de que o budismo luta para eliminar o desejo.
“Na verdade, a palavra que Buda usou para descrever a causa do dukka (sofrimento) não foi desejo, mas sim “tanha”, que significa sede ou anseio. É o que poderíamos chamar de apego, a tentativa de agarrar-se a uma experiência que não se pode reter, e não o desejo de felicidade ou de completude”.
Em sua experiência de 30 anos como terapeuta, buscando uma integração entre o budismo e a psicoterapia, o autor percebeu que a definição de desejo era crucial.
AUTOCOMPREENSÃO – “Colocar o desejo como inimigo e, então, tentar eliminá-lo é buscar destruir uma das nossas mais preciosas qualidades humanas, nossa resposta natural à verdade do sofrimento. O budismo não tem a intenção de ser o caminho da destruição, mas sim o caminho da autocompreensão. Não busca dividir para conquistar, busca totalidade e integração”, argumenta o psicanalista.
Segundo ele, “havia uma maneira de trabalhar com o desejo que contradiz completamente a interpretação usual do budismo enquanto estimulador da renúncia e do desapego. Esses ensinamentos eram mantidos em segredo, por conta da sua tendência de serem mal compreendidos e de se tornarem abuso, mas sem eles, o valor total da abordagem budista não pode ser apreciado”. Posted in Geral http://www.tribunadainternet.com.br/reflexoes-sobre-freud-o-budismo-e-a-importancia-do-desejo-na-existencia-humana/