Mai 29 2014, 12:40am
Ilustrações por Jenny Hirons.
Quem decide entrar para um curso universitário de artes ou humanidades provavelmente vai ter que ler críticos literários e sociais pós-modernos e neomarxistas, que vão fazer sua cabeça doer e seu corpo ansiar por um pouquinho de pornografia. Enquanto raça, esse pessoal é conhecido como “teóricos críticos”.
Agora você deve estar pensando: Ah, mas eu não preciso realmente ler essa gente; é só ler o Cliffs Notes. Nesse caso, só vou dizer o seguinte: você faz bem, viu. Não tem muito por que ler esses livros, e muito menos a teoria em torno deles. A educação é um negócio fácil e barato (não literalmente, infelizmente) hoje em dia, e você não precisa ser muito inteligente para conseguir um diploma de Humanas numa universidade decente.
Mas se você acha que precisa ir além do estritamente necessário, por que não ler alguma coisa difícil de entender que pode não significar porcaria nenhuma, né? Afinal de contas, estudo é isso aí. Um ano depois de sair da faculdade você vai continuar não fazendo a menor ideia do que isso quer dizer, mas vai ter um entendimento melhor e instintivo (ou seja, emprestado) da sociedade, e por um breve momento vai poder dizer: “Eu li Roland Barthes, e meio que entendi onde ele queria chegar”.
Tratando-se do final intelectualmente desafiador da biblioteca – como tudo na maioria das universidades – pode ser melhor abraçar isso no começo, e depois encarar essas coisas todas com uma sobrancelha levantada. “Ah, os bons tempos”, você vai poder dizer daqui a 40 anos quando cruzar com uma cópia esquecida do Second Skins: The Body Narratives of Transsexuality, do Jay Prosser.
Enquanto isso, aqui vão alguns personagens e situações com que você vai topar em sua jornada pela selva lógica da teoria crítica.
Elaine Scarry
A Elaine exerce um belo poder em seu trono lá em Harvard. A maior realização da Scarry é um livro chamado The Body in Pain, que é sobre diferentes tipos de dor e como a dor é infligida. O cerne do livro é que machucar os outros é ruim, enquanto que criar alguma coisa (qualquer coisa, a menos que seja dolorosa) é bom. Quando você faz isso, você “faz” o mundo, mas quando inflige dor você “desfaz” o mundo. Então, se você tortura implacavelmente uma pessoa, você não está ajudando o mundo, mas se você escreve um livro sobre por que as pessoas torturam as outras, aí você está ajudando o mundo pacas. Ainda assim, ela é responsável por uma das grandes analogias bíblicas que o mundo já leu: ela compara a criação de Deus a fazer uma mesa que pode pensar por si mesma e mudar de forma sempre que o tempo exige. Você teria pensando nisso? Não. Mas você pode tentar transformar essa ideia numa sitcom polêmica.
Outras Línguas
Sim, agora fdeu. Você pode até ter feito um cursinho de francês lá no colegial, mas o Jacques Derrida não escreveu sobre onde fica a estação de metrô, ou se a piscina do clube abre aos domingos. Ele escreveu sobre oposições binárias, retórica, desconstrução e um monte de outras coisas que os cursos on-line não abordam. E se você resolveu se meter em alguma coisa que se relaciona com a Grécia ou a Roma Antigas (e os cursos acadêmicos relacionam praticamente tudo a esses dois pântanos culturais), você vai ter que lidar com latim e grego antigos. Latim, pelo menos, usa o mesmo alfabeto que você acha na contracapa do seu DVD do Friends. Já o grego é escrito em wingdings antigos, então, boa sorte. Mais para frente, se você não conseguir jogar uns gracejos em norueguês antigo num ensaio sobre as sagas vikings, não vou te dar carona no meu escaler para Asgard. Ah, e se o trabalho for sobre Beowulf, o sotaque do Ray Winstone tem que estar implícito, viu?
Jacques Rancière
Ninguém fez mais para explicar o papel do espectador, num francês muito enrolado, que esse cara aqui. Sim, o espectador. Esse é você num show do Atlas Sound, ou quando paga para uma camgirl russa tirar a roupa na internet. O que deixava o Rancière puto era que o espectador não sabe das maquinações por trás do acontecimento teatral concebido (“peça”) que ele testemunha (“assiste”); ele fica sentado lá fingindo que acha as piadas do Shakespeare engraçadas. O Rancière queria quebrar a quarta parede – uma busca cultural que com certeza se arrastou através do punk e que acabou como o filme Quanto Mais Idiota Melhor.
Os teóricos críticos curtiam muito analisar o PODER, aquela coisa em caps de que ninguém consegue escapar, porque é assim que você é colocado no nosso mundo e coisa e tal. Os mais bobinhos ainda falam da grande máquina da elite e de como ela pode ser vista controlando nossos desejos nas novelas de Henry James, na música do Beethoven e nos ingredientes do sucrilhos. Escritores como a falecida Eve Kosofsky Sedgwick, autora de, sério mesmo, Jane Austen e a Moça Que Se Masturba, passaram do PODER para “o mundo é tons de cinza”, enquanto seus ex-discípulos ainda batem na tecla de que o cara meio John Malkovich nos romances do Henry James é um precursor do Donald Rumsfeld.
Walter Benjamin e Michel Foucault
Tipo um Gandalf e um filho gay do Gandalf, Walter Benjamin e Michael Foucault (acima) são os grandes magos da teoria crítica. A magnum opus do Benjamin, Paris, Capital do Século XIX, não estava pronta quando a Segunda Guerra Mundial começou (e quando ele se suicidou), então ficou escondida na Bibliothèque Nationale de Paris, onde só foi descoberta depois da guerra. E lembre-se, o “j” em Benjamin é mudo. Muitas carreiras acadêmicas já foram pro saco por causa disso. Foucault deve muito a Benjamin, mas conseguiu criar, com seu trabalho, uma equipe global de discípulos doidos para puxar o pêndulo do saco dele. E eu não culpo esse pessoal. O cara era mesmo um sujeito muito inteligente.
Uso Excessivo de Orações
Quando o acadêmico está tentando dizer uma coisa complicada ou, como geralmente é o caso, analisar um fenômeno simples de um jeito complicado, justificando assim um ensaio que não vai levar a lugar nenhum, ele usa um monte de orações. Frases continuam por páginas. Ideias, ou declarações, vão se empilhando uma por cima da outra e a agência, num sentido filosófico, é tirada do leitor, o consumidor do texto, o produto, enquanto as ideias se empilham; as declarações, porém, permanecem enterradas, entre orações. Na escola, você provavelmente ouviu falar de George Orwell e de suas famosas regras para escrever bem (seja simples, seja claro, não use metáforas, etc e tal, o que sempre me pareceu muito chato). Agora é hora de jogar Orwell pela janela, junto com seus sonhos de um futuro melhor. A teoria crítica não tem espaço para essa bobajada de frases curtas.
Theodor Adorno
O grande bode velho canonizado da seriedade no século 20 pode ter dito que não haveria riso depois do Holocausto, e pode ter passado a vida inteira despedaçando a cultura popular, mas isso não impediu que seu tomo clássico, Minima Moralia, acabasse estampado artisticamente nas sucursais da Urban Outfitters. Ele não ia ter gostado disso. Mas ele merece. Ele era um puta chato.
Teoria Queer
Você não é um homem. Você não é uma mulher. Você não é um gênero neutro. Você é uma construção. Manter seu gênero é uma performance constante. Essas ideias não parecem tão radicais agora, mas antes da Judith Butler adaptá-las do Foucault e colocá-las no livro Problemas de Gênero, de 1990, elas pareciam coisa de outro mundo. Você está dizendo que encher a cara com os meus trutas é uma performance culturalmente arraigada? Você está me chamando de gay? Você está dizendo que não curto virar umas latinhas no bar, depois ir pra balada e vomitar no meu melhor amigo, Steve, que eu amo pra caralho? Um cara deve ter dito essas mesmas palavras para a Judith lá em 1990. Agora, ele leu Problemas Gênero e está feliz, sentado lá com a namorada e assistindo Sex and the City.
Então, seja bem-vindo ao círculo mais íntimo da teoria crítica. Logo, você estará desmascarando o terrorismo presente em sua família, analisando a atuação da polícia dentro da literatura e desenhando uma linha clara entre o livro que está lendo e o cochilo que está tirando. Você vai ficar pensando: “sim, claro, sempre fiquei imaginando por que eu me comportava desse jeito, mas agora eu sei que é por causa de como a sociedade trabalha e o jeito como a sociedade trabalha está perfeitamente demonstrado nesse livro sobre política de gênero e as novelas do William Faulkner”. E o dia em que você pensar isso, amigo, vai ser o dia em que você nasceu.
Tradução: Marina Schnoor
https://www.vice.com/pt_br/article/ezgbm7/um-guia-preguicoso-sobre-teoria-critica