28/10/2013
O LIMBO DOS PROSCRITOS
Ruy Fabiano
Na campanha sucessória passada, Lula festejou o fato de que todos os candidatos à Presidência da República eram de esquerda. Considerou um “avanço” o que, na verdade, é, senão uma anomalia, ao menos uma grave limitação.
A discussão político-ideológica, desde pelo menos a redemocratização, dá-se de um lado apenas, fazendo crer que não há outro. Ou que, se há, não merece consideração. A ignorância transmuta-se em euforia. O fenômeno agravou-se na Era PT.
E prossegue, já que o panorama para a próxima sucessão não mudou. A disputa continua à esquerda. Nenhum dos candidatos ousa situar-se no outro lado do espectro ideológico. Chique é dizer que se está à esquerda do PT, que, por sua vez, é acusado pelos adversários de ter ido para a direita, o limbo dos proscritos.
Em síntese, somos todos de esquerda e, se há problemas, decorrem do fato de que alguns não o são corretamente. Não há contraponto. Paradoxalmente, há dias, o Datafolha publicou uma pesquisa que revela que o brasileiro, ao contrário do que se propaga, é conservador – ou “de direita”, como se diz.
Pelo levantamento, 49% da população, a partir das respostas que forneceram aos pesquisadores, em temas como comportamento, religião e organização social, demonstraram inclinação ideológica ou para o centro-direita ou para a direita.
Já os esquerdistas – os que se alinham com a agenda político-comportamental em voga – não passam de 30% da população. O eleitorado de centro – isto é, com posições alternadas entre os dois lados – abrange 22% da população.
Confrontando-se a pesquisa com a realidade do cenário político, constata-se que há um abismo entre ambas.
No mínimo, uma imensa maioria, quer por ignorância, quer por acomodação, está silenciosa, alheia ao debate, votando com as opções que dispõe, não com as convicções que tem. Ou ainda pior: não entende o que os políticos dizem e os partidos representam.
Esse é um dos mais instigantes fenômenos sociológicos contemporâneos, contrassenso que desafia especialistas e observadores, mas, no entanto, não comove a comunidade acadêmica, também ela atingida pelo contágio ideológico.
Nas universidades, em especial no campo das assim chamadas ciências humanas, a bibliografia repete o fenômeno: só se pensa à esquerda. Nenhum pensador digno de ser estudado é conservador, ainda que alguns dos mais geniais filósofos do século XX o sejam. E aí tem-se uma pista do problema: a manipulação dos conceitos, imposição de falsas nomenclaturas.
Considera-se “de direita” tudo o que não é “de esquerda”, como se entre uma coisa e outra não houvesse mais nada.
A partir daí, misturam-se no mesmo limbo nomes conservadores da maior dignidade como Charles De Gaulle, Winston Churchill e Adenauer a tiranos como Hitler, Mussolini e Pinochet, silenciando em relação a outros, de esquerda, que os superaram em bestialidade, como Stalin, Lênin, Mao Tse-Tung e Nicolai Ceausescu.
Somem-se todas as vítimas das tiranias ditas de direita no século XX e não se chegará a um número aproximado ao das vítimas somente de Stalin. Ou de Mao. E há ainda questões mal resolvidas: Hitler era de direita? Como, se era socialista?
Nazismo é a abreviação de nacional-socialismo, partido que, quando Hitler nele entrou, ostentava a sigla PT, Partido dos Trabalhadores da Alemanha (DAP, em alemão).
Foi Hitler quem mudou a sigla, ao assumir o seu comando, em 1921, mudando-a para NSDAP (Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães). O fascismo de Mussolini, por sua vez, tinha no sindicalismo e no poder de regulação do Estado (dobradinha que sustenta o nosso PT) seu eixo de ação.
O que isso tudo tem a ver com o liberalismo de Adam Smith ou de Ludwig Von Mises? No entanto, o discurso de esquerda os mistura para inibir o debate e intimidar os divergentes.
Jornalismo e meio acadêmico se irmanam nessa forma oblíqua de censura, bem mais eficaz que a dos militares, em que o censurado era herói. Nessa, é vilão.
Para banir alguém do debate político, basta rotulá-lo como “de direita” – e pronto: tornou-se um leproso intelectual. O artifício tem se mostrado eficaz, pois mesmo os que protestam contra o “atual estado de coisas”, sem avaliar o porquê das coisas, sustentam (ignorando-os) os fundamentos que o geraram.
É claro que, no espaço de um artigo, não é possível mais que roçar o tema, que reclama estudos mais clínicos que acadêmicos. Como um país conservador, em que 86% se dizem religiosos e sustentam que “crer em Deus torna as pessoas melhores”, pode eleger um partido cuja agenda diz o contrário?
É um debate que precisa ser travado, em nome da reabilitação mental do país.