21 outubro 2013
O MUQUILA E A MEDICINA
Comida ‘reimosa’
Ocorreu uma visão na qual o apóstolo Pedro “viu o céu aberto e que descia um grande lençol atado pelas quatro pontas, vindo para a terra, no qual havia de todos os animais quadrúpedes, répteis da terra e aves do céu. E foi-lhe dirigida uma voz: Levanta-te, Pedro! Mata e come” (Atos 10:11-13).
Lembro-me bem do velho Antônio Muquila, alto, espadaúdo, feições angulosas e olhos fundos e miúdos numa cara chupada, ornada por um grande nariz. Tinha uma prosa fluente, mas sempre descambava para a pornografia, razão pela qual meu avô me tangia para casa sempre que ele aparecia na bodega.
- Vá meu filho, vá pra casa que sua avó está lhe chamando…
Não estava e eu sabia disso. Fingia que ia para casa, mas dava uma volta por trás da bodega e ficava em local discreto, sem ser notado, me deliciando com as ‘escandelices’ do Muquila. Ele sempre trazia um presente de goma fresca para dona Alzirinha, que de pronto era transformada em deliciosas tapiocas ou num pão-de-ló feito a capricho, temperado com cravo e erva doce. Eu gostava de raspar a panela onde era preparada a massa do bolo e minhas tias diziam que eu não criaria barba por causa disso. Pai de numerosa prole, a maioria dos filhos o chamavam de “Ti Antõe” e ele não se incomodava com isso. Gente boa, o Muquila e dona Mariquinha, sua esposa, era uma senhora simpática e hospitaleira. Gostava de servir uma farta merenda a todos que os visitavam.
Dizem que o Muquila morreu por pura teimosia. Operado de hérnia por um médico em Canindé, o doutor lhe passou rigorosa dieta, que recomendava abster-se de toda sorte de coisas “reimosas”. Tal e qual o anjo que apareceu ao apóstolo Pedro, trazendo um lençol com toda sorte de animais puros e impuros em Atos dos Apóstolos, Muquila resolveu abolir a Lei de Moisés:
- Meeeeu fiiiiie, aquele fela da gaita num sabe da nada! Quem sabe sou eu… Ô meninos, curimatã é reimosa? Eu quero almoçar curimatã! E de noite eu quero jantar aquele peba que eu venho cevando há dias!
E o Muquila esbaldou-se… Comeu peba, carne de porco torrada, ata, curimatã, avoante tudo que a superstição sertaneja classifica como ‘coisa reimosa’. O resultado foi uma grave inflamação no local da cirurgia, que acabou o levando a morte.
* * *
Urinando com abundância
Dizem que o Muquila levou uma comadre sua para se ‘receitar’ com o Dr. Aramis, em Canindé. A velha era muito matuta, encabulada, e o Muquila foi quem explicou ao médico que ela sofria ‘das urinas’.
O medicou prescreveu os remédios que de pronto foram adquiridos. Uma semana depois, encontrando-se com o Muquila, doutor Aramis pergunta:
- Então, ‘seu’ Antônio, a comadre ficou boa? Está urinando com abundância?
- Que nada, dotô, continua mijando pela ‘priquitância’!