5 outubro 2013
RUIM DE SERVIÇO
Sou mesmo ruim de serviço. Nunca aprendi o pulo do gato, embora tenha pernas longas e ágeis de sagitário. Nunca as usei para fugir da polícia, como canta o poeta, mas me ajudaram a correr atrás de bola. E isso sempre me causou prazer.
Talvez até seja essa mesma a questão: a essência do prazer! O pulo do gato passa por aí, pelo exercício constante da sua procura, pelo empenho sem parcimônia dessa busca incessante, patológica, exaustiva.
O chute na bola, não! A bola sempre buliu comigo. Redonda, girandola, ágil, inquietamente sem rumo. Em suma, o sumo. A autorrealização. O equilíbrio em torno de si mesmo. A busca do gol, a meta final defendida por qualquer um dos goleiros opositores. A bola, quando bem executada, destrói exércitos.
A intimidade com a bola não vem do acaso. Transpõe fronteiras genéticas, projeta-se futuristicamente. Vem do passado e se firma no presente fugidio. A sua leitura não respeita as convenções temporais. É abstrata, desconstrutiva, enquanto o pulo do gato necessita de um espaço para se efetivar e estabelecer a infraestrutura do prazer.
Chuto, logo existo. E assim se consolida a jogada, bem sucedida ou não. O desdobramento já implica em outras regras, outros passes, outra hora. Se a perfeição é uma meta, defendida pelo goleiro que joga na seleção, o gol é a superação de todos os impedimentos, de toda uma estratégia de resistência. O gol é o golpe final.
Uma outra diferença substancial: o gol nunca se realiza sozinho. É um feito coletivo, supõe uma equipe por trás (ou diante) do lance final.
O pulo do gato, não. É egoístico, pessoal, excludente e enganatório pela própria natureza.
O gol pressupõe um objetivo comum, construído coletivamente e por trás do qual está toda uma multidão representada.
O pulo do gato nos lança na individualidade desenfreada, na solidão da conquista mal remunerada e nem sempre gratificante ao final.
Por trás de cada uma dessas artimanhas, está toda uma concepção de vida, uma cosmovisão, uma proposta adulterante ou reconstrutiva do mundo e dos seres que o fazem. Enfim, é no gol ou no pulo do gato que se revela o caráter intrínseco de cada um de nós, dos nossos antecedentes e posteriores, até que alguém quebre essa sequência nem sempre lógica e pertinente e restabeleça o fluxo em sentido contrário e nem sempre antagônico, mas sempre complementar.
É no fim, enfim, que vislumbramos o (re)começo, o em torno, o entorno, o retorno, o contorno do abjeto objeto.
Consolida-se a alma de borracha, o longo e sinuoso caminho através do universo, mesmo que estejamos parados, pirados ou purificados.
Tenho dito.
Recife, 2013