Publicado em 4 de Maio de 2020
A expressão que usei como título é de Machado de Assis; também é dele a explicação: O dia da morte de uma liberdade sempre é a véspera da morte de outra liberdade. Me parece uma boa expressão para definir o que vêm acontecendo com nossos direitos fundamentais: fomos perdendo-os, pouco a pouco, o fim de cada um prenunciando o fim do próximo.
A segunda metade do século 19 foi uma época de liberdade e de progresso. De um mundo escuro e pobre, onde todo o esforço era feito pelo homem ou por animais, passamos a um mundo com eletricidade, motores a vapor, trens, telefone, máquinas para trabalhar o ferro e a madeira. O ferro foi transformado em aço, a pedra foi substituída pelo concreto. Nos países desenvolvidos, as cidades deixaram de ser amontoados de casas onde a urina das pessoas e a dos cavalos se misturava pelas ruas. As cidades passaram a ter ruas e avenidas planejadas, água encanada, esgotos, luz elétrica, bondes. Havia indústria e comércio, e navios cruzavam os oceanos transportando mercadorias. Uma pessoa transportada de 2020 para 1880 estranharia muito o pequeno tamanho dos governos, os poucos impostos e a quantidade de coisas que podiam ser feitas sem a necessidade de autorizações, carimbos e taxas.
O primeiro golpe dos governos no século 20 foi uma guerra inútil que na época foi chamada “A Grande Guerra”, e mais tarde rebatizada de “Primeira Guerra Mundial”. Pode-se dizer que sua causa foi simplesmente a vontade dos governantes da época de brigar uns com os outros, mas de um modo que custasse a vida de terceiros, não as suas próprias. Durante quatro anos, sessenta milhões de pessoas foram transformadas à força em soldados e amontoados em trincheiras, enquanto os soberanos e os marechais se reuniam em seus seguros e confortáveis palácios, discutindo estratégias para obter o maior ganho possível da morte de seu próprio povo. A guerra também marcou o fim do livre comércio e criou o conceito de “pedir autorização ao governo” para tudo.
Uma década depois da guerra, os presidentes Hoover e Roosevelt criaram a Grande Depressão. A partir dali, o povo foi informado que o governo podia cobrar quantos impostos quisesse, podia controlar o que quisesse, podia regulamentar tudo o que desse vontade. Ah, era tudo “pelo bem do povo”, claro. Afinal, não podemos deixar o João vender para o José e o José comprar do João sem o governo carimbando e autorizando (e tributando, naturalmente) cada passo que o José e o João dão.
A lambança da Primeira Guerra trouxe uma Segunda, que foi o momento do “planejamento científico”. Nessa época, foi informado ao povo que ele devia obedecer cegamente ao que o governo mandava, porque o governo era formado por milhares de “especialistas” que sabiam as respostas certas para tudo.
Em 1972 o presidente Nixon chutou o balde de vez: admitiu para o mundo que o dinheiro era deles, dos governos, e que eles faziam o que queriam com o coitado. O povo descobriu que não podia mais guardar seu suado dinheirinho em casa, como uma reserva para o futuro: se fizesse isso, a inflação produzida pelo governo faria o dinheiro derreter. Havia a opção de guardar o dinheiro no banco, em algum investimento. Como um efeito colateral altamente desejável, o banco informava ao governo todos os detalhes sobre as economias de cada um, e até fazia a gentileza de separar a parte que o governo queria para ele.
Em 2001 o mundo ocidental descobriu o que acontece quando fanáticos religiosos ficam milionários: eles usam o dinheiro para matar quem não concorda com eles. Com o susto do 11 de setembro, o governo nos avisou que para nossa segurança ele passaria a monitorar nosso telefone, nossa internet e nossos cartões de crédito, instalaria câmaras nas ruas para nos vigiar, e para entrar em qualquer lugar precisa passar por detector de metais e raio X.
Agora, em 2020, o governo nos avisou que quando eles sentirem vontade de brincar de ditador, é só gritar a palavra mágica “pandemia!” e todas as leis vão para o lixo. Prefeito pode mandar prender, governador pode mandar fechar e/ou saquear empresas, pode-se gastar dinheiro à vontade, que depois a gente aumenta os impostos e tudo bem. Mas é tudo para nosso bem, e o povo acredita tanto nisso que até ajuda a xingar quem tiver a ousadia de usar o próprio cérebro, ao invés de apenas repetir o que o governo manda.
Das poucas liberdades que ainda temos, qual será a próxima a morrer?
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