O DIA EM QUE CAETANO EXPERIMENTOU A “FORÇA ESTRANHA”
22 de Abril de 2018 : 16h33
Três linhas, um círculo e um tecido pendem ao fundo, sobre os quatro artistas no palco do Cine teatro Central (JF-MG). Neste cenário, de uma simplicidade e de uma funcionalidade ímpar, a melodia escorre pela cena suavemente como a bolha de ar em uma garrafa de mel.
Com a mesma suavidade, Caetano, o patriarca, vai conduzindo o roteiro, as falas, o ritmo, numa autoridade branda, que se vê, é cultivada em casa. Moreno, Tom e Zeca seguem, executam com alegria e delicadeza às orientações do pai, com um afeto tamanho que parece ocupar o lugar da quinta cadeira colocada no palco para as eventuais trocas de posição para microfones e instrumentos.
Tudo funciona tocado pela iluminação que por vezes aquece, em outras esfria, pode ser lua, pode ser sol e pode simplesmente sinalizar para a plateia que é hora de entrar em cena e tornar o show mais vibrante.
O quarteto abre o show com “Alegria, Alegria”, ganhando a plateia, de cara. Caetano se anima. Tira a jaqueta usada para se proteger do início do inverno que já se anuncia na cidade e se solta, ameaçando sair da cadeira onde se sacode. Mas se contém. Sabe que está numa cidade tradicional, e prefere primeiro saudar os presentes e falar da sua satisfação em ser recebido por eles. A plateia aplaude entusiasmada com o clima “família” do palco.
Caetano tenta arrastar o público comportado para os padrões das suas plateias. Esta, porém, reage apenas com palmas ritmadas e, por vezes, com uma cantoria miúda, que lembra o som de ladainhas. Longe do entusiasmo de um público do Circo voador.
Assim, entre sucessos como Trem das Cores”, “Oração ao tempo” e as composições dos filhos, que o artista vai apresentando “corujamente” – e com justa razão, pois os meninos são mesmo talentosos – o espetáculo caminha. A voz límpida e angelical de Zeca, nos chega aos ouvidos como um carinho. Encanta. Moreno, o “místico” e macumbeiro”, no dizer do pai, é também o “sambeiro”, de maiores arrojos. E Tom, o mais tímido, surpreende o público ao cair na dança do passinho, descalço e cheio de animação. Arremata a performance com um carinho no pai, para deleite total da plateia.
Quando entoa “Força estranha” (de sabidas referências a Roberto Carlos) aí sim, o público canta a plenos pulmões. Sentindo-se mais confiante, Caetano solta um “Lula livre”.
O que se vê é a transformação imediata daquela plateia em fúria, urros, uma vaia estrepitosa como ele só deve ter conhecido no palco do festival da canção, no Maracanãnzinho, quando em setembro de 1968 tentou cantar “É Proibido proibir”. Distingue-se a débil tentativa do grupo jovem que ocupa as primeiras fileiras do teatro, sabe-se lá a custa de quanto sacrifício, para pagar com mesadas os ingressos salgados do show, por isto, em minoria, de reproduzir a palavra de ordem: “Lula livre”. Aqui e ali gritos de: “pega ladrão”, e, ainda, “viva Moro”.
Visivelmente desconfortável, procurando se recuperar da surpresa, e bem ao seu estilo, Caetano ainda ensaia um troco. “Este é um espaço democrático. Em Fortaleza, talvez porque o show foi de graça e feito numa praça, quando eu disse isto o povo veio todo em coro…” Caetano talvez não tenha percebido que aquela plateia não foi pra ouvir suas canções e mensagens progressistas. Foi porque pode pagar.
Estava politizado o momento. A sua réplica, demonstrando que quando dão voz ao povo ele sabe de que lado fica, porém, não foi suficiente. Caetano então esperou o silêncio e devolveu com o que aquele público mais gosta. Entoou o “Ofertório”, música composta para a missa de 90 anos de sua mãe. Neste momento, estabeleceu-se ali o que podemos chamar de “visão dicotômica”. Espantoso como aquela plateia soube como nenhuma outra separar o artista do homem Caetano e suas opções políticas. Voltou a aplaudir comportadamente, soltando “Hurrus” no final.
Moreno, no entanto, Caetaneou. Ao final do show, quando de pé o público exigia o bis, voltou ao palco e disparou: “o meu pai já disse e eu vou repetir: “Lula livre”.
Estava de novo, e desta vez mais forte, formada a “força estranha” que impulsiona aquela gente. Vaia, gritos, revolta e, aplausos esquizofrênicos – quer dizer, entusiasmados – no final, para o quarteto.
Na saída, deu para ouvir, de uma senhora com a chapinha em dia e um bem cortado casaco preto, reagir: “o que ele está pensando? Vem levantar bandeira aqui…”
Não, minha senhora. Caetano está apenas reproduzindo o que quase 50% do povo desse país quer. Lula livre, para ter seu nome incluído na urna em outubro.
Jornalista e colunista de O Cafezinho
Denise Assis é autora dos livros: "Propaganda e cinema a Serviço do Golpe" e "Imaculada". É colunista do blog O Cafezinho desde 2015.
13 h ·
VAIAS para o “LULA LIVRE” de CAETANO
No Cine-Theatro Central, em Juiz de Fora (MG), Caetano Veloso e seus filhos Moreno, Tom e Zeca no show “Ofertório”. Lotado, aplaudido. De repente, o cantor solta um “Lula livre”. A plateia transforma-se, em fúria urra, vaia, grita “Pega ladrão” e “Viva Moro”.
Visivelmente contrariado, Caetano deu continuidade ao musical. Mas estava politizado o momento. Ao final, Moreno disparou: “o meu pai já disse e eu vou repetir: Lula livre”. De novo, e desta vez mais forte, vaias, gritos, revolta....
Na saída, diziam: “O que ele está pensando? Vem levantar bandeira aqui…”. Por essa, o artista espalhafatoso não esperava.
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Caetano Veloso e filhos brilham em Ofertório e polemizam no palco do Central
Publicado em 23 de abril de 2018
Foto: Laura Sanábio
Um show nunca é igual ao mesmo show – e isso vale ainda mais para Caetano Veloso. Em seu reencontro com o público juiz-forano em duas apresentações no último fim de semana – após muitos anos afastado dos palcos locais – o cantor não passou indiferente pelas plateias que lotaram o Central na última sexta-feira, 20, e no sábado, 21, para vê-lo acompanhado de seus três filhos, Moreno, Zeca e Tom, na turnê familiar Ofertório. Casa cheia nas duas noites, as apresentações reuniram clássicos do patriarca a composições dos três rebentos em formato acústico intimista. Mas se na sexta a apresentação transcorreu tranquila, sem arroubos no palco ou na plateia, no sábado o show terminou com palavras de ordem política e plateia dividida.
O show de sexta era a apresentação extra, aberta após se esgotarem os ingressos de sábado – que a princípio seria a única de Ofertório em Juiz de Fora. Público atento, a cortina vermelha do Central escondia o despojamento dos palcos de Santo Amaro, cidade natal do cantor baiano: um cenário minimalista de fundo vermelho vivo, com a figura de um círculo, uma espécie de corda cruzando o palco de um lado ao outro e um tecido que pendia como uma cortina do alto. No palco, os quatro músicos se apresentam sentados lado a lado, com seus instrumentos, reforçando o clima familiar desse encontro musical. Tom, o filho mais novo, já se apresenta há mais ou menos dois anos, Zeca, segundo Caetano, estreou nos palcos nessa turnê, e Moreno, com mais experiência, já segue a carreira musical por mais de 20 anos.
Caetano abre a noite com Alegria, Alegria, dando a entender que aquele poderia ser mais um show tradicional do cantor. A plateia, ainda fria e tímida, acompanha nos trechos mais conhecidos. Logo, porém, a atmosfera muda, e o que toma conta do espetáculo é um álbum vivo de fotografias dos Veloso. Cuidadosamente tecida, a organização do repertório foi montada para construir uma narrativa afetiva entre todos os membros, desde o mais jovem nos palcos, Tom, passando por Zeca e Moreno, e desaguando no pai Caetano e seus mais 50 anos de carreira.
Muito à vontade no palco, a família transforma as sensações individuais e coletivas vividas por eles em melodias preenchidas por quatro vozes. Zeca surpreende com sua voz suave e composições melodiosas, como em Todo Homem; Tom e Moreno se aproximam da tonalidade vocal do pai e se aventuram no samba no pé, arriscando uns passinhos bem na frente do palco, para diversão da plateia. Caetano dá sua sambadinha em How beautiful could a being be e depois puxa um tímido e resistente Zeca – e o único carioca da família – para sambar com ele em Um Tom. Também houve espaço para o funk, com a ótima e contagiante Alexandrino.
Entre os desacertos da apresentação, uma entrada errada em Genipapo Absoluto, o que leva Caetano a se desculpar, dizendo que estavam há um mês sem fazer o show e que a apresentação de sexta em Juiz de Fora era a reestréia de Ofertório, e isso os deixava nervosos. Também lamentou que não contassem com todos os instrumentos do show, pois o caminhão da turnê foi roubado.
Foto: Laura Santos
Nada disso impediu que a apresentação transcorresse lindamente, com o afeto entre pai e filhos transbordando em canções, homenagens, em música com que Moreno presenteou o pai e em canções que o pai fez para as mães dos meninos e cantos de celebração da terra familiar, a Bahia. Um dos mais belos momentos foi o cruzamento de gerações em Ofertório, composta em 1997 para Dona Canô, mãe de Caetano, e música que empresta o nome à turnê, que Caetano apresentou também como uma homenagem à fé de seus três filhos. Dos sucessos eternos do cantor, o show trouxe algumas poucas canções. Além de Alegria, Alegria, o público ouviu A tua Presença Morena, Trem das Cores, Oração ao Tempo, Um Canto Afoxé para o Bloco de Ilê e Leãozinho (esta, na voz de Moreno).
Tensão
Foto: Laura Santos
A cumplicidade entre os músicos se repetiu na apresentação de sábado, 21, que contou com um público bastante participativo. Repertório e roteiro – com as brincadeiras e dancinhas que se repetem na turnê – foram os mesmos, mas o clima esquentou a partir do momento em que Caetano e filhos se manifestaram a favor de Lula. Se no show de sexta Caetano não se pronunciou – e apenas uma voz feminina se ergueu na plateia antes mesmo de Caetano começar a cantar – a situação foi bem diferente no sábado.
No decorrer do show, o músico protestou a favor da libertação do ex-presidente Lula, mas foi no fim do espetáculo que houve mais tensão. Ao se manifestar com palavras de ordem “Marielle, presente” e “Lula livre”, ecoadas também pelo filho Moreno – reacendendo a polêmica no momento do bis – o cantor dividiu o público, que reagiu com vaias e aplausos. Alguns, em coro, gritavam “Lula livre”, enquanto outros espectadores deixavam o teatro. Em meio à confusão, Caetano continuou falando ao microfone, porém, não era possível ouvir com clareza tudo o que dizia. O cantor chegou a comparar a plateia do Central com a de uma apresentação gratuita que fez em Fortaleza, afirmando que, talvez por essa não ser de classe média, como no Central, não ouviu vaias do público no Ceará.
Polêmicas à parte – já esperadas, aliás, de alguém que se posiciona politicamente nas redes sociais, como Caetano – as plateias das duas apresentações no Central não podem negar que assistiram a um show de afetos e talentos, no qual brilhou, límpida e ainda jovem e cheia de energia, a voz bela e singular de Caetano Veloso, em plena forma musical nos seus 75 anos.
Foto: Laura Santos
Matheus Medeiros e Laura Sanábio (Edição: Izaura Rocha)
http://www.theatrocentral.com.br/2018/04/23/caetano-veloso-e-filhos-brilham-em-ofertorio-e-polemizam-no-palco-do-central/
Quem quer lula livre e CUMPLICE pela razao que o levou a prisao por 14 juizes de alto gabarito. Caetano poderia estar dando este show em Cuba, com certeza faria se nao dinheiro, mas, mais aplausos dos conterraneos comunistas. Pra mim, o artista morreu depois que a pessoa de Caetano revela quem e por dentro na etica e moral! Lamentavel!
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