quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Anulação das provas contra Demóstenes mostra que foro privilegiado tem de acabar


Charge do Rice, reprodução do Arquivo Google

Carolina Brígido
O Globo

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou nesta terça-feira todas as escutas e provas decorrentes delas que compõem a ação penal aberta contra o ex-senador Demóstenes Torres no Tribunal de Justiça de Goiás. Para os ministros, as escutas são ilegais, porque foram autorizadas pela primeira instância. Como Demóstenes era senador, caberia ao Supremo conduzir as investigações. A denúncia contra o ex-parlamentar foi toda elaborada com base nas gravações. Agora, o tribunal goiano deverá analisar se restará alguma prova para justificar a continuidade das apurações. Caso a resposta seja negativa, o que é mais provável acontecer, todo o processo será arquivado.

A ação penal apura a ligação entre Demóstenes e o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Segundo as investigações, o então senador teria recebido R$ 1 milhão do contraventor. Em troca, ele teria usado o cargo para favorecer os negócios de Cachoeira. O caso levou o Senado a cassar o mandato de Demóstenes em 2012. No ano passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve aberta a ação penal contra o ex-parlamentar. Para os ministros, as provas foram colhidas de forma legítima. A defesa recorreu ao STF e conseguiu reverter o caso.

A Segunda Turma do STF, composta por cinco ministros, tomou a decisão por unanimidade. Eles criticaram a atitude do juiz federal de primeira instância, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, que investigaram Demóstenes em vez de enviar o caso para o STF ao primeiro indício de participação do então parlamentar. Segundo o processo, o ex-senador foi gravado 380 vezes e citado 1.939 vezes nas investigações antes que os autos fossem transferidos para o STF.

PROVAS ILÍCITAS -“Ninguém pode ser investigado, processado e condenado com base em provas ilícitas. É um caso clássico de patente desrespeito à ordem constitucional, que deve servir de referência aos agentes estatais, para que não voltem a incidir nesse tipo de comportamento” – disse Celso de Mello.

“É um caso clássico de usurpação de competência do STF. É muito lamentável que esses episódios ocorram, e não é a primeira vez” – concordou Teori Zavascki, que é o relator da Operação Lava-Jato.

“(O julgamento) sinaliza que esta Casa não mais tolerará qualquer tipo de usurpação de sua competência” – completou Ricardo Lewandowski.

ABUSO DE AUTORIDADE – O ministro Gilmar Mendes também reclamou da atitude da Procuradoria-Geral da República, que teria ficado com o caso durante um ano, sem motivo aparente para a demora em elaborar um parecer. Ele acusou a instituição de abuso de autoridade.

“Raramente se tem um caso de escola como o aqui destacado. Se deixou que a ação investigativa prosseguisse contra pessoas com prerrogativa de foro. O processo ficou um ano e meio na Procuradoria-Geral da República, um bom caso de exame de abuso de autoridade. Todos nós somos muito severos em apontar os erros alheios, mas é preciso olhar para dentro” – declarou Gilmar no julgamento.

O relator, Dias Toffoli, demonstrou indignação com relatório do Ministério Público Federal em Goiás, dizendo que, se o inquérito fosse fatiado, enviando-se as provas referentes a Demóstenes para o STF, as apurações ficariam prejudicadas. “Isso é uma ofensa ao STF! Isso é uma ofensa a cada um de nós” – declarou Toffoli.

A CULPA É DOS OUTROS – Teori afirmou que, se o STF demora para concluir os processos, a responsabilidade é de quem conduz as investigações – ou seja, a Polícia Federal e o Ministério Público. “Se há atraso na investigação, e pode acontecer que haja, quem faz a investigação é o mesmo Ministério Público e a mesma polícia. É melhor que haja atraso do que nulidade. Nesse caso, é lamentável, porque são muitas provas, mas elas foram obtidas de forma absolutamente ilícitas” – disse Teori.

Gilmar aproveitou o julgamento para voltar a criticar a Lei da Ficha Limpa e também as dez medidas contra a corrupção, uma proposta de autoria do Ministério Público Federal. Segundo o ministro, uma das medidas abre brecha para o aproveitamento de provas colhidas de boa-fé, ainda que sejam nulas. Ele comparou a proposta à Constituição de 1937, outorgada pelo presidente Getúlio Vargas. Conhecida como “polaca”, ela subtraía direitos individuais.

“Eu não sei do que essa gente se esqueceu para se lembrar disso, mas certamente se esqueceu da Constituição. Com certeza, essa gente não está lendo a Constituição” – reclamou Gilmar.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – É um teatro. Os ministros do Supremo ficam indignados quando alguém levanta o argumento de que os processos contra parlamentares não terminam nunca e prescrevem, mas é uma realidade. Essa anulação das provas contra Demóstenes Torres, que é um procurador de Justiça que se rendeu ao crime, demonstra que o foro privilegiado tem de acabar logo, como defende o ministro Luís Roberto Barroso, o único que tem coragem de apontar a leniência do Supremo em relação aos criminosos que infestam o Congresso Nacional e os ministérios. Agora, Moreira Franco vai ganhar status de ministro para escapar do juiz Sérgio Moro. Antes desse julgamento, Gilmar Mendes já havia devolvido a Demóstenes Torres o direito de voltar a receber R$ 30 mil como procurador de Justiça. E não é preciso dizer mais nada, apenas “Zé Fini”, como fazia o humorista Mário Tupinambá na “Escolinha do Professor Raimundo”. (C.N.)

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