19/02/2015 às 6:51
Vamos botar um pouco de ordem na orgia, como diria o Marquês — o de Sade, não o de Rabicó, que nunca foi um dos Três Porquinhos. É claro que advogados, quaisquer advogados, têm o direito de falar com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ou outro. Se a República souber qual é a pauta, então, tanto melhor, não é?, já que paga o salário do ministro e todos os custos diretos e indiretos que a função enseja. Mas digamos que um advogado vá conversar com Cardozo para cuidar de uma crise existencial, para debater as últimas descobertas da medicina, para discutir se o país precisa tomar antidepressivo, ansiolítico ou um regulador de humor… Pode não ser nada disso. Selo! Isto! Vai que um ministro seja um filatelista. Fico cá imaginando as sinuosidades desse saber… Talvez seja um mundo fascinante, à espera da nossa entrega dedicada.
O que não pode — e aí não pode mesmo! — é o ministro da Justiça receber advogados de réus para debater o encaminhamento de uma ação que corre por escaninhos alheios — até onde sabe — à intervenção da autoridade em questão. A menos que os poderes tentaculares e eventualmente extraoficiais e extracurriculares do ministro consigam operar prodígios na Polícia Federal e no Ministério Público Federal.
Cardozo e alguns doutores estão tentando, vamos dizer, reagir além do razoável à retórica sempre exacerbada de Joaquim Barbosa e criar uma reação corporativa de advogados, como se alguém estivesse querendo cercear o direito de defesa. Uma ova! O fato é que VEJA informou o conteúdo de uma conversa entre Cardozo, Sérgio Renault — um dos advogados da UTC — e o petista Sigmaringa Seixas, que estava presente, até onde se sabe, porque petista e também amigo de Lula; não consta que alguém o tenha constituído como causídico. E os assuntos tratados na conversa são graves. Cardozo informou que a oposição se enrola na Lava Jato depois do Carnaval, e todos trataram da conveniência de Lula entrar na parada. Com que poder? Com que propósito? Eis o busílis.
Vamos, então, botar ordem nas coisas. A PF é uma polícia judiciária; atua sob o comando da Justiça. A sua subordinação ao ministro é meramente administrativa. Se irregularidades ou arbitrariedades estão sendo cometidas, isso é assunto para o Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul, não para Cardozo. Ou será que o ministro é capaz de me dizer o que ele tem a ver com o peixe e os peixões? Se, por qualquer razão, o TRF ignorar reclamações de transgressões óbvias, o caminho é o Conselho Nacional de Justiça. Cardozo é só um atalho que conduz ao achincalhe do Estado de Direito.
O juiz Sérgio Moro se pronunciou a respeito. Escreveu: “Existe o campo próprio da Justiça e o campo próprio da política. Devem ser como óleo e água e jamais se misturarem. A prisão cautelar dos dirigentes das empreiteiras deve ser discutida, nos autos, perante as Cortes de Justiça. Intolerável, porém, que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades políticas, em total desvirtuamento do devido processo legal e com risco à integridade da Justiça e à aplicação da lei penal”.
Nesta página, sempre se fala tudo, sem receio de a quem incomodar. Sim, acho as tais reuniões intoleráveis, mas nada há de intolerável em que um defensor busque os recursos que estiverem a seu alcance — desde que não saia cometendo crimes por aí. Incomoda-me, na reação de Moro, que toda a carga negativa se volte contra os acusados e seus defensores. Ora, quem cometeu a, como direi?, transgressão funcional foi Cardozo. É ele a autoridade. Quem não deve se entregar a certos desfrutes, convenham, é o senhor ministro. Os advogados PODEM FAZER TUDO O QUE A LEI NÃO PROÍBE, e a lei não proíbe que falem com ministros. Já CARDOZO PODE FAZER SÓ O QUE A LEI PERMITE. E eu quero saber onde está escrito que lhe é permitido manter conversas como aquela.
O PSDB decidiu abrir três frentes para tentar levar Cardozo a se explicar no Congresso. O partido pedir a sua convocação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, na CPI da Petrobras na Câmara e na eventual CPI Mista. Ainda a ser criada. O PPS, por sua vez, entrou com um requerimento para que a Comissão de Ética Pública da Presidência examine o comportamento do ministro. É o mínimo.
Para encerrar
Já deixei claro aqui o que penso. Acho uma desnecessidade, manter, a esta altura, a prisão preventiva dos réus. Os motivos previstos no Artigo 312 do Código de Processo Penal já não se aplicam mais. Não estou interessado em cortar cabeças, em demonizar pessoas, em ser justiceiro. Eu defendo que os presos passem a responder em liberdade justamente porque acho que será a melhor aplicação do Estado de Direito.
E, por isso também, cobro a demissão sumária de José Eduardo Cardozo. É evidente que este senhor perdeu a condição de ser ministro da Justiça. Para ser coerente com a minha própria análise histórica, corrijo o que acabei de escrever: ele nunca teve condição de ser ministro da Justiça. Não me parece que seja compatível com o cargo quem mereceu o carinhosa alcunha de um dos “Três Porquinhos” da então candidata Dilma, em 2010. Melhor seria convidar para o cargo, então, o Marquês — o de Rabicó, para ficar na espécie, não o de Sade.
Texto publicado originalmente às 22h42 desta quarta
Por Reinaldo Azevedo
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