terça-feira, 13 de agosto de 2013

Um homem estranho - Causos de João Furtuoso

Causos de João Furtuoso: Um homem estranho
Até a próxima quinta-feira, zerohora.com publica a série de contos "Causos de João Furtuoso", em comemoração à Semana Farroupilha. Personagem criado por Dioclécio Lopes, João Furtuoso é protagonista das narrativas ambientadas na zona rural, mais precisamente em um lugar chamado Bom Jardim, palco da difusão dos costumes, dos afazeres e da linguagem utilizada pelas gentes que marcam e mantêm acesa a cultura gaúcha. 
* * *
CONTA-SE que João Furtuoso é quem atendeu um vivente que chegou pedindo pouso na Fazenda do Minuano numa tardinha em que o sol já se escondia por entre o arvoredo e os pinheirais. Como não? Se aprochegue pro galpão, tchê – disse-lhe Furtuoso. 

O homem vestia um poncho cinza de gola vermelha e bombachas pretas. Um chapéu de aba quebrada completava a figura séria e intrigante do recém-chegado. 

– Toma um mate? – perguntou-lhe Tenório. 

O homem fez sinal que sim e sorveu-o em silêncio, com o olhar distante. A gauchada preparava um carreteiro de charque no fogão a lenha, alimentado por uma tora que o mantinha aceso por horas a fio, aquecendo todos aqueles viventes que se postavam à sua volta. 

O sujeito – perguntado – não precisou direito de onde vinha e para onde ia. Tinha um olhar sombrio, um talho em forma de C invertido que iniciava na testa e terminava no queixo, insinuação de briga das feias. 

A peonada contava causos dos mais estranhos. Muitos sentados em bancos cobertos por pelegos, outros em pé, de braços cruzados, outros apoiados nos calcanhares... João Furtuoso contava que certa feita, por aquelas bandas, um caminhoneiro dera carona a uma linda moçoila – de olhos muito negros e cabelos escorridos até a cintura. Esta contou ao solícito motorista que se perdera numa noite de tempestade e que desde então procurava em vão a sua morada. Penalizado, o homem tentou ajudá-la, fazendo-lhe perguntas, sugerindo-lhe caminhos... Mas no momento em que passavam pela morada definitiva dos mortais do Bom Jardim, a linda moça (que temeridade!) sumiu da boleia do caminhão como num sopro. O fato causou arrepios no prestimoso caminhoneiro, que, mais apavorado que cego em tiroteio, não mais tirou o pé do acelerador até chegar em casa, gaguejando muito e com uma tremedeira de dar dó. 

Conta-se que os viventes da Fazenda do Minuano ouviam tudo de olhos mais arregalados que coruja, ao mesmo tempo que uma ave noturna exercitava seu som estridente sobre a cumeeira do galpão. Para surpresa da peonada, o sujeito do poncho de gola vermelha levantou-se em um só tempo, meteu na cabeça o chapéu de aba quebrada e pediu licença para ir-se. Aquela mulher perdida que ele campereava há muito tempo devia, então, andar por aqueles pagos. E cruzou a porta sem abri-la.
– Credo, homidideus, coisadioutrumundu, hein?! – disse dessa vez Furtuoso, batendo a aba do chapéu na perna, enquanto alguns peões disfarçavam o nervosismo com tosses secas ou com longos goles de canha de Santo Antônio da Patrulha. A la pucha!
ZERO HORA

Nenhum comentário:

Postar um comentário