28/03/2013 às 4:40
Eu sou pelo beijo na boca. Desde que seja consensual, beijo na boca é sempre a favor. O que acho estranho é a modalidade “beijo na boca contra” — contra o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), por exemplo, como fizeram as atrizes Fernanda Montenegro e Camila Amado. Aliás, se o Brasil sair se beijando para pressionar Feliciano a renunciar, não vejo nada demais. O que não é possível é transformar a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara num circo porque, afinal, os manifestantes não concordam com as ideias do presidente. O Brasil aboliu, a duras penas, o delito de opinião. Se boa parte da imprensa se esqueceu disso, faço questão de lembrar.
Quando o delito de opinião foi extinto, também os adversários passaram a gozar da licença de dizer o que pensam. E há pessoas que são contrárias ao casamento gay. E daí? “Casamento” não é direito natural. É um jeito que a sociedade tem de organizar as famílias. Mundo afora, as sociedades determinam o que pode e o que não pode, havendo, sim, “discriminações” aceitas como medida de prudência. Ninguém pode se candidatar à Presidência da República ou ao Senado com menos de 35 anos, por exemplo. É uma combinação. Pessoalmente, não vejo por que os gays não podem se casar. Feliciano não pensa como eu. E caberia perguntar àqueles que aderiram ao linchamento moral onde está escrito que ele está proibido de dizer o que pensa.
Essa chacrinha é vergonhosa! É típica de uma democracia que está vivendo sob tutela — sob a tutela, no caso, de grupos militantes. Um país em que os petistas João Paulo Cunha e José Genoino — condenados pelo STF por levezas como peculato, formação de quadrilha, corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro — são membros da Comissão de Constituição e Justiça está com sintomas de esclerose política, isto sim! E um deputado vira o inimigo público nº 1 dos grupos militantes e da imprensa porque se opõe ao casamento gay? Ora, tenham paciência!!! Não estou aqui demonizando protestos, não! Que os manifestantes ocupem o gramado do Congresso, a Esplanada toda; que Fernanda Montenegro beije Camila Amado e quantas outras lhe der na telha; que a turma se junte lá na ABI para dizer o que pensa. Tudo isso é do jogo democrático. O que não dá é para se comportar como tropa de choque.
O ex-BBB Jean Wyllys (PSOL-RJ), um dos organizadores da bagunça no Congresso, foi eleito com pouco mais de 13 mil votos. Já tinha entrado na categoria das sub-subcelebridades, depois de micar na TV como jornalista e apresentador. Aí se aventurou na política. Foi malsucedido, sim. Seus 13 mil votos não o elegeriam vereador numa cidade média. Só está na Câmara porque se aproveitou da votação de Chico Alencar (RJ), seu colega de partido. O sistema proporcional permite essas coisas. Está lá, portanto, legalmente. Não estou contestando. E não terá dificuldade de se reeleger em 2014. Ele transformou a Câmara num BBB, atraindo para si os holofotes. A exemplo do que acontece na “ vida real, porém roteirizada” do programa de TV, estamos numa vitrine para a exposição de bonzinhos e malvados. Como falta à Casa um Pedro Bial para explicar dialética às massas (e não falo em sentido irônico, não), mostrando o que há de bonzinho no mauzinho e de mauzinho no bonzinho, a Câmara dos Deputados se transforma num BBB do Mal.
Wyllys está no seu elemento. Foi se fazendo de vítima ativa que conquistou os brasileiros no BBB. Os bucéfalos que o hostilizaram porque era gay jogaram o seu jogo, conforme ele queria. Descobriu o poder da vítima — e nada é mais eficaz (a depender do caso, também é perigoso) do que uma “vítima” no ataque. Cria-se uma coisa curiosa: por mais, então, que essa vítima disponha de todos os meios para massacrar o outro, para espezinhá-lo, para ridicularizá-lo, continua… “vítima”. Essa condição deixa de ser um estado transitório para virar uma categoria: categoria política, categoria de pensamento, categoria moral, categoria espiritual.
Quem é que tem hoje a imprensa na mão? Quem mobiliza os formadores de opinião? Quem é o dono do falso consenso (sim, um plebiscito diria o que pensa maioria)? É Feliciano? Não! Essa personagem poderosa, hoje, é Jean Wyllys — como poderoso ele se tornou na “casa mais vigiada do Brasil”. Louvo a sua esperteza, claro!, e lamento a estupidez destes dias, em que os critérios elementares do que é democracia foram esquecidos.
Vejam os jornais desta quinta. Aquele rapaz que chamou Feliciano de “racista” — o deputado lhe deu voz de prisão, o que podia, sim, fazer ali, mas ele não foi preso; é mentira! — gravou um vídeo (ver post) em que diz que aquilo só aconteceu porque ele é “negro, homossexual e pobre”. A imprensa está com ele. Acredita que o comportamento dos brucutus na comissão é correto e legítimo. Afinal, “não concordamos com Feliciano, então tudo é válido”.
Rede de desqualificação
Embora eu já tenha escrito dezenas de textos em favor do casamento gay e até da adoção de crianças, meu nome caiu na rede desqualificação e da patrulha porque estou me opondo ao linchamento do deputado, chamado pela imprensa brasileira, nos títulos, quase sempre de “pastor”. Ora, quem expulsou aquele agressor da Câmara não foi o “pastor”. Pastor pode, quando muito, pedir que alguém saia da sua igreja se estiver incomodando. Do Parlamento, não! Quem tomou a decisão foi um DEPUTADO, que é presidente da comissão, queiram ou não, gostem ou não.
Chamá-lo de “pastor” é evidência de preconceito religioso. Algum outro deputado é chamado ali por sua profissão ou atividade fora do Congresso? Não! O que se está patrulhando, de fato, é a condição religiosa de Feliciano. Não adianta tentar dourar a pílula. Os psolistas já deixaram claro que eles querem todos os membros do PSC fora da comissão. Não consta do Regimento nem da ordem democrática que os membros de uma comissão devam, de saída, abraçar um credo.
Podem me patrulhar à vontade! O que escrevo está em arquivo. Daqui a pouco alguns brucutus vão querer se reunir para decidir — em certa medida, ainda que de modo indireto, já o fazem — o que pode e o que não pode ser publicado, o que pode e o que não pode ser pensado, o que pode e o que não pode ser debatido. Rejeito e intolerância, venha de onde vier. Fernanda Montenegro deu beijo da boca de outra atriz para demonstrar sua adesão à causa. Fico a imaginar o que faria no palco para protestar contra Genoino e João Paulo na CCJ — na hipótese, claro!, de que ela seja contra isso também. Espero que sim!
Em entrevista o Radar, de Lauro Jardim, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) disse o óbvio: se Feliciano renuncia, não se elege nunca mais; se fica, pode ter um milhão de votos. O próprio Jean Wyllys certamente multiplicou o seu eleitorado a valer, não é? Há muita gente que concorda com ele, mas há ainda mais gente que concorda com Feliciano. Os dois saem como heróis de suas respectivas causas, mas é certo que o deputado do PSC está tendo uma projeção que obviamente não teria não fosse o deputado do PSOL ter empregado também como político a sua técnica para vencer o BBB.
Não lido bem com gritaria ou com hordas. Também não cedo ao fascismo politicamente correto. Boa parte do jornalismo esqueceu os princípios que norteiam uma sociedade democrática e de direito, a única que permite a existência do próprio jornalismo.
Recuso a tutela do estado. Mas recuso também a tutela de grupos de pressão.
Por Reinaldo Azevedo
Nenhum comentário:
Postar um comentário