quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Associação discute sistema para esclarecer transtornos. Proposta destina-se a entender melhor diagnósticos para aprimorar terapias

Publicado no Super Notícia em 17/01/2013
BENEDICT CAREY
The New York Times

FOTO: JONATHON ROSEN/THE NEW YORK TIMES
Mistério. Transtornos são difíceis de identificar e tratar, e há especialistas que não levam em conta alguns padrões de comportamento

Nova York, EUA. Durante anos, eles viveram como órfãos e desajustados, deslocados em um mundo próprio: o bizarro e o carente, o desconfiado e o desvirtuado, o pomposo e o covarde. Seus costumes e rituais são tão cativantes - e tão incompreensíveis, pelo menos - quanto os de qualquer tribo. Todo antropólogo excêntrico que visita o seu mundo parece deixá-lo com uma história diferente, um novo modelo para explicar esses comportamentos estranhos.

Em dezembro passado, o conselho de administração da Associação Americana de Psiquiatria discutiu a adoção de um novo sistema de diagnóstico para algumas síndromes mais graves e surpreendentes da medicina: os transtornos de personalidade.

Esses transtornos ocupam um nicho problemático na psiquiatria. As dez síndromes reconhecidas são muito bem representadas nas prateleiras de autoajuda das livrarias e incluem tipos bem conhecidos, como os transtornos de personalidade narcísica ou esquiva. Porém, quando plenamente desenvolvidos, os transtornos são difíceis de identificar e tratar, e os médicos raramente fazem avaliações cuidadosas, não levando em conta padrões de comportamento por trás de depressão e ansiedade.

A nova proposta - parte do esforço empreendido há anos pela associação para atualizar seu manual de diagnóstico - destina-se a esclarecer esses diagnósticos, de modo a melhorar os tratamentos.

David J. Kupfer, professor de psiquiatria da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, e presidente da força-tarefa de atualização do manual, não especula sobre o caminho que o esforço pode tomar. O exercício tem forçado psiquiatras a enfrentar uma das questões mais elementares, mas ainda não resolvidas: o que exatamente são os problemas de personalidade? Eles não são algo novo e marcam presença na mitologia grega, em histórias bíblicas e atravessam o século XX, com vilões vaidosos e ditadores assassinos.

É uma área nebulosa e, nos últimos anos, muitos terapeutas não têm tido o tempo ou o treinamento necessário para avaliar a personalidade. As entrevistas de avaliação podem durar horas, e o tratamento da maioria dos transtornos implica terapias a longo prazo.

"Os diagnósticos simplesmente não estavam sendo muito usados, e havia uma necessidade real de tornar todo o sistema muito mais acessível", disse Mark F. Lenzenweger, professor de psicologia da Universidade Estadual de Nova York. É mais fácil dizer do que fazer. O elemento mais central e memorável de qualquer pessoa - a personalidade - ainda desafia qualquer consenso.

RESISTÊNCIA
Especialistas estão divididos sobre método unificado

Nova York. Uma equipe de peritos nomeados pela associação psiquiátrica trabalhou mais de cinco anos para encontrar um sistema unificador de diagnóstico de problemas de personalidade. O painel propôs um sistema baseado em parte na dificuldade de "desenvolver um sentido coerente de si ou de identidade". Isso não é bom o suficiente, criticaram teóricos.

Mais tarde, os peritos ligaram elementos dos distúrbios a distorções em traços básicos. Por exemplo, a proposta final da equipe para o transtorno de personalidade narcísica envolvia avaliar uma pessoa segundo quatro características, incluindo caráter manipulador, histrionismo e insensibilidade. A definição atual inclui nove elementos.

O sistema de diagnóstico proposto seria mais simples, bem como "sensível ao conjunto de sugestões diversas e por vezes contraditórias" de outros especialistas, escreveu Andrew Skodol, psiquiatra da Universidade do Arizona, em artigo recente.

Desde então, o clamor contra as propostas só tem crescido. Alguns especialistas argumentam que descartar definições existentes foi prematuro e imprudente. Outros insistem que os diagnósticos não poderiam ser tão simplificados.

"Simplesmente não é possível ter uma cobertura adequada sobre transtornos de personalidade com apenas alguns traços", disse Thomas Widiger, professor de psicologia da Universidade de Kentucky. Ele compara o processo de se chegar a um consenso quanto à personalidade à parábola dos seis homens cegos do Hindustão – cada um tocando partes diferentes do elefante. "Todo mundo está trabalhando de forma independente e cada um tem sua perspectiva", disse ele. "É uma bagunça". (BC/NYT)

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