“Não basta que o juiz seja simpatizante de certas ideias”, disse o autor do último voto, Nunes Marques, que desempatou o julgamento. Quem compraria um carro de Moro?, ironizou Gilmar
Por Vitor Nuzzi, da RBA Publicado 23/03/2021 - 16h54
Fellipe Sampaio, Nelson Jr. e Rosinei Coutinho/SCO/STF
Fachin (relator), Gilmar, Cármen Lúcia, Lewandowski e o 'garantista' Nunes Marques: a Segunda Turma do STF dividida
São Paulo – A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro durante processo da Operação Lava Jato que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) envolvendo o chamado tríplex em Guarujá, no litoral sul paulista. O último voto dado, na tarde desta terça-feira (23) por Nunes Marques, desempatou a questão em favor do também ex-ministro, que pelo teor do voto proferido de réu quase virou vítima. Agora, só haverá mudança se Cármen Lúcia alterar seu voto, como já sinalizou. Imediatamente após a conclusão, Gilmar Mendes pediu a palavra para contestar, com veemência, o voto do colega.
Kassio Nunes Marques iniciou seu voto, sobre o Habeas Corpus (HC) 164.493, às 14h27, depois de ser chamado de “Castro Nunes” por Gilmar Mendes, que pediu desculpas e falou que era um elogio. Considerou que os fatos já haviam sido analisados em todas as instâncias. Para ele, a suspeição “decorre da presunção de um estado psicológico favorável ou desfavorável ao réu”. Além disso, o Código Penal prevê “circunstância objetiva relevante” para caracterizar a suspeição de um juiz. Segundo o ministro, estranho seria se o juiz ficasse “indiferente” ao réu.
“Garantistas” x “lava-jatistas”
Muito antes de encerrar a leitura do voto, prolixo e repleto de citações, às 15h15, sua posição favorável a Moro já havia ficado clara. “Não basta que o juiz seja simpatizante de certas ideias”, disse ainda. Ele também considerou ilícitas provas vindas chamada Vaza Jato, ainda que indiquem a realidade. Essas notícias não faziam parte do HC, impetrado em novembro de 2018, como lembrou o advogado Cristiano Zanin, da defesa de Lula. Apesar disso, Nunes Marques falou sobre o risco do “hackeamento” para futuros processos, que provocaria “desassossego” à sociedade. “Todo magistrado tem a obrigação de ser garantista”, declarou quase ao final, refutando uma divisão entre “garantistas” e “lava-jatistas”. E emendou: “Não podemos errar, como se supõe que errou o ex-juiz Sergio Moto (…) Dois erros não fazem um acerto”.
O julgamento foi suspenso no dia 9, com o placar em 2 a 2. A ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator, Edson Fachin, contra a suspeição. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski divergiram. O voto decisivo caberia a Nunes Marques – primeiro ministro do STF nomeado por Jair Bolsonaro –, que pediu vista. No dia seguinte, Lula chamou o ex-juiz de “o maior mentiroso da história”.
Anulações condenadas
O julgamento da suspeição de Moro começou em 2018. Foi retomada agora, depois da decisão de Fachin de anular condenações de Lula pela 13ª Vara Federal de Curitiba, então comandada por Moro. Dias depois, o ministro rejeitou recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) e manteve sua decisão.
Com isso, Fachin declarou extintas, por “perda de objeto”, as ações que questionavam a parcialidade do ex-juiz, que depois, já no atual governo, se tornou ministro da Justiça. Mas a Segunda Turma já havia iniciado o julgamento de uma dessas ações. Assim, o fato de Moro ter sido nomeado por Jair Bolsonaro, beneficiado pela exclusão de Lula do processo eleitoral de 2018, é usado pela defesa do ex-presidente.
“Nem aqui, nem no Piauí!”
Logo que Nunes Marques concluiu seu voto, Gilmar Mendes pediu novamente a palavra. Irritado, afirmou que as provas estão nos autos, e isso que deveria ter sido examinado. Apontou evidências de parcialidade de Moro, como a condução coercitiva de Lula (“Eu só concebo condução coercitiva se houver recusa do intimado”), em 4 de março de 2016, e o grampeamento telefônico, inclusive de advogados. E voltou a questionar os procedimentos da Lava Jato.
“Eu quero fazer a seguinte pergunta, que não é retórica: a combinação de ação entre o Ministério Público e o juiz encontra guarida em algum texto da Constituição? Pode-se fazer essa combinação? Isso tem a ver com garantismo? Nem aqui nem no Piauí, ministro Kássio!”, exclamou, fazendo ainda ironia ao linguajar do ex-juiz e ex-ministro: “Linguagem muito peculiar, muito próxima do português”.
“Não estamos a falar aqui de prova ilícita. O meu voto está calcado nos elementos dos autos”, contestou ainda Gilmar Mendes, para explicar que as notícias “hackeadas” nem seriam necessárias para concluir pela suspeição. “Estamos falando de provas dos autos, ministro Kassio, nenhuma conversa com hacker.” E atacou Moro e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato.
“Não há espaço para covardia”
“O tribunal de Curitiba é conhecido internacionalmente hoje como tribunal de exceção. (…) Alguns dos senhores aqui compraria um carro do Moro? Algum dos senhores seriam capazes de comprar um carro do Dallagnol? (…) “Estamos diante de um julgamento histórico. E cada um passará para a história com o seu papel. Não há espaço para covardia.” Segundo Gilmar, muitas vezes, “por trás da técnica de não conhecimento de habeas corpus se esconde um covarde”. Por fim, após mais de uma hora e meia, o ministro condenou o que chamou de “consórcio espúrio” entre Lava Jato e mídia.
“Diante do que foi dito, meu contributo é o silêncio”, disse Nunes Marques, já depois das 17h. Ele afirmou que não iria replicar e que apenas expôs seu voto com “solar clareza”.
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