Afinal, o que Villas Bôas e Bolsonaro conversaram em sigilo?
Merval Pereira
O Globo
O que o General Villas Boas, então comandante do Exército, conversou com o candidato Jair Bolsonaro, não saberemos tão cedo, ou nunca. Mas sabemos que Bolsonaro atribui a ele ter chegado à presidência da República e, juntando pedaços de narrativas, desenha-se uma versão muito próxima do que ocorreu nos bastidores militares nos últimos anos.
O General Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), deu informações preciosas na entrevista ao J10 da Globonews quarta-feira. Disse, por exemplo, que os militares perceberam que o que chamou de “efeito Bolsonaro” poderia ajudar a que participassem da vida política num momento em que a situação no país era de “grande calamidade”.
“SOCIALISMO” – Ficou-se sabendo também que quando Bolsonaro fala em “livrar o país do socialismo”, não está falando à toa. Ecoa um sentimento arraigado nas Forças Armadas de que o PT tentou levar o país para o socialismo, num esquema regional montado pelo Foro de São Paulo, agrupamento de esquerda coordenado por Lula e Fidel Castro que chegou a ter quase o monopólio político dos governos da América Latina.
Essa desconfiança em relação ao PT se deve a fatos concretos. A então presidente Dilma chegou a consultar as Forças Armadas sobre a decretação do estado de emergência para evitar a votação de seu impeachment, e foi rechaçada.
Consumada a derrota política, uma análise do Diretório Nacional do PT lamentou que o partido tenha sido descuidado na reforma do Estado, citando, entre outras ações, a não interferência nos currículos das academias militares.
FORMAÇÃO MILITAR – Este “sincericídio” petista confirmou a intenção de controlar a formação militar, o que estava implícito em um decreto assinado pela presidente Dilma em setembro de 2015, transferindo para o ministério da Defesa, ocupado pelo PT, poderes aparentemente burocráticos, mas que dariam margem justamente à interferência nos currículos das escolas militares, um sistema definido pelo General Heleno como “primoroso”.
O decreto foi neutralizado por outro, mas a nota do Diretório Nacional do PT mostrou que realmente o partido tinha entre suas prioridades o aparelhamento do ensino nas escolas e centros de formação militares,
A possibilidade de Lula, através de uma manobra jurídica, poder disputar a eleição presidencial mesmo depois de ter sido condenado em segunda instância inquietava os militares próximos ao General Villas Boas.
ADVERTÊNCIA – Na véspera do julgamento de um habeas-corpus de Lula no Supremo Tribunal Federal (STF), o General Villas Bôas divulgou um tweet advertindo: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”.
A mensagem foi vista como uma pressão sobre o Supremo, e o próprio General Villas Boas admite que ali “nós conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no limite. Mas sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse. Porque outras pessoas, militares da reserva e civis identificados conosco, estavam se pronunciando de maneira mais enfática”.
MOURÃO, O SOLDADO – Um deles era o general quatro estrelas Hamilton Mourão, íntimo de Vilas Boas, a quem chama de VB, que o considera “uma figura fantástica, um grande soldado”. Ainda na ativa, defendeu a intervenção militar caso as crises por que o país passa não fossem resolvidas pelos poderes constitucionais. E permitiu uma homenagem a favor do torturador Brilhante Ulstra, a quem chamou, em entrevista à Globonews, de “meu herói”.
Foi transferido para um cargo burocrático e advertido, mas continuou próximo de VB e do General Heleno, que o defendeu na ocasião em nota no Facebook. Hoje, Mourão é o vice-presidente da República.
Outra prova da influência do General Heleno: a maioria dos militares do primeiro e segundo escalões do novo governo, assim como ele, chefiou missões de Paz da ONU, no Haiti ou em outras áreas. Chefes militares que se destacaram em ações de combate. Não é por coincidência, portanto, que o General Fernando Azevedo e Silva, hoje Ministro da Defesa do governo Bolsonaro, foi colocado anteriormente como assessor do presidente Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal (STF).Posted in Tribuna da Internet xxxxxxxxxxxxxxxx
Jair Bolsonaro seguiu o exemplo de Queiroz e falou ao SBT
Deu em O Globo
Em sua primeira entrevista no cargo, o presidente Jair Bolsonaro confirmou nesta quinta-feira ao SBT que pretende fazer um pente-fino nos atos assinados por autoridades do governo do ex-presidente Michel Temer nos últimos 30 dias. Entre uma série de assuntos abordados, Bolsonaro falou de política externa, disse que pretende visitar Donald Trump nos Estados Unidos em março, confirmou o desejo de flexibilizar a posse e o porte de armas de fogo por meio de decretos, comentou a situação do ex-assessor do seu filho Flávio, investigado por movimentações atípicas no Coaf e também deu detalhes do projeto de reforma da Previdência que pretende enviar ao Congresso nos próximos dias. A seguir, os principais temas:
POSSE E PORTE DE ARMAS
O presidente afirmou que vai flexibilizar a posse de armas de fogo, determinando por meio de decreto o que é a “efetiva necessidade” exigida pela legislação. Segundo ele, o critério para autorizar alguém a manter uma arma em casa passou a ser subjetivo.
— A PF age de acordo com orientação do Ministério da Justiça. E a orientação que vem também do governo central. Conversando com Sergio Moro (ministro da Justiça), ele deu a ideia do novo decreto, e estamos definindo o que é a “efetiva necessidade”. Isso sai em janeiro com toda certeza.
Bolsonaro também anunciou que pretende facilitar o porte de arma. Ou seja, permitir que, além de manter a arma em casa, o cidadão também possa carregá-la pelas ruas:
— O decreto é só para posse de arma de fogo. Com relação ao porte, vamos flexibilizar também. Podemos dar por decreto, mas tem requisitos para cumprir.
NÚMERO DE ARMAS NO CAMPO
Eleito com forte apoio do agronegócio, Bolsonaro disse que pretende aumentar, também por decreto, o número de armas para o “homem do campo”:
— Homem do campo vai ter direito também. O governo último limitou em duas armas no máximo para cada um de nós. O que estou propondo ali é o povo ter duas armas, para agentes de segurança, quatro ou seis armas, vamos aumentar o número de armas.
O presidente falou ainda que também estuda abrir o mercado brasileiro para a indústria armamentista:
— Pretendemos também, e não está definido, é um decreto que diz sobre o monopólio de arma de fogo. Pretendemos abrir nosso mercado a outras armas também.
RECEITA CONTRA A VIOLÊNCIA
O presidente voltou a defender a proposta que aplica de forma automática o princípio da legítima defesa (em termos técnicos, excludente de ilicitude) a policiais militares que matem em serviço e também a pessoas comuns que se defendam.
— Pode ter certeza que a violência vai cair assustadoramente — disse Bolsonaro.
REVISÃO GERAL DE ATOS
Bolsonaro confirmou ter encomendado aos seus 22 ministros uma revisão de atos do ex-presidente Michel Temer nos últimos 30 dias que podem esconder casos de corrupção. O presidente citou o contrato assinado em 28 dezembro de 2018 em que a Funai repassou quase R$ 45 milhões à Universidade Federal Fluminense, revelado pelo Globo, para implementação de criptomoedas para a população indígena; a liberação de R$ 200 mil, por meio da Lei Rouanet, para duas corridas de rua no Morro do Borel, no Rio, e uma consultoria de R$ 3 milhões encomendada pelo Ministério do Turismo:
— Tem cara que tem muita coisa errada aí. Eu acho que nenhum agente público ia jogar fora 3 milhões de reais para fazer uma consultoria que qualquer um de nós poderíamos fazer algo parecido com consulta na internet.
CONTRA O SOCIALISMO
O presidente afirmou que a aproximação do regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, com a Rússia, que recentemente fez exercícios militares no país vizinho, é motivo de preocupação. Ele voltou a dizer que as Forças Armadas “são o último obstáculo para o socialismo”:
— O dia em que eles quebrarem nossa coluna vertebral, eles impõem aqui um regime de exceção como Chávez fez lá.
E contra os comunistas, as Forças Armadas. Ao ser questionado sobre o seu discurso de posse em que disse que seu governo libertará o Brasil do socialismo, o presidente admitiu que nunca houve socialismo no país.
— Pô, nunca teve socialismo? Graças às Forças Armadas. Vamos agradecer às Forças Armadas. Desde 1922, corremos o risco no Brasil.
APROXIMAÇÃO BÉLICA COM EUA
Bolsonaro afirmou que a aproximação com os EUA poderá não ser apenas econômica, mas também uma parceria bélica.
— A minha aproximação com os Estados Unidos é uma questão econômica, mas pode ser bélica. Nós podemos fazer acordo voltado para essa questão aqui no Brasil. Nós não queremos ter um superpoder na América do Sul, mas devemos ter, no meu entender, a supremacia.
QUEIROZ ‘FAZIA ROLO’
Sobre o caso do ex-assessor do filho Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, o presidente disse que sabia que Fabrício Queiroz vendia carros e “fazia rolo”. Essa foi a explicação apresentada por Queiroz sobre a movimentação de R$ 1,2 milhão em um ano, apontada como atípica pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
— Ele falou que vendia carros, eu sei que ele fazia rolo. Agora, quem vai ter que responder é ele. O Coaf fala em movimentação atípica, isso não quer dizer que seja ilegal, irregular. Pode ser.
Bolsonaro disse que Queiroz “sempre gozou de toda confiança” dele, mas ressaltou que prefere não entrar em contato com ele após a resolução do caso:
— Até que ele prove o contrário, não pretendo conversar com ele.
SUCESSÃO NA CÂMARA
Apesar de o PSL ter fechado acordo para apoiar a reeleição de Rodrigo Maia à presidência da Câmara dos Deputados, Bolsonaro voltou a repetir o discurso de que não vai se envolver nas eleições no Congresso. Ele disse, no entanto, esperar que o candidato apoiado pelo seu partido vença:
— Meu partido vai apoiar alguém, eu não vou participar dessa negociação. Espero quem o partido que apoiar, venha a ganhar e coloque em pauta as matérias que porventura viemos a apresentar.
Logo no início da entrevista, Bolsonaro afirmou que pretende propor ao Congresso uma reforma da Previdência que estabeleça, até 2022, uma idade mínima de 62 anos para homens e 57 anos para mulheres.
APOIO AO ESFAQUEADOR
Para Bolsonaro, Adélio Bispo dos Santos, autor da facada que quase tirou sua vida durante a campanha eleitoral, teve o apoio “de gente com dinheiro” para promover o ataque. Ele citou os quatro advogados que se apresentaram para defendê-lo, lembrou sua filiação ao PSOL, e disse esperar uma confissão ou o desfecho do caso pela Polícia Federal.
– Está na cara que gente com dinheiro, preocupada em (ele) não abrir a boca, foi em seu socorro.Posted in Tribuna da Internet