Por G1 Zona da Mata
16/10/2017 13h22 Atualizado há 5 horas
Conselho Tutelar denuncia vídeo postado pela UFJF em homenagem ao Dia das Crianças
Um vídeo de um quadro da Diretoria de Imagem Institucional da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) se tornou alvo de um pedido de providência do conselheiro tutelar Abraão Fernandes, protocolado nesta segunda-feira (16) no Ministério Público Federal (MPF) em Juiz de Fora.
A argumentação é que uma fala da drag queen Femmenino, apresentadora do vídeo, durante visita ao Colégio de Aplicação João XXIII desrespeita o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e o Plano Municipal de Educação, sancionado em março deste ano.
O vídeo "Na Hora do Lanche | Dia das Crianças", que tem pouco mais de quatro minutos de duração, foi publicado no canal TV UFJF. "Outubro é o mês do Dia das Crianças e nossa Drag Queen institucional, Femmenino, foi até o C.A. João XXIII saber dos alunos como anda a expectativa para a data e, claro, saber o que os baixinhos estão levando na merendeira! "- Tá na hora do que??? - Do lanche!!!" Dá o play e chama na educação infantil ;)"
Em nota, a UFJF informou que a instituição tem compromisso com uma educação pública, democrática, de qualidade e inclusiva, tanto na educação superior quanto na educação básica. "O Colégio de Aplicação João XXIII é uma Unidade Acadêmica da UFJF vinculada ao sistema federal de colégios de aplicação e possui, em seu projeto político-pedagógico, o objetivo de assegurar ao educando a formação indispensável ao exercício efetivo da autonomia com a estruturação de uma sociedade justa e democrática", diz o texto.
A Secretaria Municipal de Educação explicou, também em nota, qual é a atuação do Plano Municipal de Educação. "Conforme orientação do Ministério da Educação para a elaboração dos planos municipais, tais planos são caracterizados como do território, englobando todas as redes de ensino", diz a nota.
Pedido de providência sobre vídeo da UFJF foi protocolado nesta segunda-feira (16) em Juiz de Fora (Foto: Reprodução/TV Integração)
Trecho contestado
Na quinta-feira (12), o conselheiro tutelar Abraão Fernandes publicou no perfil pessoal a íntegra do pedido de providências que iria apresentar ao Ministério Público Federal (MPF) pedindo a apuração da conduta da escola e da drag queen. A motivação é um trecho de cerca de 20 segundos, onde a drag queen está em uma sala de aula:
Femmenino: "Vocês vão ficar aí pensando sobre essas coisas de menino e de menina. Isso nao existe".
Um menino (fora do microfone): "Isso é preconceito"
(A drag se abaixa e fica na altura da criança): "Fala pra todo mundo, então. Esse negócio de menino e de menina é o quê?"
Menino: "Preconceito".
Femmenino: "Viu, toma família brasileira. Vamos embora, gente"
No sábado (14), um trecho editado do vídeo foi compartilhado no perfil do deputado Jair Bolsonaro, chamando a atenção para o que chamou de "canalhice".
'Tiraram a frase de contexto', alega drag queen
O artista e estudante universitário Nino de Barros, a drag queen Femmenino, contou que ficou triste e assustado com os comentários que recebeu nos últimos dias. Ele explicou que a gravação foi feita neste mês e que, durante a permanência dele na escola, não houve nenhum problema com as crianças e adolescentes.
"As crianças amaram, nenhuma reagiu mal à minha presença lá. Elas sabiam que era um homem vestido de mulher e entenderam a proposta. Gravamos uma semana antes da publicação. O material feito passa por edição e por aprovação. Por isso que eu estranhei as pessoas acharem que era algo perigoso. Foi um material feito com o respaldo da UFJF. É uma denúncia descabida", contou.
Nino de Barros explicou que é bolsista da Universidade e que o programa "Na hora do lanche" é institucional, existe desde gestões anteriores e que assumiu a apresentação neste ano. "A intenção era renovar o programa, assumi o formato e a apresentação. A gente está nele desde maio, é mensal. A visita ao João XXIII já foi só um episódio e já teve outros comigo montada", comentou.
A partir do compartilhamento de trecho do vídeo, a drag queen comentou que o impacto nos perfis dela em rede sociais foi imediato. "Tiraram de contexto. Eu não discuti a existência de meninos e meninas. Meninos e meninas existem. Eu queria discutir gênero de brinquedos, de ser azul ou rosa. Não foi compartilhada a íntegra do vídeo. Ele foi salvo, editado e, então, postaram. Fico com medo de alterarem ainda mais o que disse. Tão logo postou, começou a chuva de ódio nos meus perfis", ressaltou.
Nino de Barros optou por não responder diretamente aos comentários, xingamentos e ameaças. Como forma de posicionamento, a drag queen gravou e publicou no sábado (14) um vídeo se posicionando sobre o assunto.
"Eles querem que você se incomode pelo fato de dizerem uma opinião sem base nenhuma, só ódio. Não vou bater boca com quem não quer entender o que esta acontecendo. Eles só querem reproduzir uma opinião homofóbica, conservadora e reacionária. O que mais me surpreende é a quantidade de xingamentos pesados em um material sobre o Dia das Crianças. Elas têm acesso à internet e vão ver o que adultos escreveram lá. Estou triste e assustado com isso tudo", analisou.
"Ele foi infeliz na fala", analisa conselheiro tutelar
O conselheiro Abraão Fernandes procurou o Ministério Público Federal (MPF) para protocolar, de forma oficial, o pedido de providência nesta segunda-feira (16). A íntegra do ofício foi disponibilizada no perfil dele em uma rede social, com as argumentações sobre o que precisa ser analisado. De acordo com ele, não é questão de homofobia, mas do desrespeito à legislação municipal e nacional que determina as normas de proteção aos direitos de crianças e adolescentes.
"Em determinado momento, a drag deixa transparecer a questão da ideologia de gênero, ao dizer que não existe questão de brinquedo de menino e de menina. E ao dizer 'Toma família brasileira' se torna um desrespeito, porque todas aquelas crianças são parte de uma família. A gente não está sendo homofóbico, nem discutindo diferentes formas de famílias. O artigo 22 do ECA destacou o direito de guarda dos pais e o Estado não pode ir na contramão do direito fundamental do pai e da mãe sobre como educar o filho", destacou o conselheiro.
Para o conselheiro, a fala apresentada no vídeo foi "infeliz". "A questão foi a forma como o arista conduziu a coletividade. Ele fala em tom pejorativo, de desrespeito e de desdém sobre a família brasileira, a qual aquelas crianças pertencem. Ele conduziu mal e foi infeliz na fala", disse Abraão Fernandes.
Diante disso, o conselheiro decidiu solicitar que o MPF analise a situação. "Quando a drag queen fala isso, está indo na contramão do que os pais têm ensinado em casa. A gente está protocolando documento na Promotoria, pedindo providências em desfavor da escola e da drag queen, para que apresentem esclarecimentos acerca desta atividade e outras que estiverem sendo desenvolvidas no mesmo sentido de ideologia de gênero", afirmou.
Para ele, o debate permite desdobramentos ideológicos que devem ser analisado de forma mais prudente.
"O Plano Municipal de Educação proíbe ideologia de gênero na escola. A gente só quer que a lei seja cumprida. Recebi contatos de 13 pais que estariam insatisfeitos com outras situações na escola que estariam promovendo isso de forma velada. Eles não concordam. Cabe ao pai decidir isso, porque a criança não tem discernimento para saber se está sendo doutrinada", afirmou.
Plano Municipal de Educação
O Plano Municipal de Educação foi aprovado na Câmara Municipal em 27 de março deste ano, por 14 votos a favor e quatro contra. O texto foi sancionado pelo Prefeito Bruno Siqueira dois dias depois e se tornou a Lei 13.502, disponibilizada no Diário Oficial do Município.
É um planejamento da educação de cada município, que deve ser realizado com participação do governo (prefeito e vereadores) e da sociedade civil (professores e organizações). Ele é um documento que contém objetivos e ações propostas a curto, médio e longo prazo, para a educação no município em um período de dez anos.
O PME engloba todo o sistema de ensino das escolas estaduais, municipais e particulares e é direcionado aos campos da Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio, Educação Superior, Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação Profissionalizante a Distância. Além disso, a Formação de Professores e Valorização do Magistério, o Financiamento e Gestão da Educação.
Um dos pontos que gerou polêmica foi o conceito de diversidade. Entre as emendas que causaram polêmica na votação, foi aprovada a proposta do vereador André Mariano (PSC), que incluiu que o termo diversidade apresentado no PME fosse usado no meio escolar de forma restrita. A palavra diversidade aparece nove vezes no texto. Cinco menções estão no corpo da lei.
Um parágrafo esclarece o significado da palavra no contexto do documento. "Por diversidade entenda-se, no corpo desta Lei e dos seus anexos, estritamente, toda modalidade de Educação Inclusiva ou Especial, nos termos da Constituição Federal de 1988, da Convenção da Guatemala (1999) e da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990", diz o texto.
De acordo com o texto, a "promoção da cidadania e dos princípios do respeito aos direitos humanos e à diversidade não poderá se sobrepor aos direitos dos pais à formação moral de seus filhos, nem interferir nos princípios e valores adotados ao ambiente familiar, conforme assegurado pela Convenção Americana dos Direitos Humanos, Constituição Federal de 1988, Código Civil Brasileiro e demais normas infraconstitucionais".