Charge do Son Salvador, reproduzida da Charge Online
Jorge Béja
Conheço o assunto. Não há como deixar de conhecê-lo, após 45 anos ininterruptos advogando exclusivamente nesta área de pleitos indenizatórios na Justiça, por danos morais, materiais, estéticos, psíquicos e indenizações outras de todos os tipos e por muitos outros motivos que até carecem de denominação jurídica. Responsabilidade Civil é matéria ampla e abrangente. Até a década de 80 o Brasil engatinhava sobre este tema, apesar do esforço do valoroso e saudoso José de Aguiar Dias, que muitos anos antes lançara sua obra em dois volumes denominada “Da Responsabilidade Civil”. E também de Wilson Mello Silva, o primeiro a publicar obra jurídica em defesa da reparabilidade do dano moral.
Está nos jornais a notícia de que o ex-presidente Lula deu entrada na Justiça (ou ainda vai dar entrada) com uma ação indenizatória contra o procurador da República Deltan Dallagnol. O pedido é de reparação por danos morais de R$ 1 milhão pela entrevista coletiva em que Dallagnol apresentou um gráfico e apontou Lula como sendo o “comandante”, o “general” de uma organização criminosa”
SEM VALOR FIXADO – Em primeiro lugar é preciso frisar que o valor da reparação do dano moral sempre fica ao livre arbítrio da Justiça. Não adianta pedir este ou aquele valor, porque a decisão judicial não ficará atrelada ao valor pretendido. Nunca. Desafia-se mostrar uma só indenização por dano moral, puro e autônomo (e mesmo que se trate de dano moral aparelhado e como consequência de outro dano pessoal ou material) que a condenação final tenha correspondido ao valor pleiteado perante a Justiça. Isso não existe.
A jurisprudência nacional está consolidada, sem discrepância, que compete unicamente ao livre arbítrio do juiz fixar o valor correspondente à reparabilidade do dano moral.
Já se vê que o pleito do ex-presidente, a se confirmar o noticiado, não começa bem ao estipular um valor para o dano moral. O máximo que se pode fazer é sugerir este ou aquele valor. Mera sugestão. Mas fazer pedido líquido e certo de determinado valor isso não é acatado pela Justiça.
LEI DE IMPRENSA – No Brasil apenas existia uma lei que fixava previamente o valor do dano moral. Era a Lei de Imprensa, da época da ditadura e que o STF a declarou incompatível com a Constituição de 1988 e a declarou inconstitucional. Invalidada, portanto. Deixou de existir.
Em segundo lugar, também é necessário dizer que Dallagnol, na entrevista coletiva, estava acompanhado de muitos outros procuradores da República, de delegados da Polícia Federal e de representante da Receita Federal. E seu pronunciamento se deu em razão do ofício de procurador da República encarregado do comando da operação Lava Jato.
Naquela manhã daquele dia, naquele salão, naquele palco e naquela entrevista lá em Curitiba, as palavras de Dallagnol eram as palavras da União, de quem ele é um dos prepostos na condição de procurador da República. Logo, estava no exercício do seu árduo, combativo e difícil ofício.
INTENÇÃO PRECONCEBIDA – E sabemos que os agentes públicos somente são pessoal e civilmente responsabilizados por seus atos e omissões quando agem (ou deixam de agir) com intenção preconcebida. Ou seja, com culpa gravíssima e que atinge às raias do dolo. Caso contrário, o civilmente responsável é o ente que o agente público representa, caso em que a responsabilidade civil é objetiva e independe da apuração da culpa e do dolo. No caso, a União.
E o procurador da República Deltan Dallangnol estava prestando contas ao povo brasileiro a respeito das descobertas de um esquema criminoso que lesou a Petrobras. Nada mais necessário e justo, portanto. Até prova em contrário, o dr. Dallagnol não cometeu ilícito civil algum.
DEPENDE DE ABSOLVIÇÃO – Quanto às adjetivações que o procurador da República empregou a respeito do ex-presidente Lula elas só serão consideradas ultrajantes à honra do ex-presidente se as denúncias criminais e as ações penais contra Lula não forem acolhidas pela Justiça e Lula venha ser absolvido de todas. Aí sim, se poderá dizer, depois do trânsito em julgado das decisões absolutórias de Lula, e mesmo assim em tese, que houve um excesso por parte do promotor público federal. Um excesso de linguagem, que nem sempre gera direito à reparabilidade do dano moral.
Todos os operadores do Direito sabem que as instâncias penal e civil são independentes. Mas para que Lula vença esta anunciada ação contra o dr. Daltal Dallagnol, forçosamente haverá de se aguardar o desfecho final dos inquéritos e ações penais que Lula já é réu na Justiça. E de outras que estão por vir. Até lá, a anunciada ação reparatória do dano moral de Lula X Deltan fica suspensa.
E se Lula acabar condenado na Justiça criminal, aí será a vez dele indenizar o dano moral que causou à República Federativa do Brasil, ao erário nacional e ao respeito que lhe cumpria ter a cada cidadão brasileiro.
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