Todos sabem que combati duramente e combato ainda decisão do Supremo que determinou que casais homossexuais também formam unidade familiar. Afinal, o Artigo 226 da Constituição, que não foi revogado, define:
“§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
Como é que fez o Supremo para tomar uma decisão contra o texto constitucional? Acatou, em 2011, a argumentação do advogado da causa. Sabem quem era? Luís Roberto Barroso — atual ministro do Supremo.
Que argumentação prevaleceu? Não reconhecer a união estável entre homossexuais violaria os princípios “da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana”. Bem, meus caros, por aí, tudo pode. Qualquer tese é justificável. Por esse caminho, a gente pode tornar constitucional até o assalto a supermercados — afinal, se um grupo alega fome, viva a dignidade da pessoa humana!
Em 2011, quando o Supremo constitucionalizou a união civil de pessoas do mesmo sexo, adverti que se abria um precedente. Abria-se um caminho para tirar da Constituição e a ela acrescentar o que desse na telha dos ministros.
O mérito
Eu defendo o reconhecimento da união civil de pessoas do mesmo sexo? Sim! Sou favorável, já disse aqui para a tristeza de alguns, também à adoção de crianças por pares homossexuais. Acho que os direitos têm, sim, de ser iguais. Mas é o Congresso quem tem de fazer isso, não o Supremo. “Ah, mas o Congresso não faria…” Que os interessados diretos na proposta e os que a defenderem por adesão intelectual, humanista, moral ou outra o façam. Se e quando mudar, será mudança efetiva.
Os que foram derrotados na comissão nesta sexta afirmam que a decisão viola o que foi decidido pelo Supremo. Os que venceram afirmam que o Supremo é que se arvorou em legislador. Que grupo está certo? Ambos. O que vai acabar prevalecendo? A decisão do tribunal, que se manifestou tanto no âmbito de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade como de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Assim que o estatuto for aprovado, alguém arguirá a sua inconstitucionalidade, e a decisão do STF já estará tomada.
É bom ter memória, né? Roberto Barroso foi o patrocinador da união estável gay no Supremo. Em 2011, apenas advogado, ele concedeu uma entrevista sobre o assunto. Indagado se esse não era um tema para o Congresso resolver, ele respondeu:“Num Estado democrático de Direito você tem uma Constituição interpretável e aplicável pelo Judiciário e uma legislação ordinária elaborada pelo Congresso. Sempre que o Congresso disciplina determinada matéria por lei, sendo ela compatível com a Constituição, essa é a vontade que deve prevalecer. Porém, onde eventualmente não exista lei ordinária, mas seja aplicável diretamente a Constituição, é isto que o Judiciário deve fazer. E os princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana autorizam o Judiciário a tomar essa decisão inclusiva, construtiva.”
Em última instância, se o Congresso não faz e se o Judiciário achar certo, fim de papo. Pois é. Sabiam que isso tem tudo a ver com a proibição do financiamento privado de campanha, que também é, à sua maneira, uma causa patrocinada por Barroso — um relatório seu, feito para a OAB, acabou virando uma ação no Supremo pra proibir o financiamento.
É claro que a Constituição não proíbe doação de empresas. E por que os ministros a consideraram inconstitucional? Ah, com base no princípio da igualdade, entendem? Se empresários podem doar tanto, e tantos não podem doar nada, a isonomia estaria sendo agredida. Quando se abriu a porteira naquele caso da união civil gay, abriu-se para qualquer coisa. Onde passa um boi também passa uma boiada.
Mais interessante ainda: em 2010, ao tratar da proibição da doação de empresas a campanhas, Barroso usou o mesmo argumento da união civil, um ano depois:
“A proposta apresentada pelo Conselheiro do Rio de Janeiro talvez tenha encontrado a solução jurídica para um problema que se demonstrava insolúvel no estrito âmbito das soluções apresentadas pelos parlamentares brasileiros. Infelizmente, os projetos de lei que tentam moralizar as doações e gastos das campanhas políticas não contam com o empenho dos parlamentares para lograrem aprovação. É o típico caso de legislação em causa própria. Os parlamentares fazem as leis que vão reger as suas próprias campanhas”.
Ou por outra: se o Congresso não faz, então que faça o Judiciário.
Esse Estatuto da Família, no que respeita à união civil, não tem importância nenhuma. A decisão tomada será derrubada pelo Supremo quando alguém recorrer. O ponto que me interessa debater é outro: é o juiz legislador. Anteontem foi a união civil, ontem foi o financiamento de campanhas, e amanhã será o quê?
Acho bom termos um Legislativo que legisle e um Judiciário que julgue.
Texto publicado originalmente à 1h16