17/06/2015 06h26
Atlanta (EUA)
Leandra Felipe - Correspondente da Agência Brasil/EBC
Edição: Graça Adjuto
A história da advogada de direitos civis norte-americana Rachel Dolezal, acusada de fingir ser negra, continua a repercutir na imprensa norte-americana e no movimento negro. Ela se autodenomina negra, trabalha em defesa dos direitos civis dos afro-americanos, mas é filha biológica de um casal branco. O caso ganhou fama mundial depois de os pais a terem acusado de mentir sobre sua origem, que seria europeia e não africana.
Para algumas entidades representativas, ainda que ela se identifique culturalmente com afro-americanos, tenha filhos afro-americanos de sua relação com um afro-americano, ela não deveria adotar uma identidade que não tem.
“Uma coisa é identificar-se culturalmente, outra é ser criada com uma criança branca e, adulta, se autodeclarar negra”, afirmou à Agência Brasil, Tereza Gutierrez, representante do Centro de Ações Internacionais (IAC, sigla em inglês), uma organização não governamental (ONG) de Nova York, que trabalha com temas de racismo e exploração no mundo.
Tereza disse que, apesar de Rachel ser engajada no movimento dos direitos civis, apropriar-se de uma identidade não é correto do ponto de vista ético. “Ela não foi criada como uma menina negra e não sofreu os mesmos tipos de preconceitos que uma criança negra”, afirmou.
Após a denúncia dos pais, algumas entidades do movimento negro e a opinião pública acusaram Rachel de ter se autodenominado negra para ter acesso a programas de ações afirmativas.
Ela nega essas acusações e, nessa terça-feira (16), falou com exclusividade à Rede de Televisão norte-americana NBC. “Tudo que fiz foi para sobreviver”, afirmou, durante a primeira entrevista que concedeu após o escândalo causado pela revelação dos pais.
Depois da divulgação da entrevista, Rachel foi demitida do cargo de representante da Associação Nacional para o Avanço de Pessoas de Cor (NAACP – a sigla em inglês) em Washington e afastada da função de professora em uma universidade local.
Na entrevista, a advogada disse que faria tudo de novo, com relação a se autodeclarar “não branca” e a se considerar negra. Ela falou que a questão é “mais complexa do que parece”. Acrescentou que desde os cinco anos já desenhava seu cabelo “crespo e marrom”, em vez de “loiro e liso.”
O que chocou o país foi a publicação de fotos de Rachel no ensino médio, com cabelos loiros naturais, lisos e pele branca. Atualmente, adota os cabelos crespos e a pele bronzeada. Ela confirmou ser a garota branca da foto divulgada pelos pais, mas se defendeu ao dizer que se sente negra e que sua identidade não é uma “atuação grotesca”, referindo-se aos atores brancos que usavam uma técnica conhecida como black-face, ao pintar o rosto de negro para personificar a etnia de forma estereotipada.
Os motivos que levaram Rachel a se declarar negra ainda não estão totalmente esclarecidos. Os pais têm ascendência europeia, como ela mesma confirmou, mas ela cresceu com irmãos negros adotados e disse que passou por uma grande mudança quando estudou direitos humanos.
Algumas reportagens citam o fato de ela ter estudado belas artes na Universidade de Howard, local em que mais de 90% dos alunos são negros. Lá teria sofrido discriminação por ser branca. Mas não houve continuidade na investigação de racismo pela comissão escolar por alegada falta de provas.
Apesar da complexidade do caso, os pais a acusaram de querer “ser uma pessoa que não é”. A mãe, Ruthanne Dolezal, acusou-na de “representar uma mulher negra ou de raça mista”, e afirmou que isso “simplesmente não é verdade”.
Em sua defesa, ela disse que já foi chamada de “transrracial” e que nunca tentou mudar o “rótulo”, porque a situação é muito mais que uma “briga” para saber quem está certo ou errado.
Rachel, que agora perdeu o emprego e o status que tinha como ativista, disse que gostaria de promover um debate que fosse além da questão racial. “Sobre o que significa ser humano, que fosse até o cerne da definição de ser humano, raça, cultura, autodeterminação e empoderamento”, acrescentou na rede de TV.
Na entrevista dessa terça-feira (16), a ativista afirmou que quando a foto apresentada pela mãe foi tirada, ela ainda não se sentia negra. A Agência Brasil enviou um e-mail à advogada e obteve seu telefone, para solicitar uma entrevista, mas Rachel Dolezal não respondeu ao e-maile não retornou as ligações.
A Agência Brasil também conversou com a assistente legislativa do Senado, Jackqueline Leathers, que assessora questões em defesa de mulheres, em Atlanta. Ponderada, Leathers disse que há muitas variáveis no caso, mais importantes do que julgar ou definir se Rachel é negra ou branca ou se mentiu. "Muita coisa deve ser levada em consideração, inclusive mudanças na própria Rachel sobre sua carreira acadêmica e suas escolhas pessoais e profissionais.
Mas, muito além disso, “é preciso aproveitar o momento para pensar sobre o que define raça”. E completou: “Eu sou uma mulher negra. Mas você pode me perguntar se eu sou uma mulher branca, porque tenho ancestrais brancos. E eu diria que isso não me faria branca. Porque sou quem sou, porque me orgulho de ser uma mulher negra”.
Agência Brasil