Os ídolos de Caetano Veloso botaram para, literalmente, quebrar no Rio, nesta segunda. Já chego lá. Antes, algumas considerações.
A greve dos professores da rede municipal há muito ultrapassou o limite de qualquer racionalidade, de qualquer razoabilidade. Já não há mais estratégia de negociação, a não ser o “quanto pior, melhor”, que é o horizonte escatológico dos grupelhos de esquerda que aparelham sindicatos, especialmente o de algumas categorias ligadas ao serviço público. As entidades representativas de professores, Brasil afora, costumam ser porosas a esse tipo de militância. A categoria se considera, antes de mais nada, agente de “conscientização” — seja lá o que isso signifique. O resultado é um desastre, também educacional. Na capital fluminense, os grevistas se tornaram uma espécie de grupo de resistência daquele movimento “fora Cabral” — absurdo nos próprios termos e antidemocrático. Ele foi eleito. Não chegou ao poder por meio de um golpe. Tenho de lembrar aqui que, durante uns bons anos, fui dos poucos, pouquíssimos, na imprensa a criticar com dureza o governador do Rio, especialmente a sua política de segurança pública, que caiu nas graças de alguns deslumbrados — parte deles, diga-se, agora desama Cabral. Saiu de moda. Virou sapato velho. Mas o meu ponto agora é outro.
O pau comeu nesta segunda porque os black blocs, aqueles que, segundo Caetano Veloso (ele não vai se desculpar?), “fazem parte” (de quê, “velho baiano”?), resolveram ser o braço armado do protesto dos professores — na verdade, do grupo da viração composto de militantes do PSOL, do PSTU e do PT e que falam em nome da categoria. Cada um escreva o que bem entender. Eu leio o que está escrito e digo o que acho. O Globo Online publica umareportagem espantosa a respeito. Depois que o jornal tornou público aquele mea-culpa sobre o apoio das Organizações Globo à ditadura militar, parece que até as fronteiras entre o legal e o ilegal, entre o violento e o pacífico, entre o certo e o errado se esvaneceram. Leio, por exemplo, o que segue (em vermelho). Prestem atenção ao que vai em destaque:
(…) Policiais militares e cerca de 200 manifestantes entraram em confronto constantemente, provocando violência dos dois lados e depredação nas ruas e avenidas do entorno, começando os principais incidentes em torno das 20h30m na Avenida Rio Branco. Depois de participarem de um comício, um grupo de 300 pessoas saíram (sic) em passeata pela Rio Branco. Em frente ao Theatro Municipal, uma agência do banco Itaú teve vidraças quebradas, culminando no estopim (sic) para a confusão.
Os PMs correram para prender os manifestantes que apedrejaram o banco, masforam cercados por uma multidão e foram impedidos. Houve uma briga generalizada, com militares usando cassetetes nos manifestantes, que revidaram com pedras, paus e socos. Pelo menos um manifestante foi preso durante o tumulto, e o Batalhão de Choque da PM na Avenida Rio Branco usou uma bomba de gás lacrimogêneo para dispersar manifestantes que estavam na Avenida Almirante Barroso.
(…)
Comento
Então ficamos sabendo que houve “violência dos dois lados”. Que feio! Mas, segundo o texto, o que “culminou no estopim” foi a depredação de uma agência bancária. Posso estar errado, mas parece que a “violência dos dois lados” poderia ser mais bem traduzida assim: vândalos resolveram depredar patrimônio privado e público (como se verá), e a Polícia Militar teve de agir, cumprindo o seu papel. Apenas a ação dos depredadores merece ser classificada de “violência”; a polícia tentou foi impor a ordem — uma das razões por que é paga pelo contribuinte fluminense. Mais: ainda cumprindo a sua obrigação, os PMs seguiram no encalço dos vândalos, mas “foram cercados”, não é isso? Em nenhuma democracia do mundo, policiais são tratados desse modo sem reagir. Se acontece, então é porque se vive na anarquia. Não vou explicar aqui os motivos. Quem não souber a razão que vá cantar lá na freguesia do PSOL ou do PSTU. Policiais não “usam cassetetes em manifestantes”. Não sei que diabo é isso. Segundo o relato, eles estavam cercados, e isso quer dizer que poderiam até ser linchados. Assim, por óbvio, os ditos “manifestantes” não estavam “revidando com pedras, paus e socos”, mas atacando os policiais — se revide havia, era dos PMs.
Não estou pegando no pé dos repórteres que redigiram o texto, não! Ocorre que o que vai acima é menos do que um relato, do que uma reportagem, do que sinal do espírito do tempo. Há textos que estão escritos antes mesmo de os fatos acontecerem. Isso é cada vez mais presente na imprensa brasileira, onde a Polícia Militar costuma estar errada, muito especialmente quando está certa. Em que democracia do planeta policiais são cercados por uma multidão e atacados com paus e pedras sem que haja consequências funestas? A que propósito atende esse tipo de abordagem? Sigo com um pouco mais do texto do Globo Online.
Antes de dispersar, o grupo ateou fogo em sacos de lixo e houve focos de incêndio na esquina da Rua México com a Almirante Barroso, e também na Avenida Graça Aranha. Em seis caminhonetes, o Batalhão de Choque saiu em busca dos arruaceiros, no Centro da cidade. O Corpo de Bombeiros apagou os fogos em todos os sacos de lixo. Por volta das 21h15, policiais jogaram bombas de gás lacrimogêneo e manifestantes correram na direção do Cine Odeon. Os PMs fizeram um cordão de contenção ao redor do prédio. Enquanto o comércio era fechado, quem estava nos bares e no Odeon gritava palavras de ordem e chamavam os policiais no local de covardes. A partir das 22h, a Avenida Rio Branco foi liberada em toda a extensão.
Em seguida, os black blocs se refugiaram na Rua Alcindo Guanabara, onde os professores estavam concentrados para aguardar a assembleia da categoria, marcada para as 10h desta terça-feira. A polícia lançou uma bomba de gás contra os black blocs, intoxicando e dispersando os professores. Um rapaz que atirou pedras contra policiais foi detido, mas logo em seguida foi liberado. Ele carregava consigo uma pequena quantidade de maconha. Advogados da OAB no local argumentaram que não havia provas dele ter sido o responsável pelas pedras e que a quantidade de entorpecente não era suficiente para efetuar uma prisão.
Comento
Um dia, quem sabe?, advogados da OAB do Rio ainda comparecerão à manifestação para proteger também os policiais, não é? Afinal, oito deles saíram feridos dos confrontos em razão da, como é mesmo?, “violência dos dois lados”. O maconheiro — ooops! Perdão, Excelência Usuário de Substância Considerada Entorpecente e Ilegal pelo Estado Autoritário — que jogou pedra contra os PMs logo foi protegido por um dos doutores de plantão, que decidiram, sabe-se lá com base em que bibliografia e em que noção de direito, que seu papel é proteger arruaceiros. Se o dito-cujo, então, porta uma quantidade de mato, aí, meus caros, a chance de ele ser elevado à condição de herói aumenta enormemente.
Espero que não chegue o tempo em que tenhamos de fazer um mea-culpa pelo apoio dado à democracia. Já estamos quase lá.