JOANA SUAREZ
FOTO: JOÃO MIRANDA
Em um cômodo de alvenaria recém-construído em uma área invadida, sem água, sem luz, sem banheiro e sem cozinha, Tatiane Louise Nonato Pinto, de 26 anos, vive com os três filhos pequenos, de 11, 8 e 5 anos. Mesmo sem nenhuma infraestrutura, ela apresenta o local como a sua "casinha" e demonstra no olhar um resquício de felicidade por ter algum lugar para dormir com as crianças. Em Belo Horizonte, pelo menos 62 mil famílias vivem em situação semelhante, sem um lar digno onde morar.
Apesar de o acesso à moradia ser um direito estabelecido na Constituição Federal, milhares de pessoas fizeram das ruas suas residências ou ainda habitam áreas de risco e lugares inadequados, onde famílias vivem em condições precárias, sem saneamento básico. "Vivemos no improviso há 12 anos, com medo de ter uma filha atropelada pelos carros que passam na porta de casa ou de pegar uma doença com os ratos, o lixo e o esgoto na rua", disse a faxineira Leize de Jesus, de 24 anos, que mora embaixo de um viaduto do Anel Rodoviário da capital.
O último estudo divulgado pela Fundação João Pinheiro, em 2008, apontou que 214 mil domicílios na região metropolitana de Belo Horizonte carecem de infraestrutura básica, como iluminação, rede de esgoto e coleta de lixo. Desses, 24 mil não possuem nem banheiro. É o caso da residência de Tatiane, na região do Barreiro. Ela guarda no cômodo, onde mora há dois meses, uma televisão, uma geladeira e um som, todos desligados, porque a casa não tem energia. Por enquanto, a família fica à luz de velas e utiliza banheiro e cozinha comunitários.
Esperança
Ao receber a equipe de reportagem, ela pede para que não sejam reparadas a simplicidade e a bagunça e diz, cheia de esperança: "Ainda vou construir três cômodos e vou ter até quintal para os meninos brincarem". Tatiane cuida de idosos nos fins de semana e investe os R$ 600 que recebe na alimentação dos filhos e na construção da casa, que pode vir a ser destruída, já que está em um terreno invadido. Há dois anos, a cuidadora de idosos se separou do marido, que é alcoólatra, e passou a dividir aluguel com amigos, mas não sobrava nada. "Não dava para comprar nem um biscoito para os meus filhos".
Na capital, o déficit habitacional é de 62 mil moradias, segundo levantamento da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel) realizado em 2011. Porém, o Movimento de Luta nos Bairros (MLB) estima que 150 mil famílias precisam de um lar - mais de 1 milhão de pessoas. Em contrapartida, segundo a Urbel, entre 2009 e julho deste ano, os programas habitacionais da prefeitura construíram 5.249 moradias.
Ocupação irregular tem até creche
Com uma enxada nas mãos, o ajudante de pedreiro José Rosa da Silva, de 57 anos, começava a construir sua própria casa em uma área invadida. "Já gastei R$ 1.800 com material de construção. Tenho medo de perder tudo, mas o jeito é arriscar. Não estou conseguindo pagar o aluguel e tenho duas filhas deficientes", conta.
Na avenida Perimetral, no Barreiro, dois terrenos vazios deram lugar a casas de alvenaria, construídas por famílias que invadiram o local. A ocupação Eliana Silva é uma delas. Em pouco mais de dois meses, foram construídos 200 barracões, creche e cozinha. O dono do terreno entrou na Justiça para tentar retirar as pessoas, mas nada foi feito. Em maio deste ano, o grupo ocupou outra área de preservação da prefeitura, próximo ao lugar atual, mas foi retirado.
De acordo com uma das coordenadoras do Movimento de Luta nos Bairros (MLB), Poliana de Souza, o objetivo é transformar a ocupação Eliana Silva em um bairro. "Construímos as nossas casas dentro de um projeto organizado de moradias. Até que a gente consiga esgoto e energia de forma regular, banheiro e cozinhas comunitários são mantidos", explica.
O movimento tem uma lista de espera de 200 famílias que querem um espaço para morar, mas, conforme o projeto, o lugar tem capacidade para 280 famílias, segundo Poliana, e está totalmente habitado. O diretor de habitação da Urbel, José Flávio Gomes, disse que 2.137 moradias na capital devem ser entregues até dezembro deste ano.
"Não podemos apoiar essas ocupações irregulares; todos têm que entrar na fila de espera. A nossa meta é zerar o déficit habitacional até 2030", afirma. Um levantamento está sendo feito para identificar as áreas adequadas para habitação. (JS)
População de rua quase dobrou nos últimos sete anos
A Pastoral de Rua de Belo Horizonte trabalha hoje com cerca de 2.100 pessoas que vivem nas ruas da cidade. Em 2005, eram 1.200. Para o orientador social da instituição, José Coelho, o desemprego é um dos fatores que levam as pessoas a ocuparem os espaços públicos. "Muitos migram de outros municípios e não conseguem aceitação na capital ou são vítimas de violência", diz.
A ajudante de cozinha Joelma Soares dos Santos, de 39 anos, vive na rua desde que o pai faleceu, quando ela tinha 7 anos. Joelma foi casada durante 19 anos, mas o marido faleceu e a deixou sem nada. Hoje, ela mora com outro homem, em um barracão de madeira, montado às margens do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, na altura do bairro Universitário, na Pampulha. Ela e o namorado, Josimar Rodrigues, de 42 anos, pagaram R$ 1.000 na compra do barraco, sem banheiro nem água, apenas um teto sob o qual eles dormem correndo o risco de um acidente na via atingi-los.
"Só queria ter um lugar para descansar após um dia de trabalho. Chego aqui e ainda tenho que ir buscar água no vizinho para lavar vasilha. Uma vez, um caminhão quase tombou em cima da gente", conta a ajudante de cozinha, que perdeu todos os documentos de identificação e trabalha informalmente em um restaurante para ganhar R$ 50 por semana.
Perto do casal, embaixo de um viaduto no Anel, mais de cem famílias vivem em barracos sem esgoto e coleta de lixo, segundo a comunidade local. (JS)