Letícia Murta
“Para que meus inimigos tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam e nem pensamentos eles possam ter para me fazerem mal”.
A oração de são Jorge, entoada como um mantra pelos devotos, é tida como um verdadeiro talismã para quem deposita sua fé no santo guerreiro, que ganha status pop ao ser representado na música, nas artes plásticas, na moda ou na decoração.
Símbolo de luta e perseverança para milhares de fiéis, Jorge da Capadócia já serviu de inspiração para diversas manifestações artísticas e, agora, dá nome à novela da Rede Globo, “Salve Jorge”, que estreia nesta segunda-feira (22). Embora o enfoque principal do folhetim não seja a fé, a atração terá parte de sua ambientação na Turquia, principalmente em Istambul e na Capadócia, onde o guerreiro Jorge nasceu. Além disso, o protagonista Theo, vivido por Rodrigo Lombardi, é um devoto fervoroso. O personagem acredita ter sido salvo de um soterramento, quando criança, pelas graças do santo.
Consultora sobre a Turquia para a nova novela e estudiosa sobre São Jorge, Malga Di Paula, viúva do humorista Chico Anysio, é responsável pelo projeto Jorge da Capadócia, que busca a aproximação do Ocidente e o Oriente por meio da enigmática figura do guerreiro. A associação realiza ações sociais e culturais, no Brasil e na Turquia, e pretende erguer um memorial dedicado ao santo para fortalecer a sua imagem.
Malga acredita que o principal legado de Jorge seja o poder agregador. “São Jorge é o santo mais popular e carismático do mundo cristão. Ele está entre os negros, brancos, orientais, ocidentais, ricos e pobres, homens e mulheres, crianças e adultos. São Jorge é, para milhões de pessoas, um amigo jovem, bonito, simpático, aventureiro. Um amigo tão legal que protege, dá força e esperança a todos que lhe pedem ajuda”, diz Malga, que chegou a buscar apoio na fé no santo em momentos críticos da doença do marido.
Fé e gratidão andam lado a lado com a identificação pela história do nobre cavaleiro do século III d.C., que venceu o mau, representado pelo dragão. Padroeiro da Catalunha, da Inglaterra, da Lituânia, da Geórgia, de Moscou, de Gênova e de várias ordens de diversas instituições, são Jorge é tido com um dos santos mais populares do mundo. No Brasil, além de ser o protetor do Corinthians, é extra-oficialmente o patrono da cidade do Rio de Janeiro, já que o título pertence a são Sebastião, mas a devoção é tanta que foi decretado feriado no dia dedicado ao santo.
“A história de Jorge da Capadócia é construída com base em documentos lendários e apócrifos, ou seja, não há nada oficial. Mesmo assim, a devoção se espalhou. A popularidade aumentou depois que, no século XIV, tornou-se o santo patrono nacional de Portugal”, explica o historiador João Felipe Figueiredo.
Jorge teria nascido na Capadócia e mudou-se na infância para a Palestina, após a morte de seu pai em uma batalha. Mais tarde, tornou-se capitão do exército romano. O imperador Caio Aurélio Valério Diocleciano pretendia matar os cristãos e Jorge foi contra, declarando sua fé em Jesus Cristo. “Acredita-se que ele tenha sido torturado por inúmeras vezes, mas continuou reafirmando sua crença cristã. Até que em 23 de abril de 303 foi degolado. Tornou-se mártir”, conta.
Na igreja ou no terreiro
O culto a são Jorge foi trazido ao Brasil pelos portugueses e no sincretismo religioso brasileiro ganhou representações. “O guerreiro ganhou seus correspondentes na forma de Ogum, no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e no Recife, e Oxóssi, na Bahia”, conta o babalorixá Mário de Xangô. “Seja com o nome que for, a energia, que predomina, é de proteção. De socorro a quem quer que seja. Qualquer um pode recorrer a ele”, garante.
Embora alguns considerem que a história do soldado martirizado seja um mito e digam, inclusive, que o santo tenha sido cassado pela Igreja Católica, o seu culto continua sendo reconhecido pelo catolicismo.
“Com a reforma do calendário litúrgico, em 1969, a data comemorativa tornou-se opcional. Os festejos aos santos dos quais não havia documentação histórica foram abolidos. Surgiu então um mito sobre a cassação de santos. Porém, a comemoração opcional não significa não reconhecimento”, explica o padre Geovane Marques.
Na arte e na cultura
MPB A oração do guerreiro já foi musicada por Jorge Ben Jor em “Jorge de Capadócia” e interpretada, também, por Caetano Veloso, Fernanda Abreu e pelos Racionais MC’s. Zeca Pagodinho cantou “Ogum”, “Para São Jorge” e “Minha Fé”. Maria Bethânia interpretou “Medalha de São Jorge” e “Padroeiro do Brasil”. Alcione cantou “São Jorge” e os cantores Jorge Vercillo, Jorge Mautner, Jorge Ben Jor e Jorge Aragão gravaram o CD e DVD “Coisa de Jorge”. Confira as interpretações em nossa Playlist. Rock O Iron Maiden fala de são Jorge na música “Flash of the Blade”. A banda brasileira de rock Angra usou a imagem do santo na capa do álbum “Temple of Shadows”.
Carnaval São Jorge é o santo padroeiro de diversas escolas de samba, como a Beija-Flor, o Império Serrano, a Imperatriz Leopoldinense, a União da Ilha do Governador, a Porto da Pedra e a Grande Rio.
França No Museu do Louvre, em Paris, há um quadro famoso de Rafael (1483-1520), que se chama “São Jorge Vencedor do Dragão”.
Literatura O escritor Inglês Giles Morgan conta no livro “St George” o que representa o Santo Guerreiro. Existe, ainda, um romance sobre são Jorge do escritor italiano Tito Casini chamado “Perseguidores e Mártires”
Nobreza Entre os nobres devotos, está o rei Ricardo “Coração de Leão”, que nomeou são Jorge o comandante de uma expedição cruzada. Na Alemanha, o imperador Frederico III dedicou ao santo uma Ordem Militar. Já o rei Clóvis, da França, dedicou-lhe um mosteiro, e sua esposa, santa Clotide, ergueu várias igrejas e conventos.