Publicado em 29 de setembro de 2024
Eu não direi que papai era um pensador antes do Alzheimer. Mas, isso eu digo: Seu Miúdo tinha umas tiradas… Um jeito próprio de se fazer entender.
Certa vez, eu bem jovem, andei fazendo umas artes e alguém enredou-as a papai.
Eu cheguei em casa sem saber que ele sabia. Porém, bastou seu olhar de canto de olho para eu perceber que teríamos algo a tratar.
Ele me mandou sentar à mesa da cozinha, onde já estava sentado:
– Sente aí – falou me indicando o lugar com o queixo.
Meu sentido aguçado enviou-me a mensagem: ele sabe o que foi feito.
Minha covardia soltou um conselho estúpido: negue!
Sem dizer quem havia me alcaguetado, papai passou a narrar o fato como se dele tivesse sido testemunha ocular.
No fim, com aquele olhar chicote, que fazia doer mais na consciência que na pele rasgada, perguntou-me se havia sido eu mesmo.
Eu não segui a voz da minha covardia. Mas também não dei voz ao meu arrependimento. Somente abaixei a vista envergonhado em silêncio e com remorso.
Naquele momento, levantando-se para sair da cozinha, e já de costas para mim, papai poderia ter falado “quem cala consente”. Mas, com a voz segura, apenas exclamou:
– A culpa baixa o olhar.
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