quinta-feira, 18 de julho de 2024

Policiais morrem mais de suicídio do que em confronto: 'quem é o inimigo'?

O TEMPO Cidades
Publicado em 18 de julho de 2024 | 12:27 - Atualizado em 18 de julho de 2024 | 14:14
O anuário traz uma reflexão sobre a situação da segurança pública e dos servidores da área.
Foto: FICCO-MG/Divulgação

Pela primeira vez na história, pelo menos oficialmente registrado, o número de policiais militares mortos por suicídio superou os registros de agentes assassinatos em confrontos no trabalho ou em folga no país e Minas Gerais seguiu a mesma tendência em 2023. O quadro, classificado como grave pelos pesquisadores responsáveis pelo 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (18), se repete nas seguintes partes do país: Acre, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

No país, o ano de 2023 registrou, em relação ao ano anterior, queda de 18,1% na taxa de policiais civis e militares vítimas dos crimes violentos letais e intencionais. Por outro lado, a taxa de suicídios de policiais civis e militares da ativa cresceu 26,2% no mesmo período no país. É quando se avalia a situação na Polícia Militar em separado, que o quadro fica ainda mais complexo. É nessa base de comparação que o total nacional de suicídios nas corporações superou, em 2023, a soma dos registros de PMs mortos em confronto em serviço e fora de serviço. Foram 110 registros de suicídios, ante 46 casos de PMs mortos em confronto em serviço e 61 mortos em confronto ou por lesão não natural fora de serviço, ou seja, 107 óbitos ao todo. No mesmo período, oito policiais civis tiraram as próprias vidas. Minas Gerais disponibilizou apenas os dados de suicídios entre os PMs. Foram 13 autoextermínios entre os militares com atuação no Estado.

O anuário reforça, no entanto, que ainda existe notificação de dados e que não falar sobre o fenômeno impede a realização de políticas públicas mais efetivas. “Chamamos a atenção, no ano passado, para a importância do registro e compartilhamento dessas informações, porque o fato do número de mortos por suicídio não ser divulgado não significa que o problema não exista. Um exemplo disso foi o caso da Polícia Militar de Minas Gerais, que nos anos anteriores, colocava suicídios como ‘fenômeno inexistente’, decorrente de um decreto institucional de sigilo sobre essas informações. O silêncio em nada contribui para que comecemos a apresentar soluções e estratégias de enfrentamento a uma questão que, como sabemos, por conta justamente da divulgação dessas informações, é comum a todas as polícias. A PMMG, após o sigilo dos últimos anos, retificou os dados do ano passado, compartilhando os números de policiais que morreram por suicídio. Este foi um passo importante para o enfrentamento e prevenção das mortes de policiais por autoextermínio”, reforça o documento.

Ainda na análise do anuário, são várias as explicações para o aumento de suicídios entre os policiais não só no Brasil. “A alta exposição ao estresse e ao trauma foram observados em relatório sobre suicídio de policiais dos Estados Unidos, evidenciando os fatores ocupacionais como condicionantes importantes. Em 2023, no Brasil, assim como nos Estados Unidos, os casos de suicídio destacaram-se na questão da vitimização policial, conforme revelado pelos dados do FBSP. Estudo desenvolvido junto de policiais norte-americanos concluiu que o estresse rotineiro no ambiente de trabalho constitui elemento fortemente associado aos sintomas do Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Os impactos produzidos pelo TEPT, que, dentre outros fatores, se complexifica pelos cronogramas de trabalho desafiadores e pelos consequentes distúrbios relacionados ao sono, vão além daqueles decorrentes de incidentes críticos causados em razão da natureza arriscada da profissão”, explica.

O anuário traz uma reflexão sobre a situação da segurança pública e dos servidores da área, com uma provocação ao poder público. “Não é raro, a exemplo do que vemos em São Paulo, que, quando um policial militar morre em confronto em serviço, a instituição adote verdadeiras operações vingança, que se desdobram em uma caçada ao criminoso que matou o policial. Mas e agora que a maior causa das mortes é o suicídio, o que fazer? Que operações serão realizadas para honrar esses policiais? Quem é o inimigo, se o que adoece o policial é a própria polícia? Será que de uma vez por todas os governos vão mostrar, através de ações, programas concretos e mudanças na cultura organizacional que, de fato, a vida do policial importa? Mesmo com uma melhora ao longo dos anos, os dados de vitimização ainda são precários e carecem de muita melhora. Sabemos que o suicídio ainda é um tabu e que possivelmente estamos lidando com uma subnotificação dos casos”.

Posicionamento

Procurada por O TEMPO, a Polícia Militar (PM) informou que realiza, anualmente, "o Programa de Saúde Ocupacional do Policial Militar (PSOPM), que tem como objetivo a promoção e cuidado com a saúde integral dos policiais militares da ativa, procurando prevenir, identificar e controlar os riscos relacionados à atividade policial militar, através da realização de avaliação de saúde nas áreas médica, odontológica e psicológica".

"Além do acompanhamento e apoio de psicólogos lotados nas Unidades de Atenção Integral à Saúde (UAPS), a instituição também possui na sua rede orgânica a Clínica de Psiquiatria (CLIPS) em Belo Horizonte, que acolhe e atende aos militares e seus familiares em caráter de urgência ou ambulatorialmente. A PMMG conta ainda, para atendimento psicológico e psiquiátrico, com o suporte de uma rede credenciada com serviços disponíveis em todo o estado", complementou em nota.

https://www.otempo.com.br/cidades/2024/7/18/policiais-morrem-mais-de-suicidio-do-que-em-confronto---quem-e-o

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