sexta-feira, 19 de junho de 2020

Delegada federal torna-se suspeita por alegar crise institucional e adiar a Operação Lume

Denisse Ribeiro contestou ordem alegando risco de crise institucional 

Bela Megale e Aguirre Talento
O Globo

Alvo de pressões recentes do presidente Jair Bolsonaro, a Polícia Federal pediu ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para “postergar” ou cancelar a operação de busca e apreensão contra bolsonaristas suspeitos de envolvimento em atos antidemocráticos, deflagrada na última terça-feira e batizada de Operação Lume. A corporação argumentou que a realização das “diversas medidas propostas em etapa tão inicial” da investigação traria “risco desnecessário” à estabilidade das instituições.

A ação foi realizada a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que em abril solicitou abertura do inquérito sobre os atos antidemocráticos, sob suspeita de que esses atos ocorriam de forma orquestrada em conjunto com empresários e parlamentares.

CAUSOU ESTRANHEZA – Assinada pela delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro, a manifestação para adiar ou “recolher” os mandados de busca e apreensão é incomum e acabou provocando atraso na deflagração da operação, que estava prevista para ser realizada no início desse mês.

Essa manifestação da Polícia Federal foi vista com estranheza no STF, já que a Polícia Federal é obrigada a cumprir mandados expedidos pelo Judiciário e não tem a atribuição de opinar sobre essas ações. Segundo fontes do STF, após o ocorrido, Moraes analisa um pedido da PGR para afastar a delegada do caso.

A delegada enviou a manifestação ao Supremo uma semana após ter recebido a decisão de Alexandre de Moraes, proferida no dia 27 de maio, que determinou buscas e apreensões contra bolsonaristas.

ATRASOU 20 DIAS – A operação deveria ter sido deflagrada logo em seguida, mas, diante da resistência da PF, acabou sendo cumprida apenas na última terça-feira, 16 de junho, portanto 20 dias após a ordem do STF. A operação cumpriu busca e apreensão contra 21 alvos bolsonaristas e também determinou a quebra do sigilo bancário de 11 parlamentares da base de apoio do presidente Jair Bolsonaro.

No documento, a delegada pediu a Moraes “pela postergação do cumprimento ou pelo recolhimento das ordens já emanadas” e defendeu a necessidade de realização de diligências preliminares para avaliar a necessidade das medidas solicitadas pela PGR. A manifestação da delegada é do dia 4 de junho.

“Pela postergação do cumprimento ou pelo recolhimento das ordens já emanadas, a fim de que o direcionamento dos recursos da Polícia Federal seja inicialmente empregado na obtenção de dados de interesse e no preenchimento das diversas lacunas das hipóteses criminais aqui apresentadas”, escreveu a delegada.

FOCO DE ATRITOS – A PF virou um foco de atritos do presidente Jair Bolsonaro desde que ele tentou trocar o ex-diretor-geral Maurício Valeixo, o que gerou a demissão do então ministro da Justiça Sergio Moro.

O inquérito dos atos antidemocráticos é conduzido por uma equipe designada especialmente pelo ministro Alexandre de Moraes, a mesma que toca o inquérito das fake news, comandada pelo delegado Igor Romário de Paula.

Em um despacho, Moraes garantiu a independência deles para atuar neste caso, sem necessidade de se subordinar ao novo diretor-geral da PF Rolando Alexandre de Souza, indicado pessoalmente por Bolsonaro após a saída de Valeixo.

ALEGAÇÕES DA DELEGADA – Em sua manifestação de nove páginas, a delegada afirma ao ministro Alexandre de Moraes que a realização de tantas diligências em etapa inicial provocaria uma “perda de energia” e um “risco de aumento do escopo” da investigação, além de torná-la “menos objetiva, menos transparente e mais onerosa. Ela também destacou que as medidas trariam risco “à estabilidade das instituições”.

O documento também questiona ao ministro se a PF terá independência para realizar suas linhas de investigação próprias neste caso ou se vai “atuar limitadamente como longa manus do juízo, restringindo-se ao mero papel de executora de ordens”.

“DISPERSÃO DE ENERGIA” – “A realização conjunta das diversas medidas propostas em etapa tão inicial da investigação tem o potencial de gerar um grande volume de dados relativos a várias pessoas que estão teoricamente vinculadas a diversos fatos, dispersando a energia do Estado para múltiplos caminhos e com risco de aumento do escopo em progressão geométrica, o que inevitavelmente tonará a investigação mais complexa, ainda que, de fato, ela não seja. Com isso, ela se tornará menos objetiva, menos transparente, mais onerosa e — o principal quando se trata do tipo de associação criminosa aqui tratada — muito mais lenta, com risco desnecessário para as vítimas em potencial e para a própria estabilidade das instituições”, escreveu a delegada.

A manifestação da PF divergiu da própria decisão do ministro Alexandre de Moraes, que apontou existirem indícios reais de uma associação criminosa formada para cometer crimes contra o Estado Democrático de Direito e considerou existirem fundamentos suficientes para autorizar as buscas e apreensões e outras medidas.

TRÊS PEDIDOS – Na conclusão do ofício, Denisse faz três pedidos: um prazo de dez dias para diligências preliminares que permitam à PF definir hipóteses para a investigação; prévia autorização para conduzir diligências que não precisem de decisão judicial como tomada de depoimentos; e a “postergação” e “recolhimento” dos mandados expedidos. O ministro não concordou com a manifestação da delegada e manteve a decisão de realizar a operação.

Em uma outra investigação na qual atuou, a delegada Denisse também já tinha feito reclamação semelhante. Na Operação Zelotes, ela escreveu um relatório no qual criticou falta de “foco” dos órgãos parceiros da investigação e apontou que isso atrapalhou no resultado final do caso.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – No pais da piada pronta, todo dia surge uma novidade. Jamais se viu uma autoridade policial contestar uma ordem de diligência determinada por juiz, ainda mais quando se trata de uma determinação de um ministro do Supremo. Sem a menor dúvida, essa advogada precisa ser afastada da equipe. (C.N.)Posted in Geral http://www.tribunadainternet.com.br/delegada-federal-torna-se-suspeita-por-alegar-crise-institucional-e-adiar-a-operacao-lume/

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