Por Amanda Andrade, G1 Zona da Mata
24/02/2020 10h44
Desfile da Portela em 2000 com o tema "Trabalhadores do Brasil, a Época de Getúlio Vargas" — Foto: Portela/Acervo
Na virada do milênio, os juiz-foranos Edinho Leal, Edynel Vieira, Zezé do Pandeiro e os irmãos Ailton Damião e Amilton Damião realizavam um sonho de muitos sambistas: ver a escola do coração desfilar pela Marquês de Sapucaí com uma multidão cantando a música que escreveram.
Em 2000, a Portela desfilou com o tema "Trabalhadores do Brasil, a época de Getúlio Vargas", escrito pelos cinco mineiros. Vinte anos depois, o G1 conversou com três deles sobre o auge na escola azul e branca, os carnavais de Juiz de Fora e a vida e obra de compositores de samba-enredo.
Amizade de muitos carnavais
Com cerca de 50 anos vividos no mundo do samba de Juiz de Fora, Zezé do Pandeiro, Amilton Damião e Edynel Vieira se esbarraram em diversas escolas, blocos, quadras e agremiações.
Apesar de terem participado de diversas composições juntos, foi em 2000, quando a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) determinou que os desfiles e enredos daquele ano seriam temáticos, em comemoração aos 500 anos de descobrimento do Brasil, que surgiu a oportunidade de ouro.
A Portela decidiu abordar a Era Vargas, com focos nas medidas nacionalistas que o presidente adotou no período de governo e alguns marcos para os trabalhadores, como a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
No desfile, a escola inovou ao abrir o desfile com cinco águias ao invés de uma. Eram as Águias do Palácio do Catete, o Palácio das Águias, que veio após Paulinho da Viola e a comissão de frente, que também representava a ave símbolo da liberdade e da Portela. A escola foi a última a se apresentar no domingo de carnaval.
O samba escolhido foi composto pelos cinco juiz-foranos e a escola ficou em 10º lugar naquele ano, pelo Grupo Especial.
Edynel Vieira, cantando na Portela — Foto: Edynel Vieira/Arquivo Pessoal
Amilton Damião, que há 22 anos faz parte da ala de compositores da azul e branca, conta que o samba de 2000 foi um divisor de águas. "O samba tirou dois 10 e um 8,5 dos jurados. Salvou a escola, que não estava em uma boa fase, de cair para o Grupo A. A letra se tornou até questão de vestibular da Cesgranrio, em 2014", revelou o sambista.
Edynel Vieira considera que a conquista de sair na Sapucaí com o tema foi um dos pontos altos da carreira. "Trabalhadores do Brasil foi um marco como minha história de compositor. Desde então, chegamos a concorrer e inscrever outros sambas em outros anos, mas não conseguimos na Portela", contou.
Amilton Damião, na ala de compositores da Portela — Foto: Amilton Damião/Arquivo Pessoal
Zezé do Pandeiro também afirmou que inscreveram outros sambas para a Portela, assim como Amilton, que se tornaram sambas de quadra. "Os compositores são muito bairristas, nós somos de Minas, mas conseguimos emplacar dentro do enredo", afirmou.
Sambas de Minas
'Uma glória', disse Zezé do Pandeiro sobre cantar novamente o samba campeão de 1977 — Foto: Roberta Oliveira/G1
Desde os anos 1970, o trio revelou que compôs para basicamente todas as escolas de samba de Juiz de Fora.
"Meus pais eram evangélicos e tinham certa resistência ao samba. Quando adquiri a maioridade, comecei na antiga escola Castelo de Ouro. Na cidade, já fiz para a Juventude Imperial, Turunas, Partido Alto, Feliz Lembrança, entre outras. Além disso, escrevi para escolas de Rio Novo e Três Rios", contou Zezé sobre a própria trajetória. Ele será homenageado em 2021 pelo Bloco Pagodão dos Clubes em Juiz de Fora.
Já para o Edynel, o primeiro samba enredo que ele compôs, também na década de 1970, foi para a Partido Alto. "O tempo foi passando e me chamaram para concorrer em outras escolas, como na Real Grandeza, Turunas, Rivais da Primavera, Mocidade do Progresso, Acadêmicos do Manoel Honório. Muitos desses sambas foram campeões na avenida", lembrou o compositor.
Vieira ainda explicou que, dos dez sambas que escreveu para a escola, em oito foi campeão com a Unidos do Ladeira.
Já sobre o processo de inspiração para escrever, Edynel defendeu que o compositor nasce com o dom. Mas Zezé completou que, para compor samba enredo, é necessário entender o histórico do tema e realizar pesquisas.
Das escolas para os blocos
Bloco Tô no Vermelho em Juiz de Fora 2020 — Foto: Carlos Mendonça/Divulgação
Com o constante cancelamento dos desfiles de escolas de samba em Juiz de Fora, os sambistas compuseram o hino de diversos blocos que saíram na cidade neste ano.
Amilton, que está desde a fundação do Bloco Tô No Vermelho, que desfilou na última segunda-feira (17) pelo calçadão da Rua Halfeld, contou que a escolha do enredo deste ano foi um fator presente nos últimos desfiles: a chuva.
"Faço o enredo do bloco com prazer, pois reúne pessoas de bem no local. Como a chuva tem sido presença nos últimos anos, resolvemos exaltar todos os aspectos marcantes do fenômeno", brincou.
Edynel fez o do Unidos do Bairro Floresta, que desfilou nas ruas do bairro no sábado de carnaval (22), do Bloco do Bar do Abílio e o tradicional Bloco do Beco.
Apesar da composição dos blocos e uma programação de quase 50 eventos gratuitos que ocorreram neste ano na cidade, os três acreditam em um enfraquecimento do carnaval na cidade, principalmente por um abandono dos jovens em relação a importância das escolas de samba.
"Os blocos estão mais participativos, aproveitaram esse vácuo deixado pelas escolas. Vejo que aqui os jovens gostam de carnaval, mas não ligam para as agremiações", explicou Zezé. Amilton reforçou a ideia do colega. "As escolas de samba revelavam talentos, gerava trabalho para muitas pessoas, principalmente jovens que necessitam de ocupação", complementou Damião.
"Eu acho que o nosso carnaval irá sair da decadência quando as autoridades e patrocinadores se conscientizarem que temos que fazer um carnaval regional. O nosso nunca foi para competir com Rio ou São Paulo. Os das cidades menores vingam porque eles trabalham com o que tem", desabafou Zezé do Pandeiro.
Com a maioria das atividades carnavalescas de Juiz de Fora terminando na sexta-feira (21), Edynel e Amilton estiveram na Sapucaí, na ala de compositores, para desfilar pela Portela, no último do domingo de carnaval, da mesma forma que ocorreu há 20 anos.
Veja a letra do samba da Portela de 2000
O raiar de um novo dia
Desafia meu pensar
Voltando à época de ouro
Vejo a luz de um tesouro
A Portela despontar (lálalaiá)
Aclamado pelo povo, o Estado Novo
Getúlio Vargas anunciou
A despeito da censura
Não existe mal sem cura
Viva o trabalhador ôôô
Nossa indústria cresceu (e lá vou eu...)
Jorrou petróleo a valer...
No carnaval de Orfeu
Cassinos e MPB
O Rei da Noite, o teatro, a fantasia
No rádio as rainhas, a baiana de além-mar
Tantas vedetes, cadilacs, brilhantina
Em outro palco o movimento popular
E no Palácio das Águias
Ecoou um grito a mais
Vai à luta meu Brasil
Pela soberana paz
Quem foi amado e odiado na memória
Saiu da vida para entrar na história
Meu Brasil-menino
Foi pintado em aquarela
Fez do meu destino
O destino da Portela
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