Por Leslie Leitão e Pedro Bassan, RJTV
20/10/2017 19h11
Testemunha conta os bastidores da guerra na Rocinha
Uma testemunha-chave contou à polícia detalhes da disputa pelo comando do tráfico na Rocinha. Os repórteres Leslie Leitão e Pedro Bassan tiveram acesso, com exclusividade, ao depoimento que revela ter sido Fabiano Batista Ramos, o funkeiro MC Tikão, quem ajudou Rogério Avelino Silva, o Rogério 157, a fugir da comunidade quando as forças de segurança entraram para tentar acabar com a guerra entre traficantes, em setembro.
O funkeiro foi preso nesta sexta-feira (20). Segundo o depoimento, foi na garupa da moto dele que o traficante deixou o esconderijo onde estava em 22 de setembro, quando a Rocinha estava cercada pelas Forças Armadas e também pelo Bope, Batalhão de Choque e muitos outros PMs.
Tikão tinha entrada livre na Rocinha, era um velho amigo de Rogério e fez até uma música em homenagem ao chefe do tráfico ("Você pode ser bandido / Traficante 157"). Foi encontrado na Taquara, Zona Oeste. em uma casa com piscina, churrasqueira e outros ambientes de luxo.
MC Tikão foi preso em uma casa de luxo na Taquara
(Foto: Reprodução/TV Globo)
MC Tikão não é o proprietário oficial do imóvel e não aparece em nenhum documento ligado ao endereço. A polícia só chegou lá graças a informantes.
As investigações descobriram que o funkeiro fez muito mais do que dar carona a um traficante. Tikão foi um personagem-chave em tudo o que aconteceu na Rocinha.
Durante o conflito, foi ele quem apresentou Rogério 157 a Paulinhozinho do Fallet. O chefe do tráfico na comunidade do Fallet/Fogueteiro é um dos principais nomes de uma facção que era adversária dos traficantes da Rocinha.
Mas em um encontro no Morro do Turano, Paulinhozinho acolheu Rogério e os antigos rivais que agora pertencem à mesma facção. Tudo isso com a ajuda do funkeiro.
"O MC Tikão foi procurado pelo Rogério porque eles são muito amigos, o MC TIkão frequenta, frequentava muito a Rocinha (...) Ele foi justamente essa pessoa que intermediou essa negociação para que o Rogério 157 saísse da facção criminosa à qual ele pertencia anteriormente e para qual ele está atualmente", explicou o delegado.
60 fuzis iam para a Rocinha
A testemunha-chave ouvida pela polícia revelou também que os 60 fuzis que foram apreendidos pela Polícia Civil no Galeão seriam destinadas à Rocinha e que um dos fuzis, do tipo G3, seria para o uso do próprio traficante Rogério 157.
A atuação de uma facção criminosa de São Paulo, revelada em operação nesta semana, também aparece no depoimento. O traficante que se entregou disse aos delegados que "durante algum tempo viu alguns paulistas na favela da Rocinha, mas nenhum com envolvimento direto no tráfico armado na comunidade".
Cerca de 60 fuzis de guerra apreendidos no Galeão (Foto: Divulgação)
Câmeras na favela
Um dos motivos que levaram a testemunha a se entregar foi a dificuldade de se esconder. Segundo a testemunha, é praticamente impossível viver na Rocinha escondido de Rogério.
No depoimento, a testemunha conta que "toda a favela da Rocinha é monitorada por câmeras de vídeo a mando do tráfico de drogas local" e também diz que Rogério 157 acompanha toda a movimentação da polícia, pois ele possui um rádio na frequência usada pelas forças de segurança.
Bastidores da guerra do tráfico
A testemunha-chave ouvida pelos investigadores participou diretamente dos tiroteios no morro e nas matas em torno da Rocinha. O homem contou à polícia como uma briga entre dois traficantes se transformou numa guerra de facções, envolvendo bandidos até da Vila Vintém, na Zona Oeste, a 40 quilômetros da comunidade.
No mês de agosto, a Rocinha parecia tranquila. Mas durante o baile, um traficante conhecido como "Perninha", que era um dos homens de confiança de Nem, se desentendeu com Rogério 157.
Trecho de depoimento revela briga de comparsa de Nem com Rogério 157
(Foto: Reprodução/TV Globo)
Perninha discutiu com Rogério 157 e foi para casa. Três dias depois, “Perninha” foi até a casa de parentes de Nem e contou o motivo da briga. Segundo a testemunha, "Perninha" alegou que Nem teria mandado Rogério 157 entregar a favela da Rocinha a ele, em razão de cobranças financeiras contra moradores.
A polícia já tinha informações de que a conduta de Rogério desagradava Nem, que está no presídio federal de Rondônia. Rogério vinha impondo a cobrança de taxas para o comércio e controlando a venda de gás, água mineral e carvão, entre outras práticas típicas de milicianos.
Execuções
No Dia dos Pais, o que parecia ser uma trégua, foi o início da guerra. O depoimento diz que Rogério 157 chamou os traficantes “Perninha”, “99” e “Vasquinho”, aliados de Nem, para uma conversa; que nesta mesma conversa os traficantes “Perninha”, “99” e “Vasquinho” foram executados, a mando de Rogério.
Segundo a testemunha, depois de matar os rivais, Rogério convocou os chefes da facção a que pertencia para dizer que agora era ele quem mandava no morro. Muitos dos chefes não concordaram, dizendo que, mesmo na prisão, Nem ainda era o comandante do tráfico. Com a facção dividida, a guerra interna era questão de tempo.
Tentativa de invasão e reação
Domingo, 17 de setembro. O depoimento conta que, por volta das 4h da manhã, Rogério pegou o rádio comunicador da comunidade Rocinha, e afirmou que os "caras" da Vila Vintém e de São Carlos estariam vindo para Rocinha.
A testemunha conta ainda qual foi a ordem de Rogério 157: se os "caras" da Vila Vintém e de São Carlos embicassem na rua do valão, era para "mandarem bala". Foi o que aconteceu.
Rogério reagiu. Com o apoio de 150 homens fortemente armados. Entre eles, a testemunha-chave, que contou que naquele momento, o traficante rompeu com a facção criminosa à qual pertencia dizendo que a facção “veio dar tiro na gente" e "não tem mais como sermos da facção".
O depoimento prossegue dizendo que então Rogério 157 deu ordem para que todos os comparsas se deslocassem para a mata. Na sexta-feira, dia 22, o confronto se intensificou.
A testemunha conta que, naquele dia, durante uma operação do Choque e do Bope, juntamente com o Exército, as forças policiais chegaram muito próximo do bando de Rogério 157. No confronto em que a testemunha participou diretamente, um policial foi baleado e nenhum membro do bando de Rogério 157 se feriu.
Ameaçado, Rogério ordenou que seu grupo fosse ainda para mais longe, para a região do Horto. Membros da quadrilha reclamaram e, segundo a testemunha, disseram que não poderiam ficar para sempre no mato.
Aliança com rivais
O novo destino apareceu logo. A ordem era seguir até o Morro do Turano, onde Rogério já costurava a aliança com a facção rival. Ali, a testemunha conta que o pacto foi sacramentado quando todas as armas do grupo de Rogerio 157 foram entregues aos traficantes subordinados a “Paulinhozinho do Fallet” e “Galo do Turano.
O novo pacto garantiu o domínio de Rogério 157 sobre a Rocinha, mas trouxe para a comunidade uma nova facção. Descontente com a situação, a testemunha procurou os antigos aliados de Nem. E foi encontrá-los no Morro do São Carlos.
Ele conta que durante a estadia no Morro do São Carlos percebeu a movimentação de muitos traficantes oriundos da Rocinha na favela, numa faixa de 40 traficantes. Ali, a testemunha foi ameaçada de morte, por ter ajudado Rogério nos primeiros dias do confronto.
Correndo perigo nos dois lados do conflito, o traficante que viveu a guerra de perto se entregou à polícia. O depoimento agora dará início a novas investigações da polícia.
https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/preso-funkeiro-mc-tikao-suspeito-de-tirar-rogerio-157-da-rocinha-e-de-negociar-troca-de-faccao.ghtml
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