terça-feira, 26 de setembro de 2017

Sem dinheiro para clubes, FMF banca farra ‘política’ em resort

Dirigentes desfrutaram de carteado, futebol, bebidas e hospedagem, tudo por conta da FMF

PUBLICADO EM 26/09/17 - 03h00

FRANSCINY ALVES

Enquanto as jogadoras que iriam estrear no Campeonato Mineiro de Futebol Feminino não puderam nem mesmo entrar em campo, no último domingo, por falta de médicos, não muito distante dali, em um resort de luxo na região metropolitana de Belo Horizonte, dirigentes entravam em campo para uma “pelada” informal bancada com dinheiro da Federação Mineira de Futebol (FMF).

Durante quatro dias, presidentes de ligas municipais do Estado e seus familiares desfrutaram de mordomias, como hospedagem, alimentação, bebidas e festas em um evento que tinha no centro das atenções o secretário geral da entidade, Adriano Aro, irmão do deputado federal Marcelo Aro (PHS-MG). Candidato ao comando da FMF em um acordo costurado pelo atual presidente da instituição, Castellar Guimarães, ele aproveitou para fazer política com agrados e conversas ao pé do ouvido com os responsáveis pelo futebol em todo o Estado.

A entidade convidou 77 presidentes de ligas para participar do 2° Congresso Estadual de Ligas, realizado entre quinta-feira e domingo. Todos têm direito a voto na eleição para a escolha da nova diretoria da FMF – 133 filiados votam na eleição marcada para o dia 19 de outubro.

Com a ajuda de seu pai, Lito Ferreira Filho, do presidente da instituição, Castellar Neto, e de outros membros da diretoria da FMF, Adriano mostrou-se simpático e acessível aos participantes. Tanta badalação gerou dificuldade até mesmo para que ele conseguisse saborear um pudim no almoço do último sábado, uma vez que os presidentes revezavam-se para sentar-se à mesa com ele para papear por poucos minutos ou apenas chamá-lo de “meu presidente”. Em outra mesa, Castellar enfrentava um dilema semelhante: conversar ou degustar uma feijoada paga com o dinheiro que deveria estar ajudando o futebol do Estado a se desenvolver.

Uma conversa comum entre os que marcaram presença na conferência era a de que Castellar e Adriano mostraram-se bons anfitriões. Uma declaração contrária seria motivo de surpresa, já que a entidade investiu, e muito, para agradar os presidentes e familiares. Um coquetel de boas-vindas, tardes livres para aproveitar o resort, churrasco à beira da piscina com torneio de truco, pelada e festa com show ao vivo fizeram parte da programação do evento.

“Uma viagem dessa por ano, sem pagar nada, está bom demais, não é?”, confidenciou a mulher de um participante da região Central de Estado, que, assim como outros familiares, aproveitaram as piscinas, massagens e bebidas. Ainda segundo um outro presidente de liga, o único dinheiro gasto do bolso deles foi o combustível para se deslocarem até o hotel, cuja diária, para casal, custa cerca de R$ 700. Considerando os mais de 70 convidados, o gasto total só com a hospedagem pode ter beirado os R$ 150 mil.

Além da festa, cinco palestras foram realizadas no Congresso. Seriam seis, se o deputado Marcelo Aro tivesse comparecido, como previa a programação do encontro. Ele falaria sobre “Relações Institucionais para Ligas” na manhã de sexta-feira. Coincidência ou não, foi no mesmo dia em que O TEMPO publicou reportagem mostrando que o parlamentar articulava a volta da sua família ao comando da FMF.

Ignoradas. Se no resort bancado pela federação o clima era de festa, nos jogos do Campeonato Mineiro Feminino, marcado para começar no último domingo (24), a sensação era de revolta. Nenhuma das três partidas agendadas sequer começou por conta da falta de um elemento essencial em qualquer atividade esportiva: um médico.

De acordo com o empresário Kfoury Neto, dono do Carlense Futebol Clube, a completa falta de apoio da FMF aos clubes de futebol feminino praticamente inviabiliza a realização do torneio. “É difícil demais, nós temos que tirar dinheiro do próprio bolso para bancar as coisas. Como é que vamos ter condições de pagar e contratar médicos para as partidas? A federação nos ignora e não apoia ou ajuda em nada. A única coisa que fazem é levar a arbitragem aos jogos. A FMF não ajuda, mas faz várias exigências. É duro”, desabafa.

Pelo regulamento do campeonato, os clubes mandantes dos jogos são os responsáveis pela contratação de um médico para a partida. Mas, os empresários criticam a total falta de apoio da FMF e atribuem a isso a precarização do torneio feminino.

Publicidade. Mesmo custeado pela FMF, a realização do Congresso de Ligas não havia sido divulgada no site e nem mesmo nas redes sociais do órgão até a reportagem entrar em contato.

Participante ensina a fraudar licitações
“Ensinamentos”. Na tarde de sábado, após a realização do Congresso, presidentes de ligas reuniram-se em um canto para jogar “conversa fora”. Um dos temas propostos por um deles, no entanto, chamou atenção: “Como fraudar uma licitação”.

Explicação. “O negócio é participar com quem entende. Você põe o seu preço lá embaixo e o outro coloca o preço lá em cima. Aí você ganha. Licitação é tudo armado”, contou o homem aos amigos, que pareciam escutar atentos.

FOTO: UARLEN VALÉRIO – 31.7.2016
Marcelo Aro, articulador da eleição do irmão, desistiu de comparecer

OUTRO LADO
Federação confirma que pagou o evento

Questionada sobre quem teria custeado o evento, a Federação Mineira de Futebol (FMF) confirmou que bancou os gastos da festividade. “O Congresso Estadual de Ligas é realizado anualmente, às custas da Federação”, diz a nota, que ainda contesta a falta de divulgação do evento apontada pela reportagem.

“As matérias (reportagens) são elaboradas e divulgadas por meio do boletim ‘Na Rede’, disponibilizado em meio físico, para todos os filiados, bem como em meio virtual”, diz a nota da FMF.

A Federação afirma que “o último Congresso terminou em data de ontem (24), com a participação aproximada de 70% das ligas de futebol amador do Estado, de forma que as matérias estão sendo elaboradas para o boletim citado e também para o site da entidade.”

Questionada se o deputado federal Marcelo Aro (PHS) esteve no evento, a federação informou que ele não compareceu.

A FMF afirma ainda que as próximas eleições na entidade não foram debatidas durante o Congresso e destacou que foram proferidas palestras sobre: arbitragem, Tribunal de Justiça Desportiva, organização contábil, Lei de Incentivo ao Esporte, bem como um balanço administrativo.

Questionada sobre o apoio que presta ao futebol feminino no Estado, a FMF não respondeu.
Jornal OTempo

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