Anna Virginia Balloussier
Folha
O Brasil tem hoje 35 partidos. É pouco. Ao menos comparado ao que poderia chegar, se todos os embriões partidários na fila do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) vingassem. Nesse caso seriam 91 legendas no país, incluindo as 56 que se registraram na corte. O que pode vir por aí? Uma leva de novas siglas de direita. Algumas, aliás, nem tão novas assim. Na lista de “partidos em formação” do TSE, versões recauchutadas de Arena (Aliança Renovadora Nacional), que sustentou o regime militar numa época em que não se admitia oposição partidária pra valer, e Prona (Partido de Reedificação da Ordem Nacional), do lendário dr. Enéas.
Entre as novidades: Partido Militar Brasileiro, Partido Conservador, Partido da Segurança Pública, Patriotas, União para a Defesa Nacional e Partido Manancial, que se apresenta como “um dos raros partidos de direita no quadro nacional”. Seis legendas incluem o termo “cristão” e variações no nome, a maioria com ênfase na “família tradicional” (homem e mulher).
CORINTIANO – Há propostas para eleitorados segmentados, como o Partido Nacional Corinthiano, que diz se inspirar na Democracia Corintiana, movimento liderado por jogadores como Sócrates, nos anos 1980, contra a hierarquia autoritária do clube.
Ecologistas, ativistas de direitos animais e servidores também pleiteiam sua entrada na cena política. Não é fácil, contudo, sair do papel –e assim poder disputar eleições, receber dinheiro do fundo partidário (previsão de R$ 728,5 milhões para 2017) e participar do horário eleitoral gratuito (que custa milhões não divulgados aos cofres públicos, por meio de compensação fiscal a emissoras e rádios).
O primeiro passo essas siglas incipientes já cumpriram: juntar 101 fundadores com domicílio eleitoral em ao menos nove Estados. Elas trabalham agora para colher um mínimo de 487 mil assinaturas, ou 0,5% dos votos válidos na última eleição para a Câmara.
PROCESSO ÁRDUO – Os apoios precisam ser validados em cartório, um processo árduo –em 2013, a Rede, de Marina Silva, ainda em formação, descartou centenas de milhares de assinaturas, por erros nas informações fornecidas por eleitores.
O Partido Militar, por exemplo, perdeu assim 300 mil de 560 mil signatários, diz seu maior articulador, o deputado Capitão Augusto (PR-SP).
Ele passou 24 anos na PM e prefere não dizer quantas pessoas matou (“nenhuma condenação, é o que importa”). Agora, vislumbra um número para sua legenda: “Queremos 18, por causa da maioridade penal [que ele quer ver reduzida], 38, o calibre três oitão, ou 64”, em memória ao regime “que salvou o Brasil”. O partido defende “o fortalecimento dos direitos humanos”. O ex-PM explica: “A esquerda quer é o direito dos manos, dos bandidos, e não dos humanos de bem”.
DE DIREITA – O avanço da direita evidencia uma revitalização da imagem dos militares, afirma. “Vamos voltar ao poder e invadir o Congresso, mas sem golpe, pela via democrática”.
A nova Arena povoa o Facebook com saudosismo da ditadura. Seu perfil na rede compartilhou uma imagem celebrando a “revolução de 1964” e outra com o pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro, defensor notório dos militares, mais o slogan: “Melhor Jair se acostumando…”.
A sigla trocou de comando. Em 2012, era capitaneada por Cibele Baginski, estudante de 22 anos e fã de cultura gótica e heavy metal, como a Folha reportou então. Ela desistiu do projeto. O novo presidente, Kleber Busch, se define na internet como “um brasileiro cansado de ver o país ser pilhado por politicagem”.
NACIONALISTA – O Prona revive o ideário nacionalista do cardiologista Enéas Carneiro (1938-2007), famoso pelo bordão (“meu nome é Enéas!”), pela calvície somada à barba espessa, pelo recorde de votos para a Câmara (1,5 milhão em 2002) e por frases tanto radicais (o gay “representaria a extinção da espécie”) quanto folclóricas (faltaria a Lula “o mínimo de arrumação intracromossomial para dirigir o país”).
O Prona de 2017 lançou “ringtones” com a “Quinta Sinfonia” de Beethoven, mesma música que toca num vídeo antigo em que Enéas critica a reforma da Previdência. A sigla é agora presidida por Marcelo Vivório, 35, um sindicalista ligado ao transporte autônomo e sediado em Campos de Goytacazes (RJ).
Enéas, que conheceu melhor por vídeos na internet, “é um eterno líder”, diz. “Acharam que era um louco. Mas tudo o que falou está agora se consolidando, não é mesmo?”
OPORTUNISMO
Para Walber de Moura Agra, procurador de Pernambuco e coautor de “Elementos de Direito Eleitoral”, a proliferação de legendas evidencia a “decrepitude do sistema brasileiro”, pois “elas querem pegar os benefícios que a legislação oferece aos partidos”. “Por que não criar um Partido dos Jornalistas? Fundo partidário, tempo de propaganda… Seria uma tremenda fonte de negócios.”
E se alguém não se sentir representado por nenhum dos atuais partidos, não teria direito ao novo? Agra diz que, nesse caso, o ideal seria se juntar a um grupo que já existe. Dá o PT como exemplo, com correntes dissidentes.
O procurador lembra que a reforma política, hoje no Congresso, prevê a cláusula de barreira. Ela dificultaria o acesso de siglas sem votação expressiva ao fundo partidário. Os donos dos novos partidos adotam discurso similar de “isso não é com a gente”. “A cláusula é para proibir nanicos. Não será nosso caso”, diz Capitão Augusto.
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