domingo, 4 de setembro de 2016

Cientistas criam vacina contra vício em cocaína - UFMG desenvolve molécula com o pó para tentar barrar sensação de euforia e eliminar desejo pela droga


Estudos 
A vacina o para tratamento da dependência química é um projeto interdisciplinar coordenado pelo professor adjunto de psiquiatria Frederico Duarte Garcia e pelo professor Ângelo de Fátima, do Departamento de Química Orgânica, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais.

PUBLICADO EM 04/09/16 - 03h00

LITZA MATTOS

A solução para tratar o vício em cocaína pode estar na própria molécula da droga. A possibilidade vem sendo investigada há mais de um ano por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que desenvolveram uma vacina capaz de levar o corpo a combater o problema, induzindo-o a produzir anticorpos contra o entorpecente.

“A cocaína era uma droga cara e de acesso restrito. Hoje está presente em todas as classes sociais”, afirma o professor adjunto de psiquiatria da UFMG, Frederico Duarte Garcia, que estuda a vacina em parceria com o professor Ângelo de Fátima, do Departamento de química orgânica.

Além disso, o consumo de drogas como maconha e cocaína, em Belo Horizonte, vem superando os indicadores do país. A cada cem belo-horizontinos, 16 enfrentam problemas ligados à dependência química – são 408 mil pessoas. Desses, 303,9 mil consomem bebidas alcoólicas (12,2% da população da capital); 69,7 mil usam maconha (2,8%); 29,8 mil, cocaína (1,2%); e 4.900, crack (0,2%).

Os dados são da pesquisa 
Conhecer e Cuidar, feita em 2015 pela UFMG a pedido da prefeitura da capital. O mais grave é que, segundo o Escritório de Drogas e Crimes da Organização das Nações Unidas (UNODC, na sigla em inglês), o consumo de cocaína no Brasil já é quatro vezes a média mundial.

Diante desse cenário, a modificação do sistema imune com uma vacina é, para o pesquisador, a estratégia mais promissora para o tratamento do vício. O estudo conseguiu sintetizar uma nova molécula que leva o organismo a fabricar anticorpos de alta afinidade e, com um método eficaz e seguro, específicos contra o entorpecente.

“Esses anticorpos modificam a farmacocinética da cocaína, reduzindo de 75% a 90% a fração livre da droga na corrente sanguínea. Esse bloqueio impede a entrada das moléculas de cocaína no sistema nervoso central e minimiza os efeitos euforizantes e reforçadores da droga, fazendo o usuário se desinteressar”, explica.

Nos testes feitos em animais, foram usadas quatro doses da medicação, quantidade que, segundo Garcia, apresentou uma resposta “suficiente e duradoura”.

Ainda não é possível saber quantas doses seriam indicadas para humanos, mas o professor adiantou que, “a princípio, a vacina seria utilizada somente para pacientes com dependência química que estivessem fortemente motivados a parar de usar a droga”. Outras utilizações ainda podem ser aventadas como, por exemplo, na prevenção ao abuso da droga por crianças e adolescentes e também no combate ao crack.

“Os ratos que foram vacinados, quando recebem uma dose da droga, não percebem o efeito dela e, com isso, não ficam ‘desinibidos’ ou ‘agitados’ como o grupo que recebeu o placebo”, disse Garcia. Os resultados preliminares apontam que a vacina evita a ação da cocaína em fetos de ratas. Ou seja, ela também tem o potencial de produzir um efeito protetor para os bebês de ratas prenhes.

Assim que terminarem os estudos em animais – que são confirmatórios –, serão realizados novos experimentos, que devem durar mais um ano. “Depois, se conseguirmos recursos para a pesquisa, iremos realizar um estudo de fase I, ou seja, testaremos em voluntários sãos a segurança da molécula. Isso deve levar mais um ano. Só aí poderemos fazer testes com pacientes que são dependentes de cocaína”, projeta o professor.



Pelo mundo
Nos Estados Unidos, cientistas do Instituto de Pesquisa Scripps, da Califórnia, também pesquisam uma vacina similar à da UFMG desde 1995. Nos testes com ratos, a redução dos efeitos da cocaína no sistema nervoso central dos animais foi de até 77%. Testes em humanos devem começar em breve. O professor da UFMG Frederico Garcia acredita que ainda vai levar uns dez anos para que o antígeno seja comercializado no mercado.


Jornal O Tempo
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