terça-feira, 2 de agosto de 2016

Triste constatar que o Brasil fez uma opção clara pelo atraso e pelas cavernas


Charge do Ique (ique.com.br)

Ronaldo Conde
Blog de Penedo

Estive no Rio de Janeiro, onde passei quinze dias. Como faço sempre, andei muito pelo Centro, pelo Flamengo, Botafogo, Copacabana e Catete. Não gosto de Ipanema, nem do Leblon. A sofisticação esnobe e jeca dos dois bairros me é insuportável.

No Centro, andei mais pelo Centro histórico, ou seja, pelas ruas da Carioca, Senhor dos Passos, praças Tiradentes e da República e Largos da Carioca e do São Francisco, Cinelândia e adjacências. Não estive na Praça Mauá, nem no Museu do Amanhã, nem passeei de VLT, um dos tantos investimentos discutíveis da cidade.

Vi muita coisa no Rio: sujeira, mendicância, carências. O Rio é lindo: suas matas, o mar, a baía da Guanabara, o arco de montanhas que cerca a cidade (Pão de Açúcar, Corcovado, Dois Irmãos, para citar algumas apenas). Mas há um contraste imenso entre a cidade “real” e o cenário natural e harmonioso da cidade.

A Baía da Guanabara, por exemplo. O Velhote do Penedo, rapaz e adolescente, morava na Rua Senador Vergueiro e com os amigos (como dizíamos, “a turma”) tomávamos banho na Curva da Amendoeira, um espaço entre a Avenida Ruy Barbosa e a pista da praia do Flamengo. Com mais precisão: à direita da Praça Cuahtamoque. Naquele tempo, não havia aterro.

PRAIA DE BOTAFOGO – A Baía da Guanabara não era tão poluída. Tanto que quando nadávamos em direção à Praia da Urca, víamos golfinhos passeando pela Enseada de Botafogo, onde havia uma praia, que era frequentada. Hoje, é uma praia deserta, apenas frequentada por urubus, que se alimentam da sujeira que chega à areia.

Moro em Brasília, mas hoje não me disponho a residir no Rio. Digo logo: não sou apaixonado por Brasília, que considero uma cidade sem alma e atrasada culturalmente. Uma cidade que, com 50 anos, se mostra todos os defeitos das cidades brasileiras. Mas, o que fazer? Tenho amigos – amigos queridos – no Rio, com os quais me comunico. Quando penso em sair de Brasília, penso em ir morar no Penedo. Tenho um primo que possui uma pousada, onde pretendo me instalar um dia e ficar lendo, escrevendo e ouvindo música. Sou um sujeito que me contento com muito pouco.

VULGARIDADE – Como disse antes, o Rio é uma cidade coroada de contradições, onde a vulgaridade campeia, onde a cultura do “patotismo” é maior que tudo, onde se vive de falsos ideais e de equivocadas visões do mundo. O carioca – nato ou não – é, sem dúvida, um tipo simpático, risonho, enfrenta tormentos cotidianos com surpreendente disposição e certa alegria, mas, no fundo, o carioca é um misto de complacência, resignação e autocomiseração. Criou-se em torno do carioca o folclore do malandro esperto, no qual ele acredita piamente.

Não se pense que não gosto do Rio, que não me sinto bem nas suas ruas e praças. Como vou ao Rio, no máximo, duas vezes por ano, é fácil eu observar a decadência da cidade que os moradores da cidade talvez não percebam. Cada vez que vou ao Rio, concluo que o Rio de hoje não é o meu Rio.

Nessa última viagem, andei pela Rua da Carioca: lojas fechadas, sobrados em franca deterioração. Todos os sebos que havia na Carioca (eram três) foram fechados, como o foram também dois outros na Praça Tiradentes. Está certo, estamos em recessão, mas na Rua da Carioca – me parece – o que está ocorrendo é uma ação planejada: como todos os sobrados da rua foram tombados, o melhor é deixá-los se acabar – e, no seu lugar, edificar prédios de escritórios. Bem, mas isto é outra história.

TEMA DE ESTUDO – Já registrei aqui no Facebook uma cena surrealista: na Cinelândia, um grupo de mendigos estava no chão, coberto de panos e cobertores (estava muito frio). Os transeuntes passavam – indiferentes e preocupados com os “trombadinhas”, que os espreitavam. Na Avenida Rio Branco, o VLT estava passando e nas escadarias da Câmara dos Vereadores, alguns professores (em greve) portavam cartazes que denunciavam o golpe, exigiam “Fora Temer”. Ali estava, a meu ver, um belo tema de estudo: a miséria absoluta (os mendigos), a modernização conservadora (o VLT) e a gritaria da chamada e equivocada esquerda brasileira (os professores, cujos alunos estão em casa, sem aulas).

Agora pensem no seguinte: enquanto os mendigos se estiravam nas pedras portuguesas sujas de coco de pombos, procurando se proteger do frio; enquanto o VLT ligava Praça Mauá ao Aeroporto Santos Dumont; enquanto professores deixavam as salas de aula para berrar “Temer golpista”, a “Forbes.com” noticiava que os chineses (sempre eles!) instalaram, nos últimos seis meses, 20 GW de energia solar – energia solar! – em seu território, o que equivale a 25% de uma Itaipu. Isto significa que em dois anos eles terão uma Itaipu “solar” na China.

Triste constatar que o Brasil fez uma opção clara pelo atraso e pelas cavernas, onde faremos fogo por fricção.

(artigo enviado pelo comentarista Mário Assis Causanilhas)

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