Charge do Nef, reprodução do Jornal de Brasília
Pedro do Coutto
A pergunta que faço no título traz em seu conteúdo uma resposta ao pensamento conservador que, equivocadamente, identifica nos valores do trabalho a causa do desequilíbrio financeiro que atinge as contas públicas brasileiras. Não é nada disso. Delfim Neto, ex-ministro de vários governos do período da ditadura militar, não tem razão. Formulador de teorias, fracassou nas práticas que adotou. A realidade tem sempre razão.
Dito isso, acho que o ministro Henrique Meirelles está certo quando afirmou a Martha Beck, Daniel Farielo e Bárbara Nascimento, O Globo de quinta-feira, não ter ocorrido derrota política do governo na votação da Câmara na noite de quarta-feira, no episódio da renegociação das dívidas dos Estados para com a União.
Vejam bem. O texto original em votação previa o congelamento salarial pelo prazo de dois anos, não bastassem as perdas de 10,6% ocorridas em 2015, sem reposição até hoje. Tal dispositivo caiu e, logicamente teria caído. Basta ler a reportagem de Mariana Carneiro, Folha de São Paulo também de quinta-feira, com base nos dados do próprio IBGE relativos ao mês de julho. A inflação continua percorrendo um roteiro de alta.
INJUSTIÇA TOTAL – O que desejam os conservadores? Que os custos do combate ao ciclo inflacionário recaiam somente sobre os ombros dos trabalhadores e funcionários públicos? Injustiça total. Eles não participaram da avalanche de corrupção que abalou fortemente a economia brasileira. Não participaram nem do mensalão, tampouco do petrolão, mas – isso sim – sofreram as consequências. O desemprego é a melhor testemunha.
O tema foi também abordado por Cláudia Safatle na edição do Valor, que destacou a interpretação de Henrique Meirelles, que separa as figuras do reajuste e do aumento.
Reajuste é apenas para repor a inflação de um período. Aumento real, aí sim, é o percentual que ultrapassa o índice inflacionário. A limitação de aumentos reais está contida no projeto de lei que proíbe os governos federal, estaduais e municipal de elevarem suas despesas além da taxa de inflação verificada no exercício anterior. Tem toda lógica. E é portanto lógico que tal obstáculo inclua os vencimentos os servidores. Por quê não? Pensar o contrário é concordar com os aumentos de modo geral, desde que excluídos os salários. Não tem sentido.
De fato, a barreira relativa a todos os gastos, incluindo os de pessoal, já se encontra implantada na limitação à base da correção monetária no ano anterior. A única ressalva capaz de ser colocada não se destina a conter vencimentos. Ao contrário. É a de que só comece a funcionar depois de compensadas as perdas verificadas em 2015. Uma corrida de obstáculos nestes tempos olímpicos.
DAQUI A 20 ANOS – Falando-se em Olimpíada, temos que nos referir à maratona. É exatamente o percurso proposto pelo ministro Henrique Meirelles no ítem 9 da exposição de motivos referente ao projeto de emenda constitucional que o presidente Michel Temer enviou ao Congresso Nacional.
O novo regime fiscal – está escrito lá – terá duração de vinte anos. Esse é o tempo que consideram necessário para transformar as instituições fiscais por meio de reformas que garantam que a dívida pública (hoje na escala de 2,9 trilhões de reais) permaneça em patamar seguro.
Logo, fica claro, o patamar de hoje não oferece segurança. Para chegarmos a ele temos que aguardar o desfecho de uma maratona de vinte anos. Não é pouco tempo.
Mas para Meirelles constitui o tempo real. Destruir é fácil, reconstruir é que é difícil.
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