sábado, 20 de agosto de 2016

Polícia Civil mineira investiga página 'Antes e Depois da Federal'

A foto de Lea Monteiro foi exposta na página na última segunda-feira (15)
PUBLICADO EM 19/08/16 - 20h57

JOSÉ VÍTOR CAMILO

Um inquérito foi aberto pela Delegacia Especializada de Investigações de Crimes Cibernéticos (DEICC) de Belo Horizonte para investigar a exposição de um estudante da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pela página do Twitter chamada "Antes e Depois da Federal".

O perfil vem causando polêmica em todo o país desde o início do mês por publicar fotos que mostram a transformação de estudantes das universidades federais brasileiras, em sua grande maioria LGBTs, mas também feministas, pessoas de esquerda e usuários de drogas. Entre estas publicações estava a foto da universitária Lea Monteiro, que explica que se considera não binária. "Não me importo se me tratam no feminino ou masculino, as pessoas costumam revezar os dois e prefiro assim".

A publicação, que mostra uma foto antiga dele e outra mais recente, em que aparece vestindo saia e com batom, foi publicada na última segunda-feira (15) e já foi compartilhada por quase 300 pessoas na rede social.

"Descobri cerca de uma hora depois de exporem minha foto, por um amigo que viu circulando e me alertou. Não fiquei surpreso. Já sabia que a forma como eu me comporto, expresso e estilizo meu corpo incomoda algumas pessoas. Desde criança sofro com esse tipo de violência, desta vez foi um perfil anônimo na web que pegou uma foto antiga e outra recente na tentativa de me ridicularizar, humilhar e ameaçar. Mas tenho muito orgulho de ser quem eu sou", garante.

Lea diz não ter ideia de quem pode ter enviado a foto para a página, já que nunca esteve livre do preconceito em nenhum dos ambientes em que conviveu na vida. "Pode ser gente de qualquer lugar, da minha família, do ensino médio, da faculdade. Mas algumas amigas desconfiam de gente da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich)", complementa.

Diante da exposição, a estudante decidiu procurar a Polícia Civil e registrou um boletim de ocorrência na última quarta-feira (17). Além disso, ela autenticou as reproduções da página em cartório, para servirem como prova na ação cível que ajuizará contra a página.

"Quero que os responsáveis sejam punidos. As pessoas precisam entender de uma vez por todas que não estão livres para cometerem crimes virtuais e que cyberbullying é algo muito grave. O que fazem constitui difamação, que gera danos morais. Desde a publicação já fui difamado na faculdade e até entre a família, que tomou conhecimento do que ocorreu. A lei me protege contra esse tipo de coisa, eles não passarão impunes", afirma o universitário.

Procurada, a PC informou que a investigação ainda está nos passos iniciais e que ainda não há uma previsão para que o depoimento da vítima seja colhido pelo delegado Júlio Wilke, que ficará responsável pelos levantamentos.

A página

O perfil "Antes e Depois da Federal" teve sua primeira publicação no dia 31 de julho deste ano e, em menos de 20 dias, já tem mais de 25 mil seguidores. Como a grande maioria dos comentários nas imagens publicadas são homofóbicas e de conteúdo ofensivo, a página mantém um tweet fixo no topo da página em que afirma que "não se responsabiliza pelos comentários de seus seguidores".

Em suas publicações, o autor faz questão de alegar diversas vezes que não faz nada além de publicar imagens já públicas (retiradas das redes sociais) com a legenda "antes/depois". Porém, alguns dos tweets dão margem para interpretação sobre a preferência do autor da página em expor determinados universitários.
FOTO: REPRODUÇÃO/TWITTER
Página chega a fazer pedido para internautas enviarem fotos de universitários

"Estamos online (e aterrorizados) selecionando as fotos que vão ser postadas durante a semana. Se você tem algo, nos envie agora", diz uma das publicações. "Ao ter a foto postada aqui eles saem da zona de conforto e caem na real que estão destruindo a vida deles" e "Feliz é o pai cujo o filho não apareceu aqui na nossa page", são outros exemplos.
FOTO: REPRODUÇÃO/TWITTER
Veja alguns dos tweets da página

Desde seu surgimento, a página chegou a criar perfis no Facebook e no Instagram, entretanto, as novas páginas acabaram tiradas do ar após denúncias de internautas. Entre as suas publicações, a página chega também a pedir votos a favor do programa Escola Sem Partido, argumentando que as fotos provam que ideologias de esquerda vem sendo ensinadas nas universidades.
FOTO: REPRODUÇÃO / TWITTER
Página chegou a pedir votos a favor do programa Escola sem Partido

Vítimas devem registrar ocorrência
O coordenador do Centro de Referência de Políticas Públicas LGBT da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), Sérgio Rosa, explica que, havendo qualquer violação nos direitos, pessoas expostas pela página devem se resguardar no campo do direito, principalmente formalizando a denúncia.

"Se você se sente violado, tem que procurar a delegacia. Em BH temos a Delegacia de Crimes Cibernéticos e, também, o Núcleo de Atendimento da Cidadania LGBT (NAC), que sempre acompanha as denúncias", lembra. O Centro de Referência municipal, ainda segundo seu coordenador, acolhe as vítimas, inclusive com acompanhamento psicoterápico no sistema de saúde da capital.

"Nós repudiamos todo e qualquer tipo de violação da população LGBT. Em qualquer situação deste tipo, fica o convite para que nos procurem. Estamos na rua Tupis, 149, no 10º andar", finaliza Sérgio Rosa.
Jornal O Tempo

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