Kieran Kelly
Global Research
Há hoje mais refugiados que em qualquer outro momento da história desde a 2ª Guerra Mundial. É preciso repetir e repetir. Depois do 11/9 e do lançamento do que está rotulado como “Guerra Global ao Terror” e “Longa Guerra”, os números triplicaram.
A situação já é a mesma de depois da 2ª Guerra Mundial, mas nos parece mais confortável fingir que ninguém estaria vendo aí uma resposta a fenômeno único e bem claro. Na 2ª Guerra Mundial foi autoevidente que as pessoas fugiam da guerra e do genocídio. Mas, hoje, aparentemente, todos aceitamos que o crescimento dos números de refugiados, que já triplicaram, seria efeito de todo e qualquer tipo de causa, menos as guerras motivadas pelos EUA e pela OTAN.
O único fator que somos ‘autorizados’ a perceber, como elo que costuraria entre elas todas essas crises seria o ‘terrorismo islâmico’. E ninguém sequer parece estar vendo que nos principais casos, o terrorismo só aparece depois da intervenção ocidental e dos conflitos que ela gera. Já não é mais racional ou admissível a perversão que manda tratar cada vítima de alguma intervenção de EUA/OTAN como se fosse vítima de conflito por motivos locais, endógenos, só seus.
Ah, sim, há fissuras étnicas e religiosas em alguns países, assim como há crises econômicas e ambientais que criam instabilidade. Mas quando surge a oportunidade, chovem armas nesses locais. Essa, sim, é a constante eterna, que jamais está ausente. E muitas outras coisas podem também acontecer, especialmente a desestabilização econômica e a famigerada “promoção da democracia”.
TODO TIPO DE INTERVENÇÃO
Não existe manual único para que os EUA e seus parceiros sigam os movimentos. Há grandes intervenções diretas, como no Iraque e do Afeganistão, o bombardeamento da Líbia e a ‘invenção’ do Sudão Sul. Há também intervenções por procuração, como o bombardeamento do Iêmen, incursões na República Democrática do Congo e incansável fomento à guerra civil na Síria.
Somem-se a isso as sempre continuadas ações clandestinas – através de intervenções econômicas,desestabilizações, sanções, golpes e crises aprofundadas da dívida – e logo se vê um complexo diferenciado de práticas genocidas em tudo equivalente ao genocídio sistemático, como o humanista Raphael Lemkin o descreveu em 1944.
O ritmo da violência que hoje se vê não se aproxima do bombardeamento durante a Guerra da Coreia, nem tem a escala gigante da 2ª Guerra Mundial, que um dia chegou ao fim; a violência, hoje, nunca termina. É como se devesse perdurar por toda a eternidade, e a escalada da morte nunca parasse. Não consigo tirar da cabeça a sensação de que, se a Alemanha não estivesse partido para a guerra, as políticas nazistas de genocídio teriam sido aplicadas ao ritmo das políticas de genocídio de EUA/OTAN: mais lentamente, porém infindavelmente.
DEPENDENTES DOS EUA
A destruição e a violência norte-americanas não raras vezes são iguais às dos inimigos dos EUA, mas acho que as pessoas estão começando a dar-se contra de que, em medida muito significativa, os EUA são, em quase todos os casos, criadores e patrocinadores desses mesmos inimigos. E todos esses inimigos são, muito frequentemente, materialmente dependentes dos EUA, seja diretamente seja com a intermediação de regimes aliados aos norte-americanos.
Cumulativamente, essa também já se converteu em era histórica dos morticínios em massa, que em vários sentidos assemelha-se à “hiperexploração” e à destruição socioeconômica da disputa pela África e em outros sentidos assemelha-se às políticas de genocídio alemãs na Europa ocupada. No futuro, quando as pessoas se aperceberem do custo humano desse neo-holocausto, ninguém arriscará a própria credibilidade apresentando números conservadores. Ser conservador nesses assuntos nada é além de viciosa imprecisão e viés a favor da mentira.
Quando se calcular o número de mortos resultantes das intervenções militares, diretas, por procuração, clandestinas e econômicas conduzidas por EUA/OTAN na era pós-11/9, será preciso falar em dezenas de milhões de mortos. É a mesma ordem de grandeza do holocausto de judeus e outros povos, pelos nazistas; e está longe de acabar.
A CRIANÇA NA PRAIA
Vê-se uma criança afogada numa praia, e o sofrimento ataca também dentro de casa. É uma tragédia. Mas a obscenidade não está na morte de mais uma criança. A obscenidade está no fato de que as crianças estão sendo assassinadas por estados ocidentais pressupostos democráticos. Para avaliar a extensão da obscenidade é preciso multiplicar, multiplicar, multiplicar as crianças mortas, até que o cadáver de Aylan Kurdi seja um grão de areia num oceano de crianças supliciadas.
Somos adestrados para não ter o que se chama “simpatia estatística” e essa falta nos rouba a racionalidade. Cada vez que nos puserem diante de estatísticas de dor e sofrimento humano – e de imagens espetacularizadas – temos de combater o automatismo de sofrer por um morto e esquecer todos os demais mortos.
A chave para compreender o holocausto de judeus não é pôr-se a maldizer o ódio racista e a cruel maquinaria de morte dos nazistas. A chave é justapor, na nossa consciência, cada criança morta e a indiferença de seus respectivos carrascos alemães, franceses, ingleses, espanhóis, italianos, tantos outros, naquele momento.
Depois do fato, todos se comovem muito. Mas quando houve o holocausto de judeus, praticamente todos os países da Europa mandaram refugiados europeus para a morte certa. E as populações reagiram sem nenhuma solidariedade, manifestaram o mais escandaloso desprezo pelos judeus europeus expulsos de seus países natais – quase exatamente como turistas britânicos, hoje, a desejar pena de morte em massa para “as marés de imundície” que estão estragando o playground de ricos na ilha grega de Kos.
(artigo enviado por Valter Xéu, do site Irã News)
http://www.tribunadainternet.com.br/a-crise-dos-refugiados-e-o-genocidio-causado-por-eua-e-otan/
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