sexta-feira, 10 de abril de 2015

Vida e obra de Cora Coralina são marcadas por ideais feministas e libertários

10/04/2015 12h43
Goiás
Andreia Verdélio – Enviada Especial Edição: Lílian Beraldo

A poetisa Cora Coralina é considerada por estudiosos e especialistas em sua obra como uma mulher forte e libertária. Embora não tenha incorporado o discurso feminista, a forma como ela se impôs na sociedade machista e conservadora em que vivia faz com que também possa ser estudada sob a perspectiva de gênero.

Nascida e criada na cidade de Goiás, Cora saiu de lá em 1911 para poder viver ao lado do advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, que era casado. Criou quatro filhos trabalhando no interior de São Paulo, após a morte do marido. E, 45 anos depois, teve a coragem de voltar para buscar suas memórias e escrever sobre aquele espaço. “Na cidade de Goiás, como antiga capital do estado, havia uma agitação cultural forte e mulheres inscritas no tradicionalismo, no conservadorismo da cidade, mas que também atuavam”, disse a professora de literatura da Universidade Federal de Goiás (UFG) Goiandira de Fátima Ortiz de Camargo.

Cora publica seus primeiros textos no semanário A Rosa, dirigido por ela própria e outras poetisas. De acordo com Goiandira, a poetisa não se inspira apenas nas mulheres, mas lia poetas como Almeida Garrett e textos que vinham do exterior. “Ela estava alguns passos à frente dessas mulheres que escreviam nos moldes tradicionais, sonetos, poesia metrificada, ou simbolista ou parnasiana. Elas tinham medidas. Cora não, Cora era da desmedida. Seus primeiros versos assustaram tanto as pessoas que os imputaram ao primo dela Luiz do Couto”, contou Goiandira.

“Eu vejo a Cora como uma feminista de vanguarda”, explicou a professora da UFG Maria Meire de Carvalho. Doutora em gênero e estudos feministas pela Universidade de Brasília (UnB), a especialista diz que Cora atuou ativamente, mas não se reconhecia como feminista, assim como outras mulheres que romperam padrões a seu tempo.

“Às vezes as mulheres têm medo de dizer que são feministas porque pega mal. Mas esse pegar mal na sociedade já mostra a cultura machista. Uma feminista é aquela que tem metas que ultrapassam as impostas. E as ações de Cora estavam totalmente envolvidas no processo de emancipação das mulheres”, explica Maria Meire.

Para a professora de literatura da Universidade Estadual de Goiás Ebe Maria de Lima Siqueira, essa face de Cora, como uma mulher que estava rompendo limites, estava muito clara na cabeça dela, embora o conservadorismo da formação que recebeu também fosse muito presente.

“Ela dizia que mulher não devia trabalhar, tanto que ela cuidou dos filhos, foi dona de casa, e, enquanto esses filhos não se encaminharam, ela não deu seu grito de independência”, disse Ebe.

Para a pesquisadora, Cora tinha essa consciência de gênero, mas não no sentido de uma liberação sexual. Embora tenha sido ousada para o tempo dela, pelos registros históricos e depoimentos, ela foi fiel ao marido e a essa memória até a morte. “Para romper isso ainda precisaria de mais 50 anos de vida de Cora, tanto que voltar para a cidade de Goiás tinha esse papel [de rompimento]. Quando ela diz que está escrevendo para gerações futuras, ela sabia que não ia encontrar eco na sua geração”, disse Ebe.

Para Maria Meire, a crítica dela é um autorretrato. “Ela fala muito de memórias da infância, ela tinha a perspectiva de que era a menina mal amada, a menina feia da ponte da Lapa, aquela que estava fora dos padrões normativos, todos esses rótulos. E depois de ter a coragem de voltar à cidade, ainda continua sendo rotulada. Por isso que eu falo, não precisa descrever e colocar na testa de nenhuma mulher que ela é feminista. São suas ações que imprimem esses significados.”

A professora Ebe Maria conta que desenvolve um projeto na cidade de Goiás chamado Mulheres Coralinas, que tem o papel de levar a poesia de Cora como inspiração para 150 mulheres que estão, de certa forma, excluídas de uma vida social, política e econômica. “Gostaríamos que a poesia de Cora reverberasse nas mulheres para que elas pudessem ver que podem conseguir uma independência. É uma porção de pejorativos e ablativos que imprimiram na carne dessa poeta, e tenho apostado nas novas gerações para desmanchar isso”.
Agência Brasil

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