João Gualberto Jr.
A cada instante fica mais sólido o fato de que morreremos todos esturricados, e o pior, no escuro. Como pode um tropical mês de janeiro passar sem brancas ou escuras nuvens? Sem uma gota de chuva? Os dias têm temperatura de verão com umidade de estio, e um fenômeno climático não consegue debelar o outro.
A solução chega por e-mail: um aparelho de ar-condicionado na promoção, por R$ 900. Diz o anúncio que é dos mais modernos, marca prestigiosa. Para de processar automaticamente quando o ambiente atinge a temperatura escolhida e, assim, economiza energia. É daqueles horizontais, com uns 70 cm de comprimento, normalmente instalados no alto da parede. Tentador.
Mas a oferta carrega um profundo conflito ético. Comprar ou não comprar um ar-condicionado para casa? Ah, o conforto. Como os cômodos ficariam mais frescos, agradáveis, muito mais do que agora, quando as gotas de suor escorrem pelo pescoço concomitantemente a essas linhas, enquanto o pobre ventilador de chão, inutilmente, gira de um lado a outro.
O dilema do ar-condicionado é o dilema do homem moderno, o “trade-off” entre o conforto particular e o comprometimento com a coletividade. Comprar o aparelho pode vir a significar a opção pelo bônus seletivo associado ao agravamento do ônus compartilhado (inclusive por mim, em última instância).
ARTIGO RARO
A tecnologia dos ares-condicionados devem ter se aprimorado muito de uma década para cá. Tanto que, com exceção do Rio e do Nordeste, era artigo raro em Belo Horizonte, restrito aos ambientes corporativos. Não é mais assim. Muita gente já instalou um em casa que nem barulho faz mais. Apesar do suposto avanço, a máquina ainda é o eletrodoméstico que mais consome energia. Quem confirma é o Procel, da Eletrobras. Sem ser ligado todos os dias, o aparelho pode superar os consumos dos demais aparelhos somados. Em um mês, sozinho, chega a responder por 130 a 150 kWh, e, a depender do ponto de partida, o valor da conta sobe até 50%.
Na semana passada, a Agência Oceânica Atmosférica, dos Estados Unidos, divulgou que 2014 foi o ano com a temperatura média mais alta da história, ou, pelo menos, desde que se começou a medir isso, em 1880. A medida superou em 0,69°C a média do século XX. Também foi veiculada recentemente uma refrescante reportagem na TV em que o gerente de uma grande loja de eletrodomésticos comemorava o fato de vender de dois a três estoques de aparelhos de ar-condicionado semanalmente.
RACIONAMENTO?
Alguém tem dúvida de que teremos racionamento de água e/ou energia elétrica em breve? Não custa lembrar que nosso sistema interligado de hidrelétricas (de hidro, “água” em grego) não vem dando conta da demanda, e as termelétricas, mais caras e poluentes, respondem a uma parcela maior do fornecimento ano a ano.
Não chove mais. O clima é quente, e todos têm que buscar uma solução para o calor. Solução individual ou coletiva? O beija-flor fez a opção dele. Durante o incêndio da floresta, em vez de fugir, levou água do rio às chamas em seu minúsculo bico. Deve ter morrido queimado, como parece ser o destino de todos nós. (transcrito de O Tempo)
http://www.tribunadainternet.com.br/o-beija-flor-e-o-ar-condicionado/
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