sábado, 29 de novembro de 2014

Piratas e corsários - Ruy Fabiano

29/11/2014

PIRATAS E CORSÁRIOS

Em tese, roubar um fusca ou um BMW enquadra o infrator no mesmo dispositivo do Código Penal. Roubo é roubo, não importa a quantia. Do ponto de vista moral, não há dúvida. Mas, como indica a lei processual, há agravantes e atenuantes em qualquer espécie de delito: o que o move, a premeditação, os meios etc.

No caso específico das denúncias em curso na Petrobrás e adjacências – Eletrobrás e PAC, por exemplo -, o que se conhece e o que se vislumbra até aqui remetem ao quesito agravante. Não se trata de mero roubo, que se pratica para enriquecimento próprio.

Os sinais de que se estabeleceu uma operação sistêmica, com o objetivo de financiar partidos políticos – e, nesses termos, um projeto de poder -, vai muito além do que seria mais um caso de corrupção. Agride o próprio sistema democrático e a República.

E um crime contra a República, convenhamos, é bem mais grave que roubar um fusca ou mesmo um BMW – ou ambos. Nesse caso, o remédio é simples: prende-se o ladrão, recupera-se o produto do roubo e ponto final. Tudo começa e acaba numa delegacia de polícia. No caso, porém, do que ocorre na Petrobras, não basta recuperar o que foi roubado e enquadrar os operadores.

É preciso desmontar a engrenagem da qual eles eram apenas peças e responsabilizar os que a moviam e beneficiavam-se de seus propósitos políticos. Aí, o caso extrapola o âmbito das delegacias de polícia e necessariamente ascende ao das instituições.

Não importa se a presidente da República e seu antecessor embolsaram ou não algum centavo. Ainda que não – e lhes cabe o benefício da dúvida -, são os contemplados políticos do produto do crime. Que sabiam do que lá se passava só não crê quem não quer.

Além da evidência lógica de que crime de tais proporções não se passa no plano do invisível – e não ocorre sem uma vasta rede de cumplicidade, necessariamente acima dos executores -, cabe a responsabilidade a quem está no topo da pirâmide.
Não é à toa que o termo “crime de responsabilidade”, previsto para quem exerce a presidência da República, é abrangente. O presidente pode não ter pessoalmente praticado o delito, mas, se lhe cabia evitá-lo e não o fez, responde pelo que não fez. Incompetência ou cumplicidade inserem-se no mesmo “crime de responsabilidade”.

E, diga-se, não apenas para casos como o da Petrobras, mas para delitos de menor abrangência, como o uso dos Correios na campanha eleitoral ou para o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, em discussão no Congresso.

A tentativa de minimizar o escândalo da Petrobras e enquadrá-lo como mais um caso de corrupção na história de uma República repleta de casos similares, além de não absolver ou mesmo atenuar a culpa dos criminosos – afinal, um crime não justifica o outro -, não passa de um truque barato para algo muito, mas muito mais caro.

Não há dúvida de que a Petrobras já foi alvo de larápios em governos anteriores, mas nenhum deles, além do próprio bolso, intentava apossar-se da República. O próprio P.C. Farias, tesoureiro da campanha de Collor, queria apenas garantir o seu BMW – e acabou presa de um Fiat Elba. Eram piratas, que roubavam para si mesmos, empreendedores privados. Microempresários do crime.

No caso presente, trata-se de corsários, que roubam sob a bandeira estatal, valendo-se do próprio Estado para dilapidá-lo. Em termos, digamos, técnicos, as bases para um pedido de impeachment já estão postas. Mas impeachment não é apenas infração legal; exige efervescência política, povo nas ruas.

Ao tempo do Mensalão, não havia – e Lula escapou incólume, ajudado pela omissão oposicionista. No caso presente, é cedo para avaliar, mas há sinais de que o quadro é outro: a economia vai mal, o descrédito do partido hegemônico pelo prolongado exercício do poder e as mobilizações de rua, ainda que relativamente incipientes, mostram que indiferença popular não há. O resto o tempo dirá.

http://www.luizberto.com/ Blog Jornal da Besta Fubana

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