11/11/2014 05h54
Brasília
Marcelo Brandão – Repórter da Agência Brasil
Edição: Davi Oliveira
A batalha diária dos artistas para conseguir espaço não é algo novo no Brasil, tampouco a sua reconhecida qualidade. Mesmo com a ajuda do governo, no entanto, muitos ainda patinam no meio da burocracia para conseguir viver da arte. A Lei 8.313, conhecida como Lei Rouanet, que instituiu incentivos fiscais para empresas que investirem em projetos artísticos, funciona melhor com nomes consagrados. De acordo com seu texto, a empresa que patrocinar o projeto – aprovado previamente pelo Ministério da Cultura (MinC) – de um artista pode deduzir o valor investido do Imposto de Renda, até o limite de 4%.
Muitos artistas procuram financiamento com base na lei e conseguem a aprovação de seus projetos. A etapa mais difícil, no entanto, está na captação dos recursos. Artistas desconhecidos e grupos de arte popular disputam com nomes já consagrados o investimento das empresas e reclamam da falta de um mecanismo legal que impeça uma concorrência considerada por eles desleal. A crítica dos artistas não é nova. Houve um debate sobre o tema no setor há cerca de cinco anos, mas nada mudou.
Artistas desconhecidos e manifestações culturais populares têm dificuldade para captar verbas de incentivo cultural Wilson Dias/Agência Brasil
O músico brasiliense Alex Lima passou o ano de 2014 planejando a gravação de um CD e de um videoclipe. Pagou R$ 2 mil pelos serviços de uma empresa especializada apenas na preparação de projetos e conseguiu a aprovação pela Lei Rouanet. “Foi nesse ponto que eu esbarrei em outra brecha negativa do sistema. As empresas que desenvolvem, aprovam e depois captam os recursos são mais caras ainda. As mais baratas apenas dão entrada e devolvem o projeto aprovado, e o artista se vira com a captação”, explicou. Todos os projetos, no entanto, têm um prazo para que se capte o recurso. O prazo de Lima está próximo de se esgotar, faltando menos de dois meses.
Coordenador de um grupo de percussão em Minas Gerais, o músico Daniel Melão procurou na Lei Rouanet uma forma de financiar seu projeto, no qual ensina maracatu gratuitamente em Belo Horizonte. Mesmo pedindo uma verba considerada pequena, cerca de R$ 70 mil, não conseguiu o dinheiro. “Cheguei à conclusão de que, para esse tipo de projeto, pela Lei Rouanet, eu estava tentando no lugar errado. Não é de interesse dessas grandes empresas, potenciais patrocinadoras, vincular o nome a uma proposta que não é um megaprojeto”.
Envolvido em projetos pessoais e de instituições culturais, Melão decidiu não tentar viabilizar mais projetos por meio da Lei Rouanet. “No formato atual, é impossível o artista fazer essa correria burocrática para conseguir verba e ser artista ao mesmo tempo. Eu estudo todos os dias, dou aulas todos os dias, e se eu tiver que parar para correr atrás de burocracia e bater à porta de empresas, a última coisa que vou ser é um artista. Vou estagnar a minha arte e virar um gestor de projeto cultural”.
Ricardo Trento é presidente da organização não governamental paranaense Unicultura, que auxilia artistas na captação de recursos. Para ele, o que precisa mudar não é a lei, mas sim a forma de os artistas venderem seus projetos às empresas. Trento acredita que o artista precisa encarar seu projeto cultural como uma pequena empresa, para que possa obter os recursos e se preocupar apenas com sua arte.
Trento acredita que o artista não pode tratar a empresa como alguém que vá fazer um favor. Conseguir o recurso passa pela apresentação de um projeto que também seja interessante para a empresa. “Eu não posso chegar lá com cara de que carrego o piano, apesar de carregar o piano. A gente trabalha com artistas desconhecidos e consegue fazer captação de recursos porque apresentamos para o patrocinador um projeto que tenha aderência, que fale a mesma linguagem que a empresa quer ouvir”. Ele reconhece, no entanto, que muitas empresas ainda não estão preparadas para analisar projetos e decidir em quem investir.
Pode faltar interesse das empresas ou até mesmo projetos que atraiam o interesse do mercado, mas o que não há é falta de projetos autorizados. O problema é concretizá-los. De acordo com levantamento divulgado anualmente pela Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura, do MinC, mesmo os artistas que chegam a conseguir algum recurso, captam menos do que o valor autorizado pelo ministério. Durante o ano de 2013, os projetos que conseguiram captação de verbas tinham autorização para chegar a R$ 4,3 bilhões. Desse valor, porém, apenas R$ 1,2 bilhão chegou a esses artistas.
Procurado pela reportagem, o MinC informou à Agência Brasil que existe um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional para reformar a Lei Rouanet, mas não explicou como as propostas do novo texto podem resolver a queixa dos jovens artistas.
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