quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Cervejeiros - O milho não merece essa humilhação

6 de agosto de 2014| 
Por Heloisa Lupinacci

Existe uma grande mentira propagada por quase todos os bebedores de cerveja: a que diz que cerveja que leva milho é ruim. Como quase toda grande mentira, ela tem um fundo de verdade. O milho – e outros cereais não maltados, como o arroz – é usado em larga escala pela indústria na produção das cervejas chamadas convencionais. Dessa afirmação, e note bem como ela é absolutamente neutra, concluiu-se a grande balela.
Disfarce de vilão. A culpa de a cerveja ser ruim não é do milho, mas da maneira que ele é usado na receita.

O milho em si, sozinho, não faz cerveja ruim. Assim como a cevada sozinha não faz cerveja boa. Cada ingrediente traz coisas diferentes, e até o grande vilão, o milho, pode ter seu uso, sim. E tem. E em grandes cervejas, que ninguém contesta que sejam boas – veja abaixo rótulos que levam milho e arroz.

O milho e o arroz, dois dos tais cereais não maltados, são usados para gerar álcool sem gerar corpo. Ou seja, para fazer cervejas leves. Boas para dias quentes, daquelas fáceis de beber – aí se encaixam as cervejas populares brasileiras, é verdade. O grande pecado dessas cervejas não é usar milho, mas camuflar esse uso e deixá-lo sob a vaga rubrica “cereais não maltados” na lista de ingredientes, em letras bem pequenas. A tentativa de deixar na miúda a larga presença desses ingredientes caiu por terra quando, em outubro de 2012, estudo conduzido no Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da USP, concluiu que eles eram 45% da cerveja – e teve enorme repercussão. Todo mundo começou a ler o rótulo e a exigir que o que vai na cerveja seja dito em voz alta.

O milho e o arroz foram tema do debate de que participei no Degusta Beer & Food, ao lado do Raphael Rodrigues (All Beers), Luis Celso Jr. (Bar do Celso e Gazeta do Povo), Ailin Aleixo (Gastrolândia) e Bia Marques (Menu). O debate foi mediado pela mestre-cervejeira e sommelière Cilene Saorin.

Lá no final da conversa chegamos à conclusão de que estamos no meio de uma efervescência cervejeira no Brasil: é hora de experimentar, testar e ousar. Inventar que não pode colocar milho baseado no uso que a indústria faz é limitar esse campo de criatividade. Disse lá e digo de novo aqui: eu adoraria ver uma cervejaria de pequeno porte, querida por todos os cervejeiros, fazer uma cerveja que leve milho na receita, dizer isso com todas as letras e explicar o que o milho está fazendo lá. Para, assim, desfazer essa impressão tão injusta com o cereal que é a cara do Brasil e, mais ainda, de São Paulo.

O que Skol e Rodenbach têm em comum?

Michael Zepf, diretor da Doemens Akademie, escola alemã que forma sommeliers no mundo todo, esteve no Brasil, e foi recebido por Cilene Saorin, que dirige a academia aqui. Juntos, fizeram uma prova de cervejas em latas de 269 ml. Skol, Itaipava, Devassa, Sol e Petra foram provadas duas vezes. E os dois graduados sommeliers concluíram: a melhor é a Skol (R$ 1,59). “Dentro da proposta, refrescante, neutra, matar a sede e dar aquela maresia, nas duas vezes, a melhor foi a Skol. Estava fresca, sem defeitos, absolutamente adequada à proposta”, diz Cilene. “Ela é uma latin-american light lager, estilo genuinamente latino-americano, feita com milho, que é genuinamente latino-americano. Por que diminuir uma bebida que cumpre tão bem o que propõe?”

Michael Zepf pergunta retoricamente: “Qual a bebida mais popular do mundo?”. Água. “E qual é a descrição mais comum dessas cervejas?” Aguadas. “Elas têm muita referência da água. São bem refrescantes.”

Calma, antes de atirar sabugos, vamos ao outro oposto. A belga Rodenbach (R$ 46, 750 ml), uma flanders brown ale, leva de 10 a 20% de milho. “Complexa, produzida por cervejaria clássica e renomada, tem notas balsâmicas, é envelhecida em barril e leva milho. É lei: belgas ácidas – hoje tão badaladas – devem levar de 10 a 20% de milho”, diz Cilene.
Lá e cá. Uma é super pop; a outra é das mais cults. O ml de uma custa doze vezes mais do que da outra. E vai milho nas duas.

DE ARROZ
Hitachino Nest Red Rice Ale
Origem: Japão
Preço: R$ 25 (300 ml)
Quem descreve: Luís Celso Jr., do blog Bar do Celso
Essa belgian strong golden ale trata o arroz na condição de ingrediente de alta gastronomia. Complexa, ela tem grande quantidade de arroz vermelho, além de frutas vermelhas. A fermentação com levedura de saquê. A cor é âmbar levemente avermelhada e turva, traz notas de frutas vermelhas, defumado, saquê, álcool no aroma, tudo isso sob o fundo adocicado de maltes claros. Na boca, o doce aparece me primeiro lugar, com acidez para equilibrar. Ela tem corpo leve e boa carbonatação. O final do gole é marcado pelo sabor do saquê e defumado, com leve amargor. Uma cerveja muito fácil de beber e ao mesmo tempo exótica. Vai bem com sushi.

DE MILHO
Flying Dog Agave Cerveza
Origem: Frederick, Maryland (EUA)
Preço: Não disponível
O preconceito contra o milho vem, em parte, dos EUA. Também lá o cereal é bastante disponível e foi muito usado em épocas de crise. Além de baratear os custos de produção, ele também serve para fazer que a cerveja aguente o tranco das viagens pelo extenso território do país (milho ajuda a preservar a bebida, assim como o lúpulo. A flor é mais eficiente – e também mais cara). A forte influência da escola cervejeira americana aqui no Brasil importou a implicância para cá. Mas, atualmente, lá, os cervejeiros começam a rever essa birra. A Flying Dog anunciou que o próximo rótulo da série Brewhouse Rarities é a Agave Cerveza. Baseada nas lagers de estilo mexicano, como Corona, leva 30% de milho – além de néctar de agave e suco de lima.

http://blogs.estadao.com.br/paladar/o-milho-nao-merece-essa-humilhacao/

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