05/06/2014 às 0:14
Um lixo autoritário, apelidado de “Lei da Palmada”, foi aprovado nesta quarta no Senado, em votação simbólica, e seguirá agora para a sanção certa da presidente Dilma Rousseff. A madrinha do texto, que estava lá deitando seu proselitismo inteligente, é a apresentadora Xuxa. A gente sabe que ela ama as criancinhas. Bem, não sou político, né? Não dependo de voto nem preciso ficar bem com celebridades. Só tenho o compromisso de escrever aqui o que eu penso.
O Estatuto da Criança e do Adolescente já diz no nome as categorias que protege. Também há o Código Penal, que pode dar conta da conduta indevida dos pais ou dos responsáveis pela criança. Esse texto (íntegra aqui) só recebeu o apelido de “Lei da Palmada” porque, com efeito, um pai pode, sim, ser punido por dar um tapa do traseiro de seu filho. Trata-se de um notável mimo do autoritarismo, abraçado com entusiasmada ignorância por amplos setores da imprensa. Vamos ver o que a nova lei acrescenta ao Estatuto da Criança e do Adolescente:
Como se nota, não se define aí o que é “castigo físico” ou “tratamento cruel ou degradante”, certo? Então é preciso cuidar disso. E a Lei então especifica:
Ora, leitor amigo: um tapa na bunda “humilha” ou “ridiculariza” a criança? Quem vai definir isso? O que significa exatamente “humilhar”? Ou o que quer dizer, com precisão, “ridicularizar”? Ninguém sabe. Qualquer mãe, qualquer pai, qualquer pessoa encarregada da educação de uma criança estarão à mercê do juízo subjetivo do Conselho Tutelar ou de quem fizer a denúncia.
E se a denúncia for considerada procedente? Bem, aí entra o “estado soviético” para reeducar o cidadão. Vejam o que pode acontecer (sem prejuízo, claro!, de outras punições):
A coisa para por aí? Não! A nova lei institui um verdadeiro regime persecutório. Vejam o Artigo 245. Se uma pessoa que exerce função pública deixar de comunicar às autoridades casos de que tenha conhecimento, poderá ser punida com multa de até 20 salários mínimos — ou o dobro se for considerado reincidente.
Há algum funcionário público morando no seu prédio, leitor amigo? Se o seu moleque lhe der um chute na canela ou jogar pela janela o gatinho de estimação da irmã mais nova, não ouse dar um tapa da bunda dele. Limite-se a dizer: “O papai te ama. E a Xuxa também”.
Só para registro: nunca encostei um dedo nas minhas filhas. Oponho-me a qualquer forma de castigo físico, embora tenha levado, sim, alguns safanões da minha mãe — alguns deles, vejo hoje, até que merecidos. Não me fizeram mal nenhum. Não sou fumante, por exemplo, por falta de algumas chineladas no traseiro quando ela descobria os cigarros escondidos. Queriam o quê? Que ela me viesse com um tratado contra o câncer? As leis que temos são suficientes para punir pais violentos, sem que o estado se meta dessa forma estúpida nas famílias. A questão é de educação, ora bolas! Até porque cabe uma pergunta óbvia: se a proposta é que os pais eduquem seus filhos, ao invés de puni-los, por que o pai-estado opta por punir os adultos, em vez de educá-los? O estado recorre, assim, à palmada para punir a palmada???
Essa lei tem a idade mental do “Xou da Xuxa” e a idade moral do stalinismo e do fascismo.
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/
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