25/04/2014 às 3:28
Manifestações contra a violência das UPPs marcaram o funeral do dançarino DG (JC Pereira/AgNews)
Quem assistiu apenas a alguns noticiários de TV na noite desta quinta não ficou sabendo, porque a informação lhes foi sonegada, que a manifestação de protesto contra a Polícia do Rio — e especialmente contra a presença das UPPs nos morros — contou com a adesão de black blocs e dos militantes profissionais de sempre. Havia moradores de favelas, especialmente de Pavão-Pavãozinho, protestando nas ruas de Copacabana? Havia, sim. Mas os “ideólogos” do asfalto estavam lá para, mais uma vez, usar um cadáver como estandarte — desta feita, o de Douglas Rafael da Silva, encontrado morto no Pavão-Pavãozinho, sua comunidade de origem, mas onde ele já não morava mais. Teria ido ao local para levar sua namorada, que mora na “comunidade”, que é como se deve falar “favela” em carioquês castiço e politicamente conveniente.
Seu corpo foi enterrado ontem, num grande happening, que contou até com fogos de artifício. Ninguém vai perguntar quem financiou porque há perguntas que o jornalismo só podia fazer antigamente.
Eu sou um crítico, como sabem todos, não das UPPs, mas da política de segurança pública do Rio, que opta por espantar bandidos, em vez de prendê-los. Mas é evidente que defendo a presença de unidades policiais nos morros. Rejeito ainda o nome de “polícia pacificadora” porque fica parecendo que a função dos policiais é promover a paz entre bandidos e gente decente. E lugar de bandido é na cadeia, não fazendo acordos com quem quer que seja.
É evidente que as palavras de ordem dos protestos de ontem, como “Fora UPP” e “UPP assassina”, foram ditadas pelo narcotráfico, o mesmo narcotráfico que enfrentou policiais a bala na madrugada em que Douglas, que era dançarino do programa “Esquenta”, de Regina Casé, foi assassinado. É possível que os assassinos sejam policiais? É, sim. Mas também podem ter sido os traficantes. Até que não se faça a devida apuração, transformar a opinião da mãe do rapaz numa espécie de laudo técnico informal é uma temeridade. Que se apure tudo e que se mandem os responsáveis para a cadeia. Mas vamos devagar!
E se não foi a polícia? Vão aceitar o resultado? Douglas era uma celebridade local, já não precisava mais viver na favela, embora circulasse por ali. Para o narcotráfico — estou apenas lidando com a lógica — ele está sendo mais útil morto do que vivo. E que fique claro: ainda que seus assassinos tenham sido policiais, é evidente que os morros precisam de UPPs — formada por policiais decentes.
Há coisas incômodas nessa história toda que precisam ser ditas. Felipe Moura Brasil publicou em seu blog esta imagem.
No dia 18 de janeiro, no Facebook, Douglas lamentava a morte do traficante Patrick Costa dos Santos, o “Cachorrão”, num confronto com a polícia, ocorrido um dia antes. Até aí, vá lá. O cara podia ser seu amigo. Felipe traduz para o português o que vai ali escrito:
- “PPG” é a dita “comunidade” Pavão, Pavãozinho e Galo.
- “Bicos” são fuzis de uso restrito das Forças Armadas, de grosso calibre.
- “Os amigos” são os integrantes das quadrilhas de traficantes.
- “Fazer barulho” é efetuar centenas de disparos, aterrorizando a população.
Pois é… Na reportagem do “Jornal Nacional” de ontem, prestei atenção a esta camiseta:
Os mesmos termos com os quais Douglas lamentava a morte de Cachorrão. Não! Eu nunca insinuo nada nem falo coisas oblíquas. Pouco importa o que fazia o rapaz quando não estava dançando no “Esquenta” da Casé, uma coisa é certa: não poderia ter morrido como morreu. E é preciso saber quem o matou e meter em cana, use farda ou não. Mas não dá para ignorar os fatos. Contam-me que a expressão “Saudades eternas” é uma espécie de lema ou de senha macabra com que o narcotráfico e seus aliados objetivos celebram a memória dos que lhes são caros ou dos que serão usados como estandartes. “Minha avó tem ‘saudades eternas’ no meu avô e não é narcotraficante”, diz o bobinho…
Cobrar a rigorosa apuração do caso? Sim! Meter em cana os assassinos? Sim! Pedir uma polícia mais preparada nos morros e em toda parte? Sim! Exigir que as UPPs deixem as favelas? Aí, não!
Isso é reivindicação de bandido, de narcotraficante, de larápio! Em muitos anos, muitos mesmo!, os bandidos não obtinham tamanha vantagem contra o estado na guerra de propaganda. Usasse ou não farda, é possível que o assassino de Douglas soubesse muito bem o que estava fazendo. A polícia e a política de segurança pública não ganharam nada com essa morte. Mas o crime organizado pode comemorar o resultado.
Por Reinaldo Azevedo ( http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/)
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